Lindos Serviços!

No Domingo por Excelência, em que Aquele Que veio para servir em vez de ser Servido Se e nos libertou da morte, não há Ponte possível para considerar  serviço público o que tantos viram simplesmente como uma sevícia pública.
E também é triste que o orgulho em ser a única das três mais belas livrarias do Mundo concebida ab initio para o efeito não leve a abdicar dos ganhozinhos extra resultantes de a explorar como museu, em vez de venda de volumes. Mas talvez seja consequência de, cada vez mais, o que nos livros interessa às pessoas ser a capa.
Com o Anjo falando às Mulheres no Sepulcro Vazio, de Baciccio, uma Santa Páscoa, apesar de tudo!

Amêndoas Amargas

O Arcebisbo Primaz disse tudo. Que esta classe política não presta, toda a gente a quem ela não passa cartão e que lho não retribui o vê. Que a Banca, em vez de instância de auxílio, se transformou num factor de desespero, cada dia se torna mais nítido. Estamos próximos de um panorama de revolta contra a escassez imposta de cima, a avidez bancária e a insegurança decorrente da conjugação de ambas, um quadro similar ao que, no Século XV,  levou ao alastramento do sentimento contra a Usura, que se viria a exprimir em escapes tão perturbadores como o aumento exponencial da relevância do anti-semitismo, ou em iniciativas de caridade tão imaginativas e altruístas como o Monti da Pietá, a instituição de crédito por nós conhecida por Montepio, criada em função dos esforços de São Marcos de Montagallo, para dotar a Comunidade de um prestador de crédito que tivesse primeiramente em vista as necessidades do que precisava do dinheiro, em vez dos interesses do credor. Mas a sede do ouro domina o mundo em que ele rareia, nesta Páscoa em que os ovos não são, decididamente, sequer, os preciosos sobrevivos das galinhas que mataram, fossem o entesouramento do Estado Novo, ou os cheques europeus. São-no sim os podres que as açoitadas audiências em fúria querem atirar aos Coelhos que nos saíram na rifa que usa o nome pomposo de "boletim de voto". Peço a Deus que os dois populares símbolos pascais voltem a ser da renovação, a começar pela dos sistemas de poder político e económico que, nas actuais circunstâncias, tanto dificultam a que verdadeiramente conta, aquela que nos torne melhores, rumo à Harmonia.

O Destino da Lança

Quer a Tradição identificar como São Longino tanto o militar romano que espetou o ferro no Lado do Salvador Crucificado, para certificar a morte, quer o centurião que, em face dos prodígios imediatos, reconheceu audivelmente Nele o Filho de Deus. Teria levado a sua conversão ao ponto de sofrer martírio precedido de arrancamento de dentes e língua, tentativas infrutíferas de lhe vedar o Testemunho ou expressar facilmente o Júbilo, sabendo-se a transmissão maior a da sua biografia e a Alegria que contava a de seguir o Exemplo Auto-Sacrificial daquela Sexta-Feira às três da tarde, em que uma arma impotente tentara estabelecer como irrefutavelmente definitivo o que se revelaria sobrenaturalmente provisório. Assim como Santo Agostinho disse de São Dimas, o Bom Ladrão, que o «era tão bom que, à última hora, roubou o Paraíso», deste Partícipe na Execução podemos dizer que a que ficou conhecida como Lança do Destino o era, segundo a expressão, na maior das Áfricas, pois estava, afinal, fadada para demonstrar que todos podemos aceder à Misericórdia, desde que façamos por isso, confirmando a visão de Deus de Santa Catarina de Siena, em que lhe terá sido dito assentar o Desgosto Divino supremo não na traição do Iscariotes, mas em o desespero do arrependimento dele o ter levado a uma corda de má qualidade, em vez de à da procura da do Perdão a que se pudesse agarrar. Enfim, ao Pecado Contra o Espírito Santo, o tal que não será perdoado.
                Fra Angélico tinha a pintura por um estágio mais da Oração.    Não nos cansemos de contemplá-la, para lhe acentuar a razão.

O Regresso do Rei?

Não, não estou a coroar a fera que, televisivamente, voltou a rugir, apesar das petições desanimadoras. Quero simplesmente dizer que o que ele defendeu quanto ao Chefe do Estado, com o rol de queixinhas que se noticia, é que o mesmo deveria ser um Monarca. O jogo e, mais grave, o jugo das facções, levaram à recorrente recriminação dos Presidentes pelos Primeiros-Ministros que nos respectivos mandatos serviram. Sá Carneiro, Balsemão e Soares disseram de Eanes o que Maomé não disse do toucinho, Cavaco cobras e lagartos de Soares, enquanto que o caso de Santana Lopes com Sampaio, de tão flagrante, não permite reacções entre a pena e o gozo. Salvaram-se Guterres e Durão, pela simpatia oca, um, pela servilidade pueril, o outro. O que vem sendo próprio dos eleitos de uma maioria é ir obrando contra os de outra; e o País que aguente. Só alguém não-eleito, como nas Monarquias Norte-Europeias, poderia escapar à tentação do partidarismo, mas mesmo esse remédio, em Portugal, é duvidoso, com as orquestrações de campanhas do mais soez que se imagina a inventarem quebras de imparcialidade do Trono, como as do Partido Republicano Português contra D. Carlos. Então porquê esta catadupa de lamentos do Sr. Sócrates? Marcelo está obcecado com a próxima eleição presidencial e os adversários que lhe possam calhar, do Comissário-Mor Barroso, a este Animal Feroz. Mas é capaz de ter razão, o homem torna-se assim suspeito de estar interessado em Belém, dizer mal do exercício do precedente ocupante do cargo é quase um passo clássico no caminho. O que levaria a concluir que não querer voltar para já à política activa, mais do que não poder, é não lhe convir. O espectro da Coroa, todavia, mais tarde ou mais cedo, incendiará a República.
                                                         Coroa, de Aron Wisenfeld

Vamos, Filhos da Pátria!

Isto de exacerbar as paixões nacionais no âmbito desportivo não parece, claro está, a melhor política. Mas as declarações de Platini, a propósito da recusa canora de Benzema em entoar o hino francês não encontraram os melhores argumentos, aparentam ser uma reedição da tontice do Falecido Alçada Baptista, um Escritor que respeito, quando, nas vestes comissariais do 10 de Junho, queria banir os canhões e a marcha contra eles, bem como os apelos às armas do nosso cântico equivalente. Não, poder-se-ia, melhor, recusar a Marselhesa nos estádios porque os seus versos encerram um chorrilho de insultos contra os Reis e os que não simpatizavam com os ideais de 1789 e o insulto se quer banido dos palcos desportivos, como atesta a dureza contras invectivas raciais das claques. A Frente Nacional, por seu turno, deveria estar caladinha, já que a composição foi obra de maçons notórios, embora não tão extremistas quanto outros, o que levou o Barão Dietrich, autor da encomenda, à guilhotina e o compositor, o Capitão Rouget de Lisle ao arrependimento levado ao ponto de escrever uma canção de sinal contrário, «VIVE LE ROI!». Mas o mais avisado seria deixar as paixões fora disto, a menos que se encare o acto de cantar aqueles maus versos como um mero encorajamento, à laia de Sarah Bernhardt, que os declamou, imediatamente antes de lhe amputarem a perna. E, aí, não passará de um doping tolerado...
                                  A partir do monumento de Bartholdi em honra de Rouget

A Vaga Solução

Sem sombra de ironia, tenho boa opinião do Ministro Crato e sentiria pena de qualquer valente que sobraçasse a pasta da Educação. Anos de sobredimensionamentos, opções orçamentais discutíveis, decréscimo do número de criancinhas e um ministério cujos serviços e regulamentos se transformam facilmente num baluarte burocrático resistente às mudanças mais coriáceo que Sir Humphrey Appleby tornam ciclópica a tarefa de pôr ordem naquela casa. Mas esperar que uma vaga de reformas seja a solução para o absurdo número de docentes desocupados não é entender a palavra reforma num sentido diverso daquele que as necessidades apontavam como um imperativo? E esperar por tão milagroso desenvolvimento não é passar a batata quente da tutela do Ensino para a das aposentações? Ora, como o País é o mesmo para os dois departamentos, digamos que parece apenas uma alteração de mobília, destituída de ganhos de espaço relevantes.
                                                         Reformado, de Fred Wolf

O Fim dos Manda-Chuvas

                                  Papoilas Contra Um Céu Tempestuoso, de Bruce Cohen

Tenho a convicção de que a mudança do nome do Instituto de Meteorologia e Geofísica para Instituto do Mar e da Atmosfera, mais do que sublinhar a nossa vocação atlântica, importa a confissão de que o seu objecto não se desenrola no terreno de ciências propriamente ditas, como denunciava a jocosa adulteração para Mentirologia, mas no da submissão aos caprichos dos elementos. Vale que inexiste há muito entre nós a pena capital, ou poderia algum magistrado ocioso pleitear em favor da sua aplicação aos que enganam o público opiado para suportar a fraude sem revolta, à maneira do sucedido no Novo Mundo, com a pobre marmota adivinha, a qual, se menos frequentemente errou, não está protegida pela atenuante dum diploma universitário. Mas uns e a outra poderiam sempre defender-se dizendo que, antes deles, seria de executar alguém cuja total incapacidade de previsão é mais uniforme e grave, lembra-me o Ministro das Falhanças Gaspar, ou os técnicos do covil donde saiu...

Dos Fortes e dos Fracos

Devo, em primeiro lugar, dizer que nunca prezei o Instituto de Odivelas, por não me ser simpática a aplicação de ritos e disciplina militares ao Belo Sexo, cujo encanto associei sempre a uma certa indisciplina e... civilidade. Posto o que, em nada me surpreende a extinção ora decidida. Num País onde é reconhecidamente fraco o aproveitamento escolar e consabidamente forte a obsessão de igualar por baixo, um estabelecimento que produzisse elites era uma afronta, além de que, para um regime eternamente em convivência penosa com as Armas que utopicamente defendessem a Nação, núcleos de casta formadores até passam por afronta. Nada de novo, portanto. Mas quando já não se detecta grande vontade de salvaguardar património humano, ao menos que se poupe as pedras: o Forte de Santo António, no Estoril, foi um dos espaços físicos onde mais se decidiu quanto à sobrevivência nacional, no Século XX. Veio a ser, depois, afectado a colónia de férias do colégio em vias de extinção. Fica o voto de que o não liquidem, como o vizinho de S. João da Cadaveira, que era da Guarda Fiscal, servira para o repouso de filhos de militares e está transformado numa ruína à espera do dinheiro duvidoso que o transmute em espaço turístico. Com a importância que tem o monumento, ao menos que o cuidem, com a má motivação - mas eficácia plausível - de ter sido onde o seu (deles) odiado Salazar terminou a carreira de governante, com o célebre acidente da cadeira.

Todos às bancas e aos quiosques!

O Diabo da passada semana traz um notável artigo do Jovem Marcos sobre Ian Smith e o de amanhã trará um texto meu sobre Leitão de Barros. E em todas as edições há sempre o imperdível editorial do Jovem Duarte e a certeira coluna do Jovem Humberto. Perante tudo isto, quem é que ainda se esquece de comprar o jornal?

A Civilização e a Selva

Diz a Senhora Ministra do Governo Francês que estender o Casamento aos homossexuais constitui uma mudança civilizacional. Cada um muda o que pode, porque se isto é mudar o que quer, não há maneira, considerando as implicações físicas da modificação, de evitar reconhecer que se estará perante um passo à rectaguarda. A mim pouco importaria que o nó da República, para mais de uma com origens sanguinárias e destruidoras da Grandeza que fez a Europa, amalgame essa gente aos seus outros cúmplices. Conquanto não se alargue o Sacramento da minha Religião a tal gente, é-me igual ao litro. A "conquista" não abona muito é em favor do conceito em que os invertidos se têm: querem ser iguais aos outros no modo de vida das aparências que mascaram a oposição fundamental da sua desorientadora orientação. Os Puritanos de muitas seitas Calvinistas Britânicas, no Século XVII, ciosos da bondade comparativa que imaginavam nas suas preferências, embarcaram para a América, a fundar comunidades moldadas à sua medida, em que pudessem permanecer como eram. Estes, ao invés, tão má opinião têm de si que macaqueiam os outros e querem impor essa imitação barata como um equivalente ao original. Mas isso é entre eles, como será a desatenção aos números dos manifestantes, num mundo mesquinho que os hipervaloriza se na vertente de votos..
                                                          O Plágio, de Magritte

O que se exige, porém, é que não continuem a falar em declínio demográfico. Quando os reconhecimentos institucionais equiparam uma realidade edificada para fomentar a natalidade a uma que dela abdica, na mesma instituição, está a entregar os pontos e a neutralizar muitas cegonhas que trariam os bebés de... Paris!!!

Vertigem da Desagregação

O Poder, quando é fraco, desagrega. Se, além disso, se entrega a partidos e partidas de baixo nível, fragmenta. Mas, ao estupidamente tentarem extinguir os poucos traços de união que restam às Pessoas no patamar do Desespero, pulverizam. Têm carradas de razão os argutos e revoltados intervenientes no debate de que resultou o grito de alarme e angústia contra a opressão do abastardamento linguístico proveniente de definições magistrais de uns especialistas a quem cabe por inteiro o dogma da falibilidade. Simplesmente, se para os adultos é péssimo ter de reescrever pior o que se aprendeu, para a garotada em idade de aprendizagem é de insuperável gravidade. Embora as mais novas possam não sentir tanto a diferença entre o antes e o depois, todas ficarão com um acrescido factor de antagonismo familiar, expresso na desconformidade do Português escrito dos familiares e o da Escola. Que, injectatando um motivo adicional de desprezo ou de incompreensão pelo modo dos mais velhos, alegremente se chega à frente para destruir de vez o que de compacto reste aos laços do lar.
                                                      Criança Em Cinzento, de George Luks

A Filosofia da Normalidade

Sabendo da clivagem que o Dr. Seguro, numa surdina notória, em tempo, alimentou contra o Socratismo, tentaram os jornalistas entalá-lo, pondo-o perante o incómodo da hipótese de o Comentarista caloiro que o antecedeu no partido vir a corporizar alguma assombração vingadora dessa desconformidade pretérita. O Secretário-Geral do PS retorquiu com a normalidade, o que é facilmente perceptível: não só, ao estabelecer esse padrão, assegura o Futuro, uma ribalta pós-liderança, a modos que um senado onde repousem os políticos depostos ainda jovens para a Reforma, como dá uma estocada no putativo rival. Com efeito, para além do nome, nada fazia prever que aquele aguentasse o estudo da Filosofia como substituto da intervenção política em que foi nado e criado. No seu íntimo, a especulação e os livros do pensamento traduziriam a prisão irremediável que fere a sensibilidade dos que se habituaram a mandar sem reflexões maiores que as do debate superficial e orientado para a vantagenzinha paralamentar. De resto, onde antes se faziam apenas comendadores, produzem-se hoje comentadores.
                                                          O sugestivo quadro é de Jim Warren

Verdade Prima e Vera

Neste tempo de escassez impregnado pelo odor de mais um ciclo primaveril, penso no mito de Pomona, a Abundância que se recusava a todos, como no estratagema a que Vertumnus o Deus das Estações, recorreu para a induzir a entregar-se: disfarçado de Velha conseguiu aproximar-se e convencê-la da necessidade de espalhar a Alegria para não desperdiçar os seus frutos, quer dizer, para ser fecunda. No dia em que se quer comemorar a Poesia e o fim do Inverno no Calendário, saibamos terminar o do nosso descontentamento insuflando a atmosfera espiritual propícia à Partilha, na certeza desinteressada de não ser o nosso protagonismo volitivo ou actuante o que releva, mas sim o quinhão que pudermos dar para esbater os antagonismos ávidos e concorrenciais provocadores do definhar geral. E tendo em atenção que, por vezes, a aparência vetusta não é mais que um disfarce da eficácia que soluciona.
                                                       Vertumnus e Pomona, de Paulus Moreelse

Por Alberto Caeiro:

Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

O Real Gaseado

Passada a primeira e traumatizante impressão, o caso Cipriota reconduz-se ao que, de facto, espreita por detrás da míngua de papel, ou seja o papelão que o pequeno País pode desempenhar nas Relações Internacionais. Quer dizer, na reedição das desconfianças que os Europeus Ocidentais têm pelas aspirações mediterrânicas da Rússia, num ressurgimento da relevância das zonas de influência que a fraqueza da União Europeia torna risível. No Século XIX deu a Guerra da Crimeia, com Franceses, Britânicos, o embrião Sardo da Itália e um cheirinho de dinheiro germânico, o Austríaco, a sustentarem uma guerra contra-natura de apoio aos Turcos, para impedir a hegemonização do Oriente do Mare Nostrum pelo gigante euro-asiático. Hoje, a falta de jeito dos Comissários e demais eurocratas presididos pelo Dr. Barroso, deu em propor, pensando que não poderia recusar, soluções draconianas a Nicosia, sem alcançarem que a pletórica abundância de depositantes russos ameaçados de extorsão poderia levar Moscovo a corresponder com entusiasmo a qualquer pedido de ajuda alternativa, em nome dos interesses dos seus nacionais, enquanto a Ankara ocupante do resto da ilha resfolega a bom resfolegar. É que, com a descoberta de gás natural naquelas paragens, se, porventura, os endividados naturais da Terra de Afrodite não tenderão a dizer, como Salazar ao encontrar-se petróleo em Angola, «só me faltava mais esta», pode bem calhar-nos ter de gritar o mesmo, caso os precipitados gestores europeus que por aí andam continuem a hostilizar sem Norte ou força a política muito mais coerente do Presidente Putin. Mesmo achando que conseguem pintar ou reescrever a Realidade com louvores de circunstância aos grandes Artistas desses campos que ligariam o Continente.
                 Ruínas dum Castelo de Chipre, Saranta Colones, de Azat Galimov

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No filme de terror constante que se revela a actualidade que somos forçados a suportar, só faltava o episódio do regresso dos mortos-vivos. A relação entre os comentaristas políticos da Televisão e a Governação é perversa, mas, até agora, no sentido de se poder encarar a actividade vampiresca das análises pagas e emitidas como trampolim para acupação de órgãos decisórios, ou para a participação neles. Quando ex-líderes que não tenham chegado ao Poder passam a botar faladura sobre os eventos quotidianos há uma degradação, mas funciona como uma espécie de consolo compensatório pelo fracasso, apesar de não abonar quanto ao campo de recrutamento das redes emissoras, cingido ao critério da notoriedade, mesmo que por motivos infelizes. É o que se passa com Marques Mendes, já que o caso de Marcelo, ao configurar um regresso às origens, é diferente. Mas chamar à função um Primeiro-Ministro passado e falhado é um erro que subverte o próprio molde do programa que se anuncia. De cada vez que fizer uma crítica aos actos da presente Administração, estará decerto no seu inconsciente e na hiperconsciência dos espectadores uma apologia, ao menos comparativa, da sua condenada acção. E se a isenção das apreciações está ainda mais irremediavelmente comprometida do que de costume, a forçada apresentação do seu passado, pairando como alternativa ou causa, acabará por transformar o que se quereria exame distanciado em duelos retóricos sobre a distribuição de responsabilidades. Na ânsia de garantir o Contraditório, os novos empregadores do Sr. Sócrates caíram numa opção contraditória com o que anunciam.
           Homem Tentando Perceber o Seu Lugar no Universo, de Darwin Leon

Bancos e Bancadas

Vêm vultos da Maioria assentada em S. Bento reclamar um Governo suplente dos mesmos emblemas, apesar de saltar à vista a escassez de banco. Como sempre disse, a propósito da saga da nomeação de Santana Lopes, nada que choque especialmente, na única vocação parlamentar que não é um disparate, a Britânica, é costume enraizado não só a entrega de testemunhos, veja-se a de Blair a Brown, como revoltas parlamentares substituírem lideranças dos executivos, sem recurso a novas eleições, tal o caso de Thatcher por Major, na sequência da reprovação emergente das alterações em torno de impostos. Não estamos habituados a tanto, porque, cá, os deputados não são escolhidos para pensar por cabeça própria, mas para se constituírem em serventuários das catastróficas siglas partidárias, coisa que, embora em situação extrema, já nem em Chipre se constata. Também por isso se compreende a aspiração de Henrique Neto & Cª a abrir aos independentes as bancadas legislativas. É uma reivindicação simpática no intuito de subtrair ao monopólio das estupidocracias partidártias a formação de listas, mas pouco adiantaria na crise que vivemos, pois a ausência de clubite não excluiria o ping-pong de promessas para arrebatar o Poder e incumprimento subsequente, que, circular e viciosamente provocassem novas consultas, similares ascensões e decorrentes quedas. A única forma de ultrapassar este beco sem saída é a ruptura constitucional que entregue a uma entidade não-eleita a nomeação dos ministérios. Rei, Forças Armadas, sorteio, o que queiram. Mas sem urnas agoirentas! Até lá, é torcer para que algum assomo de dignidade transforme os pseudo-representantes do Povo em coisa diferente dos autómatos que vão sendo, com a Sabedoria que os redima, pelo Mocho simbolizada. E que deixem de ser progenitores-coruja, quer dizer, parciais, de rebentos aberrantes como as opções desgraçadas em que se vem traduzindo a governação.
                                                  O Parlamento dos Mochos, de Scot Gustafson

O Senhor dos Anéis

Aproveitando o título célebre da deliciosa fantasia neo-pagã - mas não neo-paganista - de Tolquien, enquanto sigo a entronização do Papa Francisco, uma rápida olhadela a dois dos símbolos da sua Missão. Todos apontam como consistente com o jesuítico voto de pobreza e com a admiração reiterada pelo Santo de Assis a opção da prata em vez do ouro como material do Anel do Pescador. Sê-lo-á, sem dúvida, mas sugiro uma outra alusão, a de reservar a Cristo, na vertente de adoração como Rei, o símbolo já presente numa das oferendas dos Magos.
Assim como, quando a tónica é posta na preservação de elemento emblemático da Companhia nas armas escolhidas, gostaria de adicionar a referência à Sagrada Família. Numa altura em que o Magistério Papal é tão necessário no Mundo, mesmo fora da prioridade da Oração e da Celebração Sacra, colocar no brasão os Sinais do Veneradíssimo Núcleo Humano Propiciador ou Coadjutor da Salvação pode fazer-nos lembrar o episódio extraordinário da (segunda) Defenestração de Praga, em que as vítimas católicas do atentado viram inesperadamente mantidas as respectivas vidas terrenas, após a invocação audiblíssima por uma delas, o Conde Slavata, de «Jesus, Maria, José!». Que possa ser o signo precursor da manutenção das condições para estoutra Vida de Serviço.
E porque um blogue é uma conversa familiar sem a interesseira promoção marcellista da imagem, gostaria, a propósito do Pai Adoptivo de Jesus, cujo dia hoje se celebra, de partilhar Convosco ter sido num 19 de Março, o de 1966, que este Vosso amigo foi baptizado, nascendo assim para o Verdadeiro Senhor.  Dia de Júbilos vários, no que me concerne.
Uma nota final: não tem sido aprofundada uma das noticiadas preferências literárias do Santo Padre, aquela que remete para «CRIME E CASTIGO», de Dostoievski. Ligando-a directamente à observação por Ele proferida no fim de semana, de que Deus não se cansa de nos perdoar, nós é que frequentemente nos esquecemos de Lhe pedir perdão, como não meditar sobre o mais forte testemunho literário do crescimento interior que é a activação da consciência conducente à libertação das servidões absorventes traduzidas na auto-complacência, ou, pior, na fantasista edificação interior duma pretensa superioridade moral que tudo nos permitisse, por, pateticamente, nos encararmos como excepcionais?

Mãos ao Ar!

aqui falei sobre as peripécias que vem sofrendo a saudação de braço estendido, mas tenho de voltar ao tema, por causa da fobia censória que quer afastar o jovem Katidis dos palcos da Alta Competição. O rapaz disse que não sabia o que significava o gesto, neo-hitlerianamente falando, o que nem sequer admira, com a quase inexistente cultura histórica contemporânea que se instila, hoje em dia, nas crianças. Cá, seria de dizer "a cultura histórica em geral", mas, na Grécia, com um Presente de vergonha e um Passado Glorioso até separados por maior abismo, dá-se ainda umas luzes sobre a Antiguidade em que os Avozinhos viveram e deram a viver à Europa uma das suas melhores horas. O que quer dizer que, segundo o que aprendera, o moço pode ter, simplesmente, querido fazer como os avoengos atletas, os quais, nus, esticavam ao alto os membros anteriores. Daí que tenha tirado a camisola...
Mas para comprovar a acefalia da mania persecutória deste vigilante puritanismo institucional, veja-se como a maçónica e democratíssima III República Francesa publicitou os Jogos Olímpicos que organizava, em selos postais destinados a correr o Mundo. E olhem que o Fascismo, em 1924, já estava em vigor...
O que leva a injunção do título a um directo nexo  com a rendição incondicional do Raciocínio e do Conhecimento articulados.

Imagens Deformadas

O Jornal germânico que se pretende Espelho veio chamar a Beppe Grillo «o homem mais perigoso da Europa», presumivelmente por pretender não pactuar com as partidocracias que conduziram o Continente à decaída condição a que chegou e que Berlim pensa ser um património a conservar, sabe Deus com que interesse que não seja o seu. É vício antigo. Quando Alguém se opõe à marcha europeia orquestrada pela Filarmónica da Chancelaria, lá lhe colam o rótulo do perigo. Quando a Rainha-Mãe Isabel recusou o acolhimento no Canadá durante a Guerra por não aceitar que as Filhas fossem sem Ela, rejeitar ir sem o Rei e estar Certa de que o Soberano nunca deixaria o País, Hitler também disse ser «a Mulher mais perigosa da Europa». É mais do mesmo. Que têm em comum um heterogénio artista e a mais ortodoxa Realeza? Escapar à lógica dos partidos e à planificação imposta da Alemanha. Por imprecisa que fosse, a velha frase de Miguel Esteves Cardoso, segundo a qual, em tempos, os Alemães quiseram ser mais Fascistas que os outros e inventaram o Nazismo e agora querem ser mais Democratas que todos e impõem estas tutelas que eternizem partidos gastos e desmascarados tem total cabimento.
                                                   Pastora Alemã, de Miguel Oldenbourg

Saúde Em Trânsito

A princípio, fiquei intrigado por ser a Organização Mundial de Saúde a fazer um relatório sobre a mortal sinistralidade rodoviária da nossa praça. Claro que muitos acidentes têm consequências clínicas e hospitalares, ou pior, conforme as fatalidades, mas pareceria mais compreensível ser um departamento específico a focar no tráfego a sua atenção. Isto, apesar de saber que a Saúde é um território de fronteiras vocabulares movediças, nunca esqueço a justificação duma não-partcipação de célebre maratonista, sob a alegação de se encontrar lesionada, quando estava... grávida. Mas faz todo o sentido esta avocação das preocupações, se considerarmos a barbárie automobilística cá do burgo como um caso de falta de saúde mental. Ainda recentemente, ao ler um livro sobre Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial, vi o testemunho de um estrangeiro então por cá que se mostrava assombrado com a profusa utilização que os nossos Compatriotas davam ao acelerador e ao claxon. E isto numa altura erm que eram muito menos os carros e as frustrações. Também Sven Goran Erickson só conseguiu encontrar no trânsito uma área de que pudesse dizer mal dos nossos. Perante isto, o segundo lugar nem é mau. Penso que o cerne da questão está nas mitificações lusas do automóvel. Nenhum Povo, apesar dos Italianos, se apega tanto aos veículos e ao ideal que neles faz do que quereria, como nós. Talvez porque esse artificial prolongamento de si seja a maneira que resta de ficcionar que tudo corre sobre rodas...
                                                            Choque, de Steph Crase

(In)imputáveis

E esta, heim? Será que a Juventude entendeu correctamente a intenção expressa pelo Ministro Relvas de promover o regresso à Agricultura? O que mais me intriga é a fúria legalizadora de certos comentadores da "notícia", afinal já se tinha garantido que a despenalização do consumo iria fazer decair abruptamente a fascinação destes paraísos artificiais... e, depois, parece pleonástico querer tornar legal uma concorrente maior da droga mais nociva que, pobres de nós, já o é - a vida pública que nos condiciona. Dei tratos ao miolo e, por fim, descobri um sentido útil para a coisa: se as ervinhas alienantes passarem a ser transaccionadas com o beneplácito do Poder, se todos indicarem o número de contribuinte do PM & Cª, pode ser que, finalmente se vejam forçados à demissão por a incapacidade permanente de perceber e resolver os problemas do País passar a ser medicamente atestável. Caso contrário, seria apenas um acervo de alvos a acrescentar ao napalm que torra as papoilas afegãs, ou a coca colombiana.
                                                   A Sonhadora do Ópio, de Catherine Abel

Virtudes

Esteve poisada sobre a chaminé do Anúncio, cerca de duas horas, uma gaivota, que só abalou quando a noite desceu para trazer a Manhã maior. Os trocistas poderão dizer que era um símbolo do Espírito à paisana, mas será mais plausível que estivesse a guardar o lugar ao Legítimo Dono. Do Novo Santo Padre dirão, conforme os gostos, que o Cardeal Bergoglio se opôs às agressões da Política contra a Tradição Familiar, ou que sendo o primeiro Jesuíta eleito, se está perante uma vingança póstuma do Cardeal Martini, ou que salvou a Companhia na Argentina de ser desviada por teólogos revolucionários, como ainda de ser um procurador do Terceiro Mundo. Tenha sido ou não alguma coisa dessas, isso não respeita ao que será o Papa Francisco. A simplicidade simpática com que Se apresentou remete direitinha para a Mensagem Única do Poverello de Assis, mas o nome evoca também o Sacrifício Missionário de Xavier, ou a mística Mariana do Vidente de Fátima. Ao não elegerem as faces dadas como liderantes na divergência de linhas de actuação Sodano/Bertoni, libertou-se a Santa Madre Igreja da marca pretensamente infamante da burocracia pela escolha do constante Defensor dos Desvalidos. Que Deus O proteja e ajude!
                                                        Pomba Branca, de Forgas

Bufos e Bufões

Sei que na deslealdade, até porque passível de ser lida como variante do latrocínio, um agente pode almejar os cem anitos de perdão, caso traia os colegas. E a cartelização para esmifrar os clientes é mais do que desleal forma de rapina, pelo que ministrar do próprio remédio pode trazer indulgência ao huuuum novel terapeuta. A minha dúvida diz respeito, desde logo,  à sanidade de um sistema que deixa operar bancos consideráveis que se dedicam a cantar, para se sobreporem aos congéneres. É que esta também me parece uma forma de concorrência... desleal, o que a afastaria do estatuto de arrependido concedido a um tipo mais chão de criminosos e incompatível com a manutenção da actividade. De resto, temo que seja o prenúncio de uma sociedade em que se incentive a espionagem e relato do dia a dia de cada vizinho, onde o Big Brother não seja já o Estado, mas todo aquele que mora ao lado. Não haverá melhor maneira de nos considerarmos todos irmãos?
Depois, há a eterna escorregadela para o sentimento anti-Britânico, sem sequer considerar que o Barclays foi penalizadíssimo no seu próprio País, por práticas pouco dignificantes, o que o torna inadequado para emblematizar a Albion. Mas essas contas doutro Rosário constituem um óbice secundaríssimo à manutenção e expressão das aversões, claro está.
                                                   O Denunciante, de Vladimir Halovanic

Dos jornais

Saiu ontem mais um artigo meu sobre Cinema Nacional na página de Cultura do semanário O Diabo.

Cadeias da Montagem

Inicialmente, surpreendeu-me a notícia de que o nosso Portugal, um robot da Troika com aparato de País, tivesse peças suas nacionais seus a ganhar concursos com a concepção de outros auxiliares mecânicos do género, o que, no fim de contas, seria apenas mais um elo na automação. Abri o link correspondente e tudo se clarificou: a geringonça era um corta-Relvas. Só podia! A ilustrar, um clássico do meu tempo, dos «Salada de Frutas», para este tuguismo verde-rubro, em que tantos e tantos trabalham muito e necessariamente gastam pouco, olhó!

Velhos São os Trapos

Não é de hoje a minha antipatia para com o Facebook? Errado, por bastante avesso que desde há muito seja a redes sociais que aprisionam, data também do momento presente um pouco da minha hostilidade. Para além do pano de fundo anti-puritano que me faz alegremente malhar em todo e qualquer ataque ao Nu que elevou a Arte, ainda mais do que se deixou por ela elevar, não tem muita defesa a proibição de um museu colocar na respectiva página uma obra com a vetusta data de 1939, apenas porque despojada de veuzinhos tranquilizadores. Do ponto de vista do sossego das inquietudes mais vigilantes, perde-se com a troca, já que a demorada e pormenorizada descrição alternativa canaliza para o Erotismo o que o simples visionamento poderia cingir à fruição estética. Mas isso faz parte da conspiração da teoria. A única apologia possível seria dizer que um "livro de caras" não foi feito para suportar corpos, o que levaria a, compensatoriamente, ter tido de regular com os pés para acentuar a falta deles e de cabeça - em sentido cerebral - na arquitectura permissiva desta instância internética de convívio.
         A Vida Interior Nu Com Natureza Morta Espectral, de Victor Brauner

Os Uns e os Outros

Por norma, quando a Coreia do Norte grita e ameaça muito não quer fazer mais do que mobilizar as forças que restam aos seus esfomeados súbditos para o ódio ao Inimigo do Sul e do Ocidente, desviando-o da pontaria ao Líder e à Nomenklatura. Desta vez, a folclórica opção por não responder à chamada "raulsolnadesca" do outro lado pode significar outra coisa, que o Sr. Kim Jong Un percebeu ter de introduzir uma variação de discurso que assustasse o Exterior, para, com declarações de totalitarismo bélico à mistura, ter alguma coisa de que, fingindo abdicar, o capacitasse para simular uma negociação. O problema está em que as dinâmicas dos anúncios de guerras totais costumam surgir quando as coisas começam a correr muito mal e, concomitantemente com rios de sangue deles derivados, acarretar o fim sem glória aos seus fautores, salvo no espírito ultrafiel do eterno punhado de admiradores irredutíveis que prescindem de julgar por estarem demasiado ocupados em aderir. Conforme confirma o precedente reproduzido de seguida.
O que pode tornar o episódio trágico é o facto de os fanáticos serem por natureza optimistas...

Gente de Paz, Gente de Guerra

O Sr. Juncker diz-nos apenas adormecidos os demónios da Guerra na Europa, uma avaliação que merece ser comentada. De que guerra fala ele? Quanto ao conflito clássico entre as nações, não parece haver muito por onde temer recrudescimentos: os actuais poderes políticos, por incompetência convicta e preguiça acomodatícia, têm degradado as capacidades militares e, sobretudo, a margem de opção menos consensual em Política Externa. O único País um tanto europeu que mantém uma espécie de autonomia em ambos os campos é a Rússia de Putin e tem-se vocacionado mais para o apoio aos resistentes de outras latitudes ao predomínio Norte-Americano, do que para a pressão ameaçadora sobre o Velho Continente de que ocupa o extremo Leste. Assim não caiam os gestores da União Europeia em hostilizá-la mais do que a conta, na ânsia de lamber as botas a Washington. Resta o perigo real e sempre mais cruel, o da guerra civil gerneralizada. Se formos rigorosos, o segundo conflito mundial já foi isso mesmo, embora disfarçado pelas retóricas exigências de Espaços Vitais. Mas era um confronto ideológico a prolongar o Ensaio Espanhol e não já um episódio bélico circunscrito à recomposição territorial com a mera anexação desta ou daquela região fronteiriça em vista. O resultado foi o que se viu, com eternizações arrefecidas da contenda mesmo após um dos lados ter sido, na prática, erradicado. Porém, muito mais difícil de controlar é a deflagração que venha de baixo, das facções não institucionalizadas, em vez de porvir dos governos. E é esse o grande risco actual, nestas guerras civis em estado latente, definição das Democracias segundo Alfredo Pimenta. Passada a anestesia do bem-estar artificialmente sustentado pelos pés de barro do endividamento, de novo mil e um ressentimentos irrompem na ordem do dia, ameaçando de patenteação a tal latência tranquilizadora. E quem sabe qual o macguffin que desempenhará o papel de despertador ou o grau de leveza do tal sono?
                                                   Marte Descansando, de Velázquez

Sinais de Fumo

O laicismo, institucionalizado ou incipiente, vive de monomanias. A mais perceptível delas é fazer do Papa um Papão. Com a infelicidade que caracteriza os impotentes, pode ser que lhes saia um no que toca à categoria pessoal e pastoral, não às aversões inoculadas. A última vaga de troças e avaliações hostis concerne ao tradicional fumo branco do anúncio de preenchimento do Trono em vacatura, um meio que dispensa branqueamentos, em razão do seu próprio tom, mas que vem sendo negregado gratuitamente. Até admira como não criticaram a parcelazinha adicional de poluição atmosférica pelos gases assim libertados, mas claro que uma argumentação nessa linha seria passível de rejeição por todos os que libertam vapores das respectivas residências e pelas associações profissionais da digna profissão de Limpa-Chaminés. Já a proposta do mail ou SMS anunciadores, além de ser uma  investida contra o Costume, sem sequer dominar a popularidade na crista da onda, é a tentativa de conservar a relevância da mediação jornalística na época da comunicação directa: se assim não fosse, teriam sugerido aos Papáveis que tivessem prontas as respectivas páginas de Facebook, cabendo ao Eleito a tarefa inaugural de modificar a informação de "Cardeal Fulano, Patriarca, Bispo ou Arcebispo de Tal" para "Beltrano Tantos, Sucessor de Pedro". Claro que em tempos anteriores ao cometimento a Sacros Colégios Cardinalícios se registam na História escolhas mais dignas que votações, essas concessões à Democracia que nos oprime, pese a mitigação inerente ao carácter restrito deste Corpo Eleitoral. São Fabiano ascendeu ao Pontificado quando a Pomba Branca nele poisou... Mas os tempos são outros e a impureza humana não se pode dar ares e repudiar os escapes purificadores. Enfim, para desagravar o Fumo e como hoje é Domingo, deixo uns versos reabilitadores.
DESABAFO

Dizem que sem o Fogo eu não existo
mas não me tratam melhor por isso,
afastam-me com brusco gesto superior
como se fosse insuportável o meu odor
e todo o ser presente um enfermiço
hostil a aspirar-me, a ter-me por benquisto.

Talvez porque faça o que lhes é vedado,
elevando-me ao Alto sem grande esforço,
 sempre leve, nesta vida cheia de lastro,
contra o orgulho que, sem querer, castro,
de me não quererem acima, com o que torço
a ideia fixa de lhes caber o bom bocado.

Quando correm para mim em raro aperto,
usam-me para enviar do perigo os sinais,
chegando mais longe que muito outro meio.
Mas, uma vez servidos, bem que receio
a recaída nas desconsiderações habituais
ingratas e bramidas num reles concerto.

Esta vocação de mártir que ora assumo
não obsta a que procure o são respeito,
aquele tributado aos ditos de boa massa.
O meu nome é honrado, chamo-me Fumo
e o contínuo enxovalho não mais aceito:
continuar a ouvir dizer «é só fumaça»!

Desumano, Demasiado Desumano

A citação fílmica e a heterodoxia da luta trouxeram o Senador Rand Paul à ribalta. Filho do antigo Congressista Texano e candidato presidencial Ron do mesmo apelido, o parlamentar do Kentucky, também médico como o Progenitor, com ele partilha muitas posições corajosas, apesar de não cair em tão notórias teorias de conspirações ou anti-sionismos. Aqui, a Imprensa babou-se com a espectacularidade da abnegação maratonesca do filibustering e pouco relevo deu ao essencial. O expediente dilatório nem é tão raro como isso, o Falecido Robert Byrd, da Virgínia Ocidental, usou-o várias vezes, ainda não há muitos anos. Mas o que interessa é a substância, a liberdade presidencial para autorizar o uso de drones. Para a Civilização do Comodismo, poderia parecer um poder útil, na medida em que poupasse vidas de tripulantes em missões arriscadas. Para quem pense a Condição Humana com um pouco mais de detença é o rebaixamento da desumanização bélica a um nível sem antecedentes, na medida em que deixa seres da Espécie na mira de um autómato. Claro que a Culpa é inteiramente transplantada para os programadores do horrendo engenho. Mas a repulsa perante os maquinismos que roubam o que de grandeza havia no pavor bélico extrema-se perante a automatização cega da inflicção duma morte em massa ou de uma destruição conexa. Nem sublinho o egoísmo de esta resistência dizer respeito apenas ao uso dos aparelhos em território da Federação. Os Norte-Americanos têm a propensão a considerar as suas fronteiras acima do resto, como na reserva da possibilidade de ser eleito Presidente a quem lá haja nascido e a proibição de encarceramentos e torturas várias confinada aos seus limites. Mas chamar a atenção para a enorme negatividade da prática é não pequeno passo para que a Humanidade se compenetre da mesma, extra-muros.
                                                     Não Há Lugar Como o Drone, de Dana Ellyn

Oh, a Felicidade!

Que dia! Para homenagear a Mulher, Realidade Intemporal de que emana o Eterno celebrizado por Goethe, escolheu-se uma data renegadora que melhor evocaria a luta contra a barbárie ultra-capitalista oitocentista, cujo legado se transformou num modelo onde a Metade Feminina da Humanidade chegou em força aos postos mais cobiçados do sistema que hoje continua aquele horror. À custa dos sacrifícios de tudo o resto, o pessoal e o familiar, postos em segundo plano, em face da sacrossanta carreira, a qual enche uma biografia e esvazia uma personalidade. É mais uma das ilusões do Progresso, escravatura para que não há alforria e pena de solidão essencial como contrapartida da Libertação ficcionada, entronizada e impingida por um acrescento supérfluo e artificioso à guerra dos sexos. A todas as Leitoras, neste 8 de Março da intenção, que não da falta de jeito que o concretiza, um beijinho de reconforto.
                                                            Pen, de Rivka Cyprys

Que Ferro!

Ferro Rodrigues vem tentar justificar a Pobreza Para o Povo, mais conhecida pela sigla de PPP`s, que fez proliferar, com o argumento da aceleração das modernizações da rede viária. Sabendo-se do poço sem fundo que se revelaram em sede de gastos públicos, derrapagens e condições contratuais lesivas do erário público, caso é para dizer que Salazar está vingado, com a sua prudentíssima opção por melhorias seguras, mas ao ritmo que os cofres nacionais permitissem. Na obsessão de se gastar o que se não tem, o declarante corroborou a suspeita de que este Ferro era incapaz de dar ouro e admite, implicitamente, a sua gestão como resumida ao banho dessa urina que os alquimistas tanto gostavam de manipular e hoje nos cai em cima a todos, apenas proporcionando prazer a um número limitado de pervertidos.
         A Perturbação Chega Ao Alquimista, Escola Holandesa do Século XVII

Equívocos Em Bloco

Uma das cabeças visíveis da hidra bloqueada, Catarina Martins, vem dizer que a argumentação do adeus de Daniel Oliveira ao partido é caricatural no que a este concerne. Se formos à definição de caricatura, a acusação revela-se... caricata. Com efeito, sendo "caricatura" a exageração de traços particulares mas reconhecíveis pelo público a que se dirige, implica a confissão da existência de um enorme fundo de verdade nas acusações. A coisa explica-se, a meu ver, por outra focagem: Daniel Oliveira vem do PCP e mantém a respectiva rotina doutrinária enraizada, embora pense ter cortado com esse passado. Está tudo lá, a crítica ao Culto da Personalidade, com Estaline substituído por Louçã, como alvo; a imputação do Camarada Vladimir Ulianov, de ser o Esquerdismo a doença infantil do Comunismo, no diagnóstico de sectarismo empreendido. E a estratégia frentista, como na Guerra de Espanha ou no apelo cunhalista recorrente aos Socialistas desalinhados com as direcções «e outros Democratas», na exortação a alianças para as Autárquicas... E o robot telecomandado pelo Dr. Louçã, quer dizer, o BE, também recupera a velha desconfiança trotskista pelo centralismo decisório que o seu inspirador verbalmente criticou nos rivais, mas que, enquanto Comissário Bolchevista da Guerra, praticou como ninguém. Só admira como o Dr. Semedo, proveniente da escola do novo dissidente, não tenha vindo denunciar os vícios subjacentes...
                             Seis Aparições de Lenine Sobre um Piano, de Salvador Dali

O Mito e o Homem

No meio dos demagogos cheios de ressabiado discurso que, ultimamente, lideram a América do Sul, Hugo Chávez até passa por aristocrata, embora a altissonante linha retórica que adoptou não o tornasse muito plausível em tal papel. Mas sempre era um Oficial das Tropas de Elite, contraposto aos encobridores de corrupção, nepotistas, padres despadrados, ex-guerrilheiros e traficantes de droga que aquele cone subcontinental nos vem dando. Aliás, o seu Bolivarismo, com camisas vermelhas de garibaldina semelhança, até pode passar por uma compaixão genuína pelos desvalidos, num enquadramento de paixão nacional contra dominadores habituais de língua e sentimentos alheios, mais ao Norte plantados. Não chega o infantilismo verbal de episódios como o célebre com o Rei de Espanha para o reduzir a um insurreccionismo pueril. Se, numa reunião internacional, parece criancice não deixar discursar os outros e, depois de repreendido, maior ainda dizer que se calara porque não ouvira, ajuda a compor a figura o pano de fundo de indignada reivindicação de um lugar digno para países menos habituais, como, internamente, para camadas menos próximas do Poder. A mesma intenção que terá presidido à ambição de ver a Venezuela evidenciar-se no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A mesmíssima que o terá levado à amizade com Fidel Castro, numa assunção de que os inimigos dos meus inimigos meus amigos são, como, da parte do ex-Líder Cubano, já acontecera com o Bem-Aventurado Papa João Paulo II e o seu criticismo às políticas económica e externa dos Yanks. O Prof. César das Neves, quando reduz ao Petróleo o êxito da governação do Falecido e afirma que as coisas deixaram de funcionar no seu País, ao contrário do que antes acontecia, poderá estar certíssimo em termos puramente económicos, mas não conseguiria errar mais, no domínio da Moral. Chávez ascendeu ao Poder, pelos votos depois de o ter tentado pelas armas, justamente por ser a mais identificável oposição aos fungíveis políticos dos partidos, desacreditadíssimos por encherem os bolsos próprios e os cofres das cores à custa de latrocínios e favores pagos. Por isso, pela desforra sobre os detestados rapinadores que oprimiam e por não ter chegado à Velhice, já tinha assegurada a aura do mito, sem que fosse preciso atribuir a Washington a autoria do cancro assassino que o levou. Como dizia o outro, não havia necessidade.
                                                    Da autoria de Eliu Abimelec Arteaga Ortega

Marcha Fúnebre

Quer o Materialismo epidémico que nos ameaça que a crise reprodutiva nacional se prenda, unicamente, com as dificuldades materiais. Claro que estas contam e como, mas épocas houve de dificuldades maiores e as pessoas não pararam de gerar filhos. Porque nutriam talvez a secreta esperança de que os vindouros produziriam um Mundo melhor. Por sentirem o dever de continuidade da heranças que elas próprias eram, mesmo que nada mais tivessem para transmitir. Pela correspondência a um dever religioso que contava, de crescer e multiplicar-se. E, também, como consequência da mais radical infirmação da impotência, que é conseguir dar uma oportunidade a Outro. Talvez tenhamos sido muito mimados, ao ponto de não conseguirmos aguentar as agruras e obstáculos da vida. Mas parece haver mais do que isso: a indignidade evidente da maioria dos condutores da coisa pública, a investida contra a Família, pela sua banalização, como com o esbatimento da relevância da Culpa nos divórcios ou o alargamento desfigurador do conceito desse grupo a reprovadas minorias que não têm, naturalmente, hipóteses de fazer filhos. Permanentemente acossados por constantes e diversificadas diminuições do mínimo com que lhes garantiram poder contar, sem lideranças ou ideias para admirar ou defender, vendo uma contínua erosão do refúgio que era a concepção familiar, que restará senão conformar-se com o que julgam o final? Para uns, o da fuga, noutros, a precipitação suicidária, talvez para a maior parte, o arrastamento sem fim, quer como término, quer como objectivo, enquanto os ossos forem aguentando.
                                                      Fim da Estrada, de Svetoslav Stoyanov

O Povo É Quem Mais Ordenha

O problema está em que as vacas estão tão magras, à semelhança desta, fotografada na Cuba das mitomanias cantadas e pintadas, que o parco leite que delas se retira não excede o da classe política em conseguir continuar no Poder.

Assentos de Trás

Cá voltamos ao mesmo... Tenho a sólida convicção de que a Sexualidade de cada qual deve ser irrelevante para a Política e que a melhor maneira de garantir essa condição é não a publicitar, como assunto reservado que deve ser. A partir daqui, quando alguns homossexuais optem por se manifestar em grupo, entrincheirando-se nessa duvidosa solidariedade e em carpir perseguições sentidas, muitas vezes com risível ultra-sensibilidade, tenho de concordar com o grande Lech Walesa, na preocupação com o facto de lhes serem dadas tribunas de onde dirijam o ataque constante para imporem as suas propagandeadas opções à tranquila aceitação dos demais. No instante em que optem por alardear esses gostos têm de, humildemente, submeter-se à rejeição dos que os rodeiam, porque o género em que se esfrega é dependente da vontade, não uma característica anterior a ela, como raça ou insuficiências físicas. Não lhes dar confiança implica mantê-los na defensiva e não oferecer-lhes de mão beijada as vantagens do ataque, de cada vez que entendam serem os seus gostos dignos de competir com preocupações mais prementes no condicionamento da Comunidade. Numa coisa, porém tenho de divergir do Patriarca da Política Polaca: acho que a dignidade do paralamento o torna um antro muito adequado a albergar os activistas destas matérias...
                                               O Domador de Ursos, de Paul Richmond

Cantiga da Rua

É bom ver correspondido o apelo que fiz, dois posts abaixo, mas a refutação da Apatia nos nossos Compatriotas, para ser fecunda, não pode esgotar-se na contestação de desfiles, ou equivalerá a um Carnaval suplementar; nem cair no plebeísmo ético de emporcalhar com tintas a via, numa pateta e patética prova tentada de não serem os autores da proeza de meias delas... Para ser fecunda, a resistência à governação ignóbil deveria suprimir os partidos, que, manhosamente, se apagaram nas iniciativas de ontem, para atraírem ao caudal indignado muitos a quem as suas presenças repugnam. Urge tornar consequente essa retracção, transformando-a em permanente e retirando-a à vontade dos próprios, ou as reedições da eterna espiral das promessas e dispêndios orgiásticos visando chegar ao Poder e mantê-lo, sucedida pelos cortes quando as votações ainda venham longe, perpetuarão o engano de todos os que puseram a sua confiança no voto e, vendo os monstros que assim criaram, acabaram no arrependimento, mas sem a assunção de culpas do remorso. Quer dizer, sem identificarem as causas da presente Causa, o que tornará a libertação de humores das manifestações uma representação teatral de baixo palco.
                                              O Protesto dos Comediantes, de Corrado Simeoni

Uma Imagem Vale Mais Que...

                    Grifo: corpo de Leão, cabeça, garras e, sobretudo, asas de Águia...

Anatematização da Apatia

Não deixa de ser dolorosa e assustadoramente irónico o aumento exponencial de vítimas das dívidas executadas, noticiado precisamente um dia depois da comemoração de Santo Albino, o Corajoso Bispo que, visitando Etherea, presa por dívidas ao Estado, com um sopro aniquilou o servidor daquele que lhe queria bater, por se ter arrojado aos pés do Prelado. Prouvera ao nosso tempo e lugar que as potenciais vítimas da brutalidade instituída, porque muito menos etéreas, não descansassem na espera quietista de uma intervenção miraculosa, sem se rebelarem. Como afirmava Mestre Chesterton, «eu acredito em milagres, sei que há tigres que comem homens, mas esses não andam pelas esquinas». Só na vontade e luta consequentes podemos ter uma esperança de eximirmo-nos à prepotência, porque será presunção demasiada acharmo-nos dignos de aguardarmos que o Sobrenatural faça o que não estivemos para fazer.
                                                   Esperando Pelo Milagre, de Adrzej Piecha

Tomar Partido

Que o Ministro Relvas não pára de assombrar o Pessoal é verdade facilmente constatável, quer no sentido de espantar a sua permanência nas cadeiras e corredores do Poder, quer no do estigma que comporta qualquer ligação mais próxima à sua pessoa. Prova-se abundantemente o enunciado pela divisão da Assembleia Municipal de Tomar a propósito da proposta de destituição que os opositores votaram e do bloqueio levado a cabo pelos seus apoiantes. É certo e sabido que a aproximação da Primavera pode induzir à imitação dos ritos sazonais de paragens mais frias, onde se queimam as ervas para favorecer as sementeiras, julgando aproveitar os restos de neve para obstar a propagações de incêndios. Mas a fundamentação deixa-me abismado: então, se o motivo invocado é o homem não pôr lá os pés, quererão convencer-nos de que ainda há quem esteja ansioso pelo convívio com o detestado político?