Livro do dia


«Repelir o invasor, restaurar as ruínas — tornavam-se assim motivações nacionais cada vez mais fortes e imperiosas. Motivação negativa, "contra", a primeira, e positiva, "a favor", a segunda. Mas ambas implicavam uma terceira, bem forte e sensível também, que no fundo a ambas por igual englobava.

Efectivamente: por um lado, políticos e intelectuais (desiludidos, uns; adversários de sempre, outros) combatiam no sistema o seu afastamento dos valores centrais da sociedade portuguesa, o alheamento em que os responsáveis se mantinham de quanto era profundamente nacional ("os portugueses estrangeiros que nos desgovernam", a quem se referia Fernando Pessoa em 1912); por outro lado, a grande massa da população, desentendida das altas especulações da filosofia política e dos bastidores da governação, sentia que no fundo os seus males vinham daí, de se ter dado prioridade a subalternos interesses partidários perante os superiores interesses nacionais, de se anteporem, às concretas necessidades das realidades próprias, preocupações de abstractos esquemas políticos alheios.

Dessa forma, excluída a minoria dos políticos profissionais, todo o País desejava ardentemente que a Nação recuperasse os seus direitos — havia tanto tempo e tão criminosamente postergados. Algumas instituições, por definição mais sensíveis — em especial — ou à superioridade do conceito de Pátria sobre meras perspectivas parcelares (como as Forças Armadas) ou à consideração da primazia dos valores morais (como a hierarquia da Igreja) ou às exigências da razão e da inteligência (como a Universidade e a Imprensa) ou às preocupações da justiça (como a Magistratura), tinham chegado a essa conclusão geral com mais aguda consciência da restauração necessária e, chegado o momento, não deixariam de contribuir decisivamente — cada um a seu modo — para vertebrar o consenso popular em favor de qualquer movimento político disposto a sobrepor o bem comum aos privilégios particulares, o conceito integrador de Nação à acção desintegradora dos partidos políticos.

De tal forma — ao fim de um século de parlamentarismo, primeiro monárquico e depois republicano — se havia identificado o sistema político cristalizado na Carta Constitucional do Imperador D. Pedro com a ideia de que se tratava de modas e fórmulas estrangeiras importadas, por tal modo a degradação e as carências materiais generalizadas humilhavam e ofendiam o orgulho nacional, que ambas as correntes de opinião — a que era movida pela ânsia de se libertar daquela imposição como a que se sentia estimulada pela nobre ambição de sanar estas feridas e mutilações operadas no corpo da Nação — vinham a convergir num renovado patriotismo, ao mesmo tempo racionado e emocional.

Em tempos del-Rei D. Pedro V, as primeiras tímidas iniciativas de fomento haviam despertado uns primeiros lampejos desse patriotismo sempre latente mas, desde os "afrancesados" de princípios do século, quase troçado como coisa de "cavernícolas" e analfabetos; com os africanos del-Rei D. Carlos, esse patriotismo profundo vivera algumas das suas horas altas; mas esse sentimento instintivo do povo português, depressa se via de novo frustrado e abatido pela mediocridade e a chateza da agitação partidária, cada vez mais vazia de sentido.

Era um terceiro componente do ambiente pré-revolucionário que estava também a chegar ao ponto de ruptura, ao limite para além do qual se tornava inevitável (e de imprevisíveis consequências) a explosão. Anos mais tarde viria a condensar-se essa aspiração aguilhoante e incoercível num lema que se popularizou: "Tudo pela Nação, nada contra a Nação". Mais do que uma linha de orientação, a fórmula resumia o que havia sido a síntese de todas as motivações anteriores: o movimento político esperado por tudo quanto no País se mantinha imune às politiquices rasteiras dos partidos havia de responder, na essência, a esse imperativo fundamental: era cada vez mais urgente reaportuguesar Portugal.»

Eduardo Freitas da Costa
in "História do 28 de Maio", Edições do Templo, 1979.

Desculpas no Cartório

Como são trazidas a lume muitas dúvidas acerca da culpabilidade exclusiva ou primordial do mordomo do Vaticano detido por uma espionagem tosca traduzida em desvios de documentação, espero que o motivo inconsciente dela não haja sido a procura da saída mais fácil, consubstanciada no lugar-comum de que o culpado é sempre o mordomo.
Até porque também as ideias feitas são como as cerejas, atrás de uma vem facilmente outra; e já antevejo um qualquer advogado preguiçoso a defender o eventual arguido com base na balela de que a culpa de qualquer crime não é do seu autor, mas da Sociedade...

Portugal e o Estado

Diariamente ouvimos falar no Estado, provavelmente nunca nos questionando acerca da sua origem mais remota.”O Estado em Portugal (séculos XII-XVI)” (capa mole, 236 páginas, 16,96 euros) é uma óptima síntese, bem sustentada cientificamente, feita por uma académica, mas acessível ao público interessado. Judite Gonçalves de Freitas, Professora Catedrática da Universidade Fernando Pessoa, leva-nos às raízes medievais do chamado “Estado Moderno” para melhor percebemos como aqui chegámos.




Felizmente que há muito que se vem dissipando a ideia errónea de olhar para a Idade Média como sendo a “das trevas”, ao mesmo tempo que a própria divisão da História em períodos estanques deixa de ter sentido. Não só os tempos medievais foram de desenvolvimento, de descoberta e até do que podemos considerar uma “revolução científica”, como a História implica em si própria uma continuidade. Pese embora haja marcos incontornáveis e a separação por períodos facilite a análise é exactamente passando por cima destes que se é bem sucedido na procura das origens. A autora define muitíssimo bem esse exercício no subtítulo desta obra – “Modernidades Medievais”.

De facto, como afirma a autora, “a construção moderna do Estado implicou um conjunto de modificações lentas, edificadas dentro dos limites do domínio territorial da monarquia”. Para chegar a esta conclusão, Judite Gonçalves de Freitas traça a evolução das estruturas políticas e sociais desde o Portugal Medieval até ao início da Época Moderna. Esse trajecto está dividido em quatro grandes unidades temáticas, a saber: Realeza, Governo e Poder dinástico; Monarquia, Parlamento e Direito; Estado, Poder e Administração e, finalmente, Estruturas do poder político: a monarquia renovada.

Uma obra que não ignora os principais trabalhos produzidos sobre o tema e que assenta em fontes e bibliografia, cuidadamente discriminadas no final de cada capítulo. Inclui ainda dois mapas e três organogramas das instituições políticas, bem como uma útil cronologia dos principais acontecimentos políticos.

Um livro bem construído e clarificador. Uma reflexão necessária para compreendermos a formação do Estado no nosso país. Como escreveu no Prefácio Martim de Albuquerque, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, “este livro ostenta, de facto, uma discursividade atraente, inclusive sedutora. Claro, sistemático, lógico. São três adjectivos que ocorrem naturalmente e a propósito. Concitar tantos autores portugueses e estrangeiros, os respectivos contributos de forma coerente e em concatenação, sem os desvirtuar, antes em encaixe admirável uns nos outros e sem jamais perder de vista as  fontes da época respectiva, constitui um desafio que a autora acatou e venceu, todavia, sem dificuldade aparente.”

MAIS UM LUGAR NA REDE

Convido todos os «jovens» e nossos leitores a porem nos seus favoritos o meu website que está a ser construído pela Oficina do Site.

Dança Macabra

Um mandamento há a que, sintoma da idade em avanços confrangedores, ultimamente, vou tentando obedecer: Não rias dos dias!
Hoje, o dito Mundial da Segurança Social, até me desperta simpatia, a mesma de qualquer outro pretexto para lembrar as demais espécies em vias de extinção...