Funeral das Consciências

Dou graças aos Céus pelos Comentadores com que me distinguiram, pois daqueles que vejo pelas edições on line dos jornais de referência sobressai, pela repulsa, uma escória ainda pior do que a dominante dos vários poderes. A propósito da inspectora da Polícia Judiciária despachante da Avó do Marido para se abotoar com meio milhão de euros que lhe cobrissem e, possivelmente, lhe recobrissem as dívidas, esperava encontrar, apesar de serem de sempre umas quantas e notórias excepções à Integridade dos Agentes da Lei, opiniões indignadas, mas, ao lado destas, deparei com não poucas indignas. Vários energúmenos culpavam os idosos de «estarem cheios da guita», enquanto os novos se encontravam sem trabalho e meios de pagamento! Ainda pior do que lera, anos antes, em blogues americanos, os quais desculpavam um mass killer por «ele ter apenas ido ao encontro do seu destino». Ao menos, aí, uma melancolia que até poderia passar por perdão cristão parava antes de dar o acto como natural...
Noutro lado, ainda a propósito do nome de Salazar rememorado que se negou ao vinho de Santa Comba, um pateta alegre incitava em baixo calão os leitores a defecarem na campa daquele «fascista». Sei que o mau exemplo vem de longe, já o infame Lord Byron apelava a que se urinasse sobre o túmulo de Castlereagh, mas queria, apesar dos pesares, pensar a sombra que somos de Portugal pouco atreita a prosadores estercorários deste jaez.

Restauração Sem Valor Acrescentado

Desafiou-me um Querido Amigo para participar num Jantar de Conjurados, hoje. Perguntou-me Outro se quereria acompanhá-lo num desfile comemorativo do 1º de Dezembro, em vias de extinção como dia livre, amanhã. A Ambos respondi que nestes tempos póstumos de Portugal só comprometeria os meus escassos cabedais e a minha reclusão voluntária na hipótese de os eventos em questão serem prefácios à defenestração dos traidores e à expulsão dos representantes do estrangeiro opressor  da actualidade. Caso contrário, não passarão de fantochadas que, embora polvilhadas de bons sentimentos, pretendem somente sossegar os espíritos com pios disfarces da inacção.

Semiótica dos Trapos

O Primeiro-Ministro não tem como deixar de gritar às eleições «que se lixem», um pouco como a Raposa das uvas que dizia verdes. Mas se prova adicional fosse necessária, procurá-la-ia no estilo de vestir da plausível Família que por aí me calhe: quem não percebe que os laranjas devorados pelas feras se resumem com perfeição no trajo excessivo de Sasckya Porto?

Entre As Brumas da Memória...

A decisão INPIedosa de recusar o nome proposto Memórias de Salazar a um vinho da região de Santa Comba é uma bebedeira de patetices, desde a motivação ao pseudo-português em que vem expressa. Com efeito, diz-se por lá que o Estadista almejava doutrinar obrigatoriamente a população. Claro que o que os redactores de truz queriam dizer era que Ele pretendia obrigar a População à (observância da) sua doutrina, mas como pescam tanto da Língua Pátria como de História e de Política, o que disseram é que o antigo Governante desejava comprometer-se com a doutrinação das gentes, o que é verdade, mas não parece passível de motivar o indeferimento. No entanto, nem tudo é mau: estes figurões percebem de Lógica! Antes que os meus Leitores Se indignem, passo a explicar: o que eles vedaram, por contrária à Ordem Pública do dia, é a noção de Memórias de Salazar, confessando, sem constrangimentos, ser essencial às imposições que nos espartilham a Amnésia colectiva no que Lhe toque. Inteiramente de acordo, qualquer lembrança séria do Presidente do Conselho sublinha, com um traço indelével, a insignificância mentecapta de semelhantes burocratas ávidos de agradar aos que ocupam hoje a cadeira do Poder e dá estes últimos como sendo da mesma cuba de tais serventuários.
                                                       O Copo de Vinho, de Vermeer

O Meio e o Fim

De cada vez que sou bombardeado com uma variante de predição do fim do mundo, dou comigo a lastimar a decadência do ofício de Profeta, paralela à que atingiu outras profissões tradicionais. Tempos houve em que não podiam perder, porque o termo que os designava apenas queria dizer aquele que fala em nome de Deus. Na actualidade, aos que pevejam a proximidade apocalíptica, está vedado ganhar, pois, caso acertem, não perdurará o gozo do reconhecimento do bem fundado da sua antecipação, na medida em que o instante final anunciado lhes elimina ou abrevia o público. Acerca do alarme cataclísmico em vigor, o dos Maias, nem quero tentar a minha incredulidade com a bazófia do alívio, na linha do paganismo letrado e pessimista, nem refugiar-me quietisticamente na Vontade do Senhor que poderia não ser, activamente, chamada para o caso. Destaco apenas a interpretação erudita que assevera ser o conteúdo da inscrição não um término geral, mas uma reformulação depuradora. E, nessa medida, deixar a dúvida sobre se os tempos conturbados que atravessamos não prefigurarão um émulo desse final, não do Mundo, mas de um mundo tal como o conhecemos. O que reduziria os arautos dele aos espantalhos incompetentes que nós, nos nossos posts, também teimamos em ir sendo.
                                                         O Profeta, de Max Weiler

Fim de Império



Apepinado pelos abrileiros, o romance histórico volta a estar na moda. Nos últimos lustros, o género foi cultivado com talento entre nós por autores como João Aguiar, Fernando Campos, Mário Cláudio, Sérgio Luís de Carvalho, António Cândido Franco, Mendo Castro Henriques, o próprio Mário de Carvalho. Depois deles é Jaime Nogueira Pinto (JNP) quem atima o exercício exigente. Assinalado já como cronista e professor universitário, ensaia-se agora romancista de fôlego. Novembro cumpre a função primeira do seu género literário: juntar ao prazer da leitura a transmissão do conhecimento histórico. 

Em O Império dos Pardais, editado em 2008, João Paulo Oliveira e Costa resgatou num registo próprio o orgulho português do Império, fez à sua maneira as pazes com a história tão denegrida do Portugal ultramarino, d'aquém e d'além-Mar, do século XV até à era dos campeões da democracia e da libertação dos povos. Nesse livro curioso e imaginativo, o autor oferece-nos um enredo de espionagem, crime e sexo no período dos Descobrimentos. JNP, por seu lado, dá-nos a perspectiva do fim da aventura, o fim do Império, quando por descobrir só os podres e as derradeiras traições – a contracapa esfarelada de um livro de cinco séculos. E fá-lo apoiado na própria experiência pessoal, a de antigo militante nacionalista que se voluntariou para África, sem cobrar medo, optando por viver perigosamente, o que entre nós é pouco habitual.

Um romance fascinante

Novembro é um romance fascinante, de extrema habilidade na construção e na escrita. Há personagens riquíssimas de saber e interioridade, outras bem caçadas pela mira do romancista. É o caso de Carlinhos Pestana, o infalível nazi de todos os grupos nacionalistas, que detestava Chopin ("Um polaco?! Como é que vocês gostam de um polaco?! Wagner, ponham Wagner, o‘Rienzi’, o ‘Navio-Fantasma’,isso é que é música!", p. 32), sabia de cor os nomes das divisões das Waffen SS e gostava de discorrer sobre o incentivo ao exercício físico no Terceiro Reich e a vida sexual de Hitler. Um daqueles para quem a História acabou com a tomada de Berlim pelos soviéticos.
 
A trama decorre entre o Verão de 1973 e o Outono de 1975. Depois da entrega de Angola, a 11 de Novembro, deu-se o 25 de Novembro. Empandeirado o Império, o rectângulo já podia entrar na ordem e na democracia. E com esta viria o desenvolvimento: assim havia quem o jurasse entre pessoas gradas pelo alfabeto e pela gravata. Era decerto ingenuidade lorpa ou mero ensaio para acalmar o vulgacho desaustinado. O pouco que se desenvolveu foi uma democracia de siglas, do MFA ao FMI, que começou de pôr os portugueses a reivindicar de mão fechada e os prostrou no fim a pedir de mão estendida.

A obra afigura-se importante porque nos dá a perspectiva da época vista do nacionalismo revolucionário ou da direita nacionalista (chamem-lhe o que quiserem). E daí incomum, uma vez que em Portugal é sempre a esquerda quem conta a história, a oficial e a de ficção, escreve as notícias, distribui as classificações, lança os foguetes e apanha as canas. E por isso, como o próprio JNP já referiu noutros trabalhos, as ideias dominantes sobre o nacionalismo e a direita vêm da esquerda e reflectem a visão esquerdista da vida e do mundo.

Hemiplégico, o novo regime nasceu paralisado da direita e, para se dar ares de pluralista, é forçado a chamar direita ao centro e às vezes ao centro-esquerda. De leitura obrigatória, pois, este romance de JNP sobre uma geração que, à direita, também viveu as suas utopias, os seus arremedos de clandestinidade, antes e depois do 25 de Abril, o combate político, o exílio, também criticou o regime anterior e foi vítima da censura, evitando porém a chorinquice da esquerda mais piegas. Uma geração que combateu nas ruas e nas universidades, que interveio no debate de ideias, fez amizades, apaixonou-se e ousou sonhos de aventura e revolução. A esses homens e mulheres, o que os separava dos radicais de sinal contrário era o nacionalismo esturrado, o pessimismo antropológico, o direito à diferença contra a obsessão igualitária, o repúdio do economicismo – e a defesa intransigente do Ultramar.

Mas o Império se desfez sem cumprir-se Portugal. Uns mantiveram-se de pé no meio de um mundo em ruínas, fiéis aos valores de sempre, exilados do interior; outros, mais arejados de ideias, trataram de fazer pela vidinha e breve descobriram as vantagens do regime nascente. De qualquer idiota formou-se um democrata de improviso. O costume nas revoluções. Felizmente, o livro não vai além de 26 de Novembro. Evita os cata-ventos e, à sua maneira, rende preito a essa forma superior de amizade que é a camaradagem.


 
Eduardo e Diana

Há nas principais personagens masculinas do romance alguma coisa do autor, o que poderá ser dissecado pelos críticos minuciosos. Mas o que no livro mais surpreende de beleza e astúcia narrativa é o relato de Eduardo e Diana, um dos mais belos pares da ficção portuguesa contemporânea. A história de Eduardo e Diana, admiravelmente narrada, convoca o leitor, a súbitas, para o universo de Brasillach, com René e Florence entre o amor, as viagens e a guerra, ou com Patrice e Catherine nas suas conversas sobre literatura e cinema, ou até para o Je vous écris d’Italie, de Michel Déon, também pela guerra, mais a visão de Stendhal e o itinerário de um homem fascinado pela História e por uma mulher.

Só não é de citar o casal Gilles e Pauline, de Pierre Drieu la Rochelle, porque a argelina encontra mais o seu símile na Alice de Novembro, africana também, descarada e selvagem como ela, ambas vestindo-se sem gosto: "Abusas da crioula, dá-te gozo comê-la… ah, mas eu gosto! Sou tão tarada e desavergonhada como tu!" (p. 222)

Tal como o par de Comme le temps passe, Eduardo e Diana são dois seres que podem procurar-se, perder-se, encontrar-se, sem nunca deixarem de ser feitos um para o outro. De antologia o episódio em Madrid, debaixo do Arco de Cuchilleros, no topo das escadas seiscentistas que sobem para a Plaza Mayor, nesse instante convertidas em varanda dos Capuletos. Ou aqueloutro no Mesón Rias Bajas, num quadro de beijos na boca, conversas sobre a guerra, a honra, o nacionalismo revolucionário, e mãos por dentro da blusa dela, como brincando às escondidas com o empregado gorducho, de casaco branco e sotaque galego.

O dilema corneiliano

O trio Eduardo-João-Diana lembra longinquamente o triângulo formado por Régis, Michel e Anne-Marie no Les Deux Étendards.Como Régis no romance de Rebatet, também Eduardo se confronta com o dilema corneiliano entre a vida amorosa e a via heróica. Quando Diana lhe pergunta em Madrid onde iria estar ele daí por uma semana, responde decidido: "Volto para Angola, disse ao meu comandante que voltava […] Não quero desertar nem trair as minhas lealdades." (p. 476) E, todavia, era o mesmo apaixonado que a queria mais do que tudo na vida: "mais do que à Pátria, mais que à família, mais que às ideias, mais que à honra, mais que aos seus amigos e camaradas." (p.486)

Enfermidades

Mas no melhor pano cai a nódoa. A narrativa demasia-se em jantares de luxo, uísques, mexeriquices de banqueiros, tios e tias – e apresenta outros aleijões burgueses. A obra parece ter sido executada sem pretensões literárias, um pouco ao fluir da pena (agora decerto electrónica). Ao autor, porque culto e lido em bons romancistas, exigia-se um texto final mais de acordo com a sua capacidade.

Entre outras enfermidades do estilo, topam-se o uso recorrente da palavra coisa para designar situações que mereciam precisão descritiva, e da palavra muito antes do adjectivo, sinal de que este não foi bem escolhido ou que é fruste, e ainda o recurso abundoso a verbos inexpressivos e gastos. Entre estes avultam o que as gramáticas classificam de auxiliares, como ser, ter e estar. De alguns passos pouco merecedores de traslado, citam-se estes: "E tinham aproximado as cabeças e as bocas sôfregas. A dela sabia a uma especiaria qualquer. Tinham ficado assim por minutos, vencendo abismos de solidão e culpa. ‘Henrique, vamos embora! Leve-me para um sítio qualquer! Quero estar consigo. Agora.’ Fora a primeira vez que estivera com uma mulher desde a morte da Isabelinha." (p. 258); "Em Coimbra, o Baluarte e a Comédia também tinham sido invadidos e saqueados e o Miguel Cunha e o miúdo Pires tinham ido dentro […] No Porto também tinham sido detidos militantes."(p. 280); "A culpa não é tua, a culpa é minha que não tenho tentado compreender-te, ajudar-te. Tenho vindo ver-te mas não tenho estado aqui de corpo e alma. É essa a verdade. Tenho estado longe […] Sabes, João, há uma coisa que tinha resolvido não te dizer […]"(p. 391)

E ainda este, por derradeiro: "Dissera-lhe o primo Artur, que era do PPD, que era preciso irem todos ao comício do Mário Soares na Fonte Luminosa." (p. 525) A frase, já de seu natural rançada pela menção a Soares, folgava mais sem a repetição do verbo. Os méritos de um prosador, por muito que se encareçam, não vencem o tédio e a insulsez destes vícios do estilo. Fosse outro o autor e não haveria lugar a reparo. De JNP, porém, esperava-se ao menos uma revisão mais cuidada.

Um grande livro

Seja como for, Novembro é um grande livro. Uma viagem de memórias, um regresso desencantado mas lúcido, com alguma nostalgia, ao tempo de uma geração convocada ao combate e ao sacrifício – e que sobreviveu à própria Pátria.

"Acho que perdemos todos", diz Eduardo ao taxista na última página do livro. Tem o rapaz carradinhas de razão. Perdemos todos e, se calhar, perdemos tudo.

[Novembro, Jaime Nogueira Pinto, A Esfera dos Livros, Lisboa, 637 págs., 2012] 







O Papel do Fogo

Sem alguma vez ter realizado investigações similares à que agora deu à luz este resultado, há muito que desconfiava de que fumar cigarros atrofiava o cérebro. Mas partia de um ponto de vista de leitor e lastimava tão-só a concorrência que o fabrico dos canudinhos a incinerar fazia ao papel que poderia ser usado na confecção de livros, sendo estes o meio mais apto ao desenvolvimento do intelecto. Até versejei sobre o caso, condoído de observar o lume dos isqueiros a substituir a ignição do Espírito. Nada como ver a Ciência vir ao encontro das nossas pretensões ao Estro...
CINZAS PENADAS

Chegada a hora das doze badaladas,
por entre alfarrábios, refúgio usual,
faliu de forma tétrica e assombrosa
o sabor do lido que repousa e regenera.
«Vingança!», clamaram e reclamaram
infindas aparições brancas na forma de páginas,
rompendo o tranquilo fumar do leitor,
roupagens de papel com propósito de turbar,
em lugar dos lençóis alvos do costume.

«É pesadelo, não pode ser real»
gritou-se o fum(eg)ante solitário.
«Nada fiz para tolher a vossa paz!
Deixem o meu canto, larguem a minha alma!».
Mas a piedade não abunda nessas bandas,
quem não descansa pouco tende a desculpar.
Bastou pois um revelar de identidade
para a perpétua inquietude condenar.
«Somos os milhentos livros que frustraste:
a celulose dos cigarros que, queimando,
de belos volumes vieste a desviar».
Todas mortalhas juntas para cavar a sua...

O Presente Grego

Quem manda nos restos da Europa acabou por ceder, com muito medinho de que um abandono forçado fosse a precipitação do fim. A Grécia lá terá a sua boa dose de perdão e dos estilhaços também nós ganharemos algo, sobretudo no que toca ao tempo para pagar, que era o óbice primordial do plano de reestrururação que nos tinham imposto. Tudo bem, nem sequer temos por onde nos indignar, ao ver os alunos mais ou menos cumpridores serem tratados de forma igual aos desleixados, já que sempre nos atiram uns rebuçados que a nossa decadência tornou não-dispiciendos. Há, entretanto, reservas a tanta alegria: não estou certo de que não se trate de um mero adiamento e que as concessões façam as actuais sombras dos Helenos entrar nos carris. Por outro lado, o título que me ocorreu para este post, na acepção de "oferta indesejável", tem um sentido útil assegurado no respeitante aos credores privados, a quem foram propostas novas perdas, possivelmente na significação mafiosa de proposta que eles não podem recusar. E, de cedência em cedência, esbater-se-ão os temores da sanção que expulsa e cobra, pelo que está instalada a paisagem ideal ao desafio: até por imputações civilizacionais, daqui para a frente, sempre que as Senhoras Merkel e Lagarde disserem não, verão as suas declarações interpretadas como um talvez. De resto, conservando o cavalo grego entre muralhas, no meio da festa, revelar-se-á a União Europeia como a Tróia do dia.
                                                    O Cavalo de Troia, de Tiepolo

Nada!

As notícias do fim de semana torturaram-se com o espanto de haver desaparecido dos mares, lá nas proximidades dos Antípodas, uma Ilha Sandy creditada pelos mapas. Acreditando que não se mudou paras Caraíbas, onde um ilhéu homónimo alegremente subsiste, poderemos interrogar a nossa capacidade de aceitação do Absurdo acerca da plausibilidade de se haver transformado em vento e, sob o formato de furacão, sem esconder a identidade, ter assolado a costa norte-americana em busca de mais aprazível morada. A menos que tenhamos presente a canção de Serge Lama e expliquemos o enigma através das figuras de Estilo que nos iluminem sobre a essência insular e a sua perda se resumirem à expansionista ambiência opressiva e indutora de prioridades conducentes à falência da recapitulação de si que permita apreender a inescapabilidade da magnética rendição da Entrega:

Abordagem à Catalunha

Mas terá razão? O Argumento-suspeição do Candidato/Presidente da Autnomia Catalã é reversível. Se ele instila ser um relatório sobre corrupção a si imputável uma manobra eleitoral para o prejudicar, também esta negação genérica em função dos antagonismos pode ser vista como uma escapatória fácil rumo à impunidade. E a colagem à precipitação de um independentismo face a Madrid uma tentativa de cavalgar o orgulho particularista da Região, à semelhança da instrumentalização da invasão das Falklands pelo General Galtieri e os seus pares, em altura de dificuldades internas.
Nos meios Nacionalistas de cá, as posições face ao separatismo catalão são de sinal oposto e ambas ancoradas em preconceitos: há os que, em nome de um ódio ancestral ao Espanhol, na linhagem de Franco Nogueira, o estimam e lembram a ajuda que a sublevação seiscentista por lá deu à nossa Restauração. E outros existem que, fiéis à missão imperial da Cristandade, se mostram nostálgicos da uníão entre Madrid e Lisboa contra os Protestantismos, deslizando ou não para o Iberismo de jure.
A minha praia é outra: acima de tudo, em Política, sou monárquico e desconfio de todos os arroubos Nacionalistas fragmentários, como os que desataram a gritar por países no Liberalismo ejaculado da Revolução Francesa, numa transposição da pretensa relevância das vontades individuais para as nacionalidades. Continuo a achar que um Soberano reinando por igual sobre Povos diversos, com bondade paternal e uma burocracia sem opressões partidárias seria a melhor receita para salvaguardar a paz sem o totalitarismo das facções ou dos particularismos étnicos. Como no Império de Carlos V, mas, muito mais, no Austro-Húngaro, de que hoje cresce a nostalgia.
O caso Catalão do momento apresenta-se com um aspecto bem pior: historicamente, o seu ressabiamento contra a Espanha e a respectiva Capital levou-o, não a erguer-se sob um Príncipe genuinamente seu, mas a aclamar o Rei de França, no Século XVII, ou a dar em colaboracionista dos ditames do Internacionalismo Vermelho às ordens de Estaline, na triste Guerra Civil de 1936-1939. Na agenda do dia, ressaltam as invocações mais mesquinhas, de se tratar de uma região rica e não querer sustentar outras menos produtivas, um pouco como os Flamengos contra os Valões e faltando-lhe a atenuante de, como aqueles, querer corrigir um Estado artificial e arrivista; ou a de estar submetida a exacções fiscais para sustentar belicismos conduzidos sem aptidão, como no tempo de Olivares.
Mas nem equacionam o desgosto que lhes advirá, permanecendo na União Europeia, da transformação, pelos reduzidos valores demográfico e territorial, em pouco menos que um micro-estado. Nessa perspectiva, a irrelevância que os esperará, caso consigam o corte com que sonham, não lhes trará emancipação, mas somente substituição de senhores e decréscimo de peso. A independência será uma Miragem à Catalunha
                                                        Selo com Alegoria de Espanha (1909)

Big Sister

Desde o início, desconfiei da possibilidade de criação de televisões particulares, porque temia delas o abaixamento e rebaixamento do nível que a RTP monopolista ainda conseguia assegurar. Dito e feito, vieram as privadas e as grandes séries inglesas, o bom cinema e a divulgação histórica de qualidade viram-se relegados para o mais restrito canal, o de Memória, com a estação estatal a imitar as concorrentes para sobreviver-lhes, à custa do embrutecimento dos concursos e de telenovelas sem a qualidade das de outrora. Ou seja, o tal serviço público, tão incensado resume-se a quê? Na semana em que estoirou esta celeuma oca e sem sentido, de a Polícia pedir às cadeias difusoras imagens dos tumultos de S. Bento, vejo enfim uma pista para identificar a tal utilidade e conveniências gerais distintivas - se as outras retêm as gravações para fazerem um figurão de ética e independência profissionais, a cedência pelos canais pagos por nós faria toda a diferença, precisamente a de participar na contenção do crime, como auxiliar das forças de segurança. As demissões e comunicados directivos não passariam, portanto, de epifenómenos tradutores de meras teimosias em garantir a visibilidade do estatuto dentro da empresa.

Tomar o Bispo

Não tenho de me intrometer na disciplina interna de religiões que não sejam a minha e nem me desgosta que a Igreja Anglicana haja aberto o Sacerdócio às Senhoras, pois isso permitiu que o Catolicismo recebesse no seu seio muitos Britânicos infelizes com a decisão, atmosfera que propiciou, inclusivé, conversões na Família Real (Kent) e de um ex- Primeiro Ministro, Blair. Acho é que, a partir do momento em que se Lhes estende a Condição Clerical, não pode ser vedada a Episcopal. Uma coisa é seguir o modelo de Cristo e Maria, proporcionando às vocações os caminhos diversos dentro do universo religioso. Outra, bem diferente é interditar os lugares de liderança do culto, o que só pode resultar de e numa captis deminutio injustamente imposta ao Sexo pretensamente Fraco. Claro que os Bispos Ingleses devem ter tido em conta que o governo da respectiva confissão por Senhoras poderia descaracterizar a estrutura eclesiástica do País, por desconforme aos arquétipos do Sacro em que assenta o Cristianismo. Temos pena. Vários protestantismos tentaram desacreditar o Papado com a instilação do mito da "Papisa Joana". E quando um publicista menos desonesto, Blondel, apurou tratar-se de um facto forjado, outro mais faccioso, Bayle, logo o admoestou, por dizer conveniente aos que se haviam afastado de Roma que ele continuasse a ser tido como verdadeiro. Mas a conveniência nem sempre se coaduna com o jogo limpo... e jogatana sujíssima é, depois de uma votação, tentar mudar-lhe o resultado para o sentido oposto, à maneira do célebre referendo dinamarquês sobre o tratado europeu, das eleições na Argélia, ou da liberalização do Aborto, cá na terrinha.
                  Auto-retrato Com as Irmãs e Preceptora, de Sofonisba Anguissola

As Ossadas do Desejo

As fantasias sexuais despertam, habitualmente, em mim uma complacência divertida, mas confesso que a Necrofilia é uma excepção que se tem mostrado rebelde à compassividade. As melhores impressões que do conceito dela retive provêm das cenas inesquecíveis de «BELLE DE JOUR», de Buñuel. Tentando pensá-la, contudo, sempre me pareceu mais vocacionada para atingir homens do que Senhoras. Talvez esta impressão advenha da força do conto de Eça de Queirós em que um facínora ávido de gozo tenta utilizar o corpo de uma morta para o efeito e é mordido por um bicho vingador... O que eu esperava da Suécia, terra tão libertária em sede de transes corporais amadores, era maior frieza na análise da particularidade desta Senhora e, até porque ela só acumulou meia-dúzia de caveiras, que não fizesse da sua propensão um bicho de sete cabeças. Como tantas outras, vocacionadas para transportes mais activos, preferentes do brilhantismo face ao carácter, a detida deixou-se seduzir por crânios, mais do que por colunas vertebrais. E, finalmente, não reduz o amor ao prazer de um certo músculo, aqui de todo ausente, procura apenas a companhia que lhe sorria para sempre. Se eu lhe fosse nomeado defensor, esqueceria por completo a chachada do valor arqueológico, porque seria preciso comprovar anos e proveniências duvidosamente certificados. Diria antes que a encarcerada prometia estimar os restos que a comprazem melhor do que muitos herdeiros e funcionários de cemitérios. E que os materialistas só poderão louvar uma paixão que prescinde da alma, tal como os espiritualistas deverão exultar com um amor que é tudo menos carnal! Como aquelas pessoas mais ligadas ao par, que se acabam por assemelhar ao companheiro, também a esta desempregada a confusão de ócios com ossos assegura o Futuro em que o seu aspecto imite o da companhia.
                                                A Promessa, de Madline von Foerster

A Virgindade e os Seus Vampiros

Como não podia deixar de ser, vem um novo biógrafo, surge uma revelação sensacional: Michael Jackson morreu virgem! Volta e meia, sempre que não se imponha um rasto de relacionamentos, há-de aparecer algum espertalhão a aventar hipóteses dessas sobre celebridades extintas, sempre estimulantes que são da venda dos volumes. Lembro, a propósito, uma extraordinária crónica publicada anos atrás por Alberto Pimenta, onde, com equanimidade, é desancado um "investigador" que resolvera centrar o seu trabalho na hipótese de Jorge Luís Borges também ter morrido sem conhecer (no sentido bíblico do termo) Mulher. Há em tais casos uma perversão intrínseca da definição de Biografia. Esta deve dar conta dos feitos dos seus temas, deter-se nos eventuais não-feitos é redigir sobre o Vazio, quer dizer, uma fraude. Alegar-se-á que, no caso do cantor Pop, a opção encontraria pernas para andar por desmentir suspeitas de pedofilia. Não estou tão certo, a negação do coito não eliminaria a hipótese de contactos sexuais de outro tipo. E o cuidado com que o Autor exclui «homens, mulheres e crianças» da vida íntima do falecido artista quase leva a especular acerca da razão de não referir outros animais... De resto, somos reconduzidos à dúvida tão bem expressa por Pimenta, no escrito supra aludido, apenas por hipótese absurda: um masturbador morrerá virgem?
                                                  As Belas Relações, de Magritte

Os Verdadeiros Trastes

O stress pós-traumático presta-se a usos e abusos, decerto. Muitos ex-combatentes com quem tenho falado troçam-no como meio de alguns conseguirem uns cobres, como a sua antecipação o era de escapar aos momentos mais difíceis. No entanto, as sensibilidades não são iguais e, a partir do momento em que exista como sequela identificada, há que enfrentá-la e deixar aos clínicos do ramo a aferição das condicionantes negativas dali emergentes. Temos é de não misturar alhos e bugalhos: diminuir também as pensões e os apoios aos medicamentos dos que andaram a arriscar o pelo por um país envia direitinhos para a sarjeta os responsáveis por tamanha ingratidão. Nos EUA, os Veteranos têm os seus assuntos tratados por uma pasta ministerial específica. De França, mais palavroso do que efectivo, chega, entretanto, um culto real aos que se aplicaram na defesa dos outros, sentimento e exteriorização que até tinham sido importados cá para o burgo, pela acção estimável da Liga dos Combatentes, por exemplo. Na Alemanha de entre-as-Guerras toda uma série de medidas de excepção, como a legitimação automática dos filhos dos que pegaram em armas também consagrava o esforço e o risco do Campo da Honra. Por cá, não. Como este triste regime deplora a Guerra de África, parece achar-se no direito de transferir esse mal-estar para indiferença e maus tratos àqueles que, sem meter o bedelho na Política, apenas fizeram por servir. É mais uma lápide que fixam a lembrar a ignomínia duma governação sem grandeza nem critério.
                                                   O Veterano, de Thomas Waterman Wood

O Apagão

O que sucedeu à Aldeia da Luz, com nome de tão irónica ressonância, é a condenação da Utopia, mesmo que em versão mitigada. O que se tentou foi, clonando uma povoação a submergir, evitar o choque e a falência certos de uma criação total a partir de um projecto inteiramente novo, mas não se percebeu nesta aventura urbanística o que de sobejo se sabe na vida íntima: um sucedâneo nunca chega aos calcanhares da real thing. Assim, com a burla das expectativas dos habitantes e a quota-parte de desertificação que lhe compete, a nova aldeola é um autómato desalmado, levando a que hajam sido dois os grupos de casas a meter água e não apenas o que se pretendia tomar por ela. Mas toda esta tristeza pode também ser vista como uma metáfora de Portugal. Ao tentarem construir um novo, com os melhoramentos da Europa evoluída sobre uma cultura tradicional decalcada para turista ver, arruinou-se a habitualidade que pacifica e reconforta, por carenciada que seja. E a aceleração inexorável para o fim bate, hoje, a cada porta angustiada e deprimida.
                                                        Portão de Entrada, de Marcelle La Cour

Pedras Para Que Te Quero!

Estava eu para aqui a massacrar-me com as ligações perigosas da lapidação da Polícia à delapidação do património que traduziram o arrancamento das pedras da rua e sequente lançamento contra as Forças da Ordem! Cheguei mesmo a cismar sugerir-Vos a Todos uma expiatória visita à exposição sobre «A Calçada Portuguesa no Mundo», presente até fins de Dezembro no Forte S. Jorge de Oitavos, em Cascais, e bebendo no trabalho do Autor do livro cuja capa se reproduz... Pura inconsideração, foi o que foi! Pois os calhaus dos fundibulários sem fundas tinham ao menos um... fundo pedagógico - provocando a substituição do piso em redor da malfadada Assembleia descalçada, estavam a repor a decência de não se misturar o instrumento de expansão da Cultura Nacional com os carrascos e torcionários que a têm vindo a supliciar e se assentam placidamente em S. Bento, nas bancadas da vergonha.

Confissões de Uma Máscara

No triste fim de tarde dos distúrbios em frente da Assembleia da República, viam-se, em lugar de destaque, alguns portadores de um disfarce estranho com bigodes à Salvador Dali, mas que, pelas implicações e remissões decorrentes, em muito transcendem a auto-restrição do verdadeiro Surreal. Trata-se de uma cadeia de alusões em jeito de caixinhas chinesas: filiam-se de imediato nas máscaras tornadas míticas nos meios contestatários de hoje por uma banda desenhada e um filme com audiência, «V FOR VENDETTA», as quais, por sua vez, se apropriaram dos traços fisionómicos de um bombista Inglês Católico do tempo de Jaime I, Guy Fawkes. Em comum querem ter a revolta contra as instituições, mas enquanto o malogrado precursor pretendia restaurar a Ordem Católica contra a coacção protestante dos legisladores arrivistas da época, V, o activo anarquista da distopia contemporânea, exime-se a qualquer vinculação a legitimidades, reconduzindo-se à versão radical da mensagem de que os governos devem temer as pessoas e não o contrário, funcionando o grotesco estado totalitário que motiva a sua rebelião apenas como maquilhagem da atmosfera indutora de simpatia. Uma semelhança há, porém entre os dois pólos expostos e os apedrejadores de S. Bento: todos querem atingir os respectivos parlamentos. No caso daquele triste e mesquinho que nos calhou, com a ironia maior de ver uma criação historicamente concebida para proteger das exacções fiscais ser a vergonhosa aprovadora de uma versão muito pesada delas. Mas é possível que os mascarados não tenham equacionado uma vertente de desconfiança inoculada pela filiação de que se reclamam - Fawkes, submetido a tortura, revelou os nomes dos conspiradores de que era cúmplice. Não é inspiração muito prometedora para o bando que os acolheu, se esperar bom comportamento político dos concernidos...
Eu desconfio de acções com o rosto escondido, salvo no caso do Zorro, por lhe conhecermos a identidade, D. Diego de la Vega. Porém, a Máscara tem muitas facetas e, em desagravo a algumas delas, escrevi:


ODE À MÁSCARA

Se de lama, da Beleza és garante,
frustras bisbilhotices, sendo singela.
Caprichada, à alegria trazes bastante,
assumindo do Carnaval a chancela.

Fúnebre, prolongas do vivo o aspecto,
em muito sacro fazes parte do ritual;
E contra o gás, facultas vida, afinal,
frente à doença proteges do ar infecto.

Tapas vergonhas, mas nunca enfadas.
Como na Esgrima, páras as estocadas
que o inclemente quotidiano distribua,
cumprindo função de defesa muito tua.

Na estrita acepção, ou na social,
forças alguém distinto a vir à tona.
Adequada ao hábito de penitente,
levas a abstrair do egotismo abissal;
portanto, bendita sejas, cara Persona,
meio do Perdido voltar a ser Gente!

O Mundo de Sofia

Em dia de aniversário de Sophie Marceau, vejo como o tempo passa e sinto saudade das ingenuidadezinhas que lhe associo. Não só a das descobertas e frustrações desse «LA BOUM - A PRIMEIRA FESTA», que vi já em idade de sorrir delas mas não ainda a tempo de deixarem de me envergonhar, como da concepção estapafúrdia que na minha cabecinha jovem se gerou de que ela seria filha do Mímico, o artista Marcel do mesmo apelido. Tanta vida passada, no celulóide como cá bem na terra, ao ponto de lhe irem consagrando retrospectivas...
 
Talvez com a injustiça das condenações apressadas e o despeito que aquela beleza tocante e duradouramente juvenil desperte na minha irrelevância associada, nunca consegui perdoar-lhe o casamento com Zulawski, o autor do único filme que me fez sair da sala a meio, «A MULHER PÚBLICA». Desobedeci, dessa forma à velha regra de dar a qualquer fita a possibilidade de se redimir até ao final, acrescentando um ponto à melancolia emergente de vermos os que admiramos unidos a quem menosprezamos.
De modo que publico duas imortalizações adicionais Dela, como tributo à Própria, pelo dia, e presente a um Fiel Admirador, o nosso Marcos Pinho de Escobar, com as provas intangíveis de que, não obstante as diferenças ideológicas, a Homenageada também demonstra aspirar fervorosa e fixamente a algo maior e vê este mundinho de pernas para o ar...

Padre Castellani - No se puede servir a dos señores (sermón sobre el din...

A 16 de Novembro, mas de 1899, nascia o "Chesterton" argentino, o Grande Padre Leonardo Castellani.  A modo de homenagem a esse Sacerdote, Filósofo e Patriota exemplar, vai aqui uma "charla" sobre o apego doentio do homem às coisas da terra, ao dinheiro, e sobre o "negócio" demagógico da falsa caridade dos Estados e das ONUs que por aí pululam.

16 de Novembro de 1952. Charles Maurras presente!


Há sessenta anos morria Charles Maurras. Latinista, helenista, poeta, ensaísta, crítico literário, jornalista político, polemista excepcional, foi sobretudo um filósofo político neo-monárquico e crítico demolidor do liberalismo e da democracia.  Homem de génio, rompeu as coordenadas do seu tempo e efectuou a síntese do pensamento contra-revolucionário tradicional e do positivismo. Doutrinador de uma Contra-revolução actualizada ao século XX, teorizador do Nacionalismo Integral, lider da Action française, Maurras foi um dos principais referentes da chamada Direita Nacional em França e na Europa da primeira metade da última centúria. Creio não exagerar ao afirmar que a influencia que exerceu na formação do pensamento político de Salazar é, a muitos títulos, simplesmente extraordinária. Mas a voz deste Apóstolo da França e da Monarquia não ecoou apenas no velho Continente, conquistando adeptos nas Américas, de Norte a Sul. No Mestre de Martigues amalgamaram-se várias tendências, do tradicionalismo de Maistre e Bonald ao positivismo de Comte, do catolicismo social de Le Play de de La Tour du Pin à ciência histórica de Renan, Taine e Fustel de Coulanges. Monarquia tradicional, hereditária, antiparlamentar e descentralizada foi a sua fórmula.  Inimigo histórico da "Alemanha eterna" e adorador da déesse France, é escandalosamente condenado à prisão perpétua - à partida exigiram a pena de morte - por "inteligência com o inimigo".  Deixou o mundo dos vivos a 16 de Novembro de 1952, reconciliado com a Fé da sua infância, a Fé que tão bem soube defender, como declarou o Papa São Pio X.  É, pois, com a "Prière de la Fin" que recordo o Grande Mestre, mais imortal do que nunca.




« Seigneur, endormez-moi dans votre paix certaine

Entre les bras de l’Espérance et de l’Amour.

Ce vieux cœur de soldat n’a point connu la haine
Et pour vos seuls vrais biens a battu sans retour.

Le combat qu’il soutint fut pour une Patrie,
Pour un Roi, les plus beaux qu’on ait vus sous le ciel,
La France des Bourbons, de Mesdames Marie,
Jeanne d’Arc et Thérèse et Monsieur Saint-Michel.

Notre Paris jamais ne rompit avec Rome.
Rome d’Athènes en fleur a récolté le fruit,
Beauté, raison, vertu, tous les honneurs de l’homme,
Les visages divins qui sortent de ma nuit :

Car, Seigneur, je ne sais qui vous êtes. J’ignore
Quel est cet artisan du vivre et du mourir,
Au cœur appelé mien quelles ondes sonores
Ont dit ou contredit son éternel désir.

Et je ne comprends rien à l’être de mon être,
Tant de Dieux ennemis se le sont disputé !
Mes os vont soulever la dalle des ancêtres,
Je cherche en y tombant la même vérité.

Écoutez ce besoin de comprendre pour croire !
Est-il un sens aux mots que je profère ? Est-il,
Outre leur labyrinthe, une porte de gloire ?
Ariane me manque et je n’ai pas son fil.

Comment croire, Seigneur, pour une âme qui traîne
Son obscur appétit des lumières du jour ?
Seigneur, endormez-la dans votre paix certaine
Entre les bras de l’Espérance et de l’Amour. »

Charles Maurras, Clairvaux, 1950

A Preto e Branco

Sempre imaginativo e expansionista nas suas bandeiras, o lobby gay descobriu agora a luz na ética dos pinguins. Há muito que delirava com a constatação de que alguns machos da espécie - no sentido anatómico, claro - dessem para o mesmo lado. Escreveram-se epopeias sobre tão estimável arrojo. Mas a tal podridão difusa do Reino da Dinamarca levou os responsáveis de um jardim zoológico dessas bandas a interpretar o roubo de ovos a que o alegre casal se dedicava como um impulso para adoptar, pelo que lhes impingiram uma pobre cria(nça). A tese cai pela base, na medida em que tiveram de treinar o parzinho para chocar, coisa que esses tratadores às avessas, embora noutro sentido, fazem muito melhor. Quem diz que os passarocos homo não queriam, no País do Hamlet, fazer, simplesmente, uma omelette? Ou uma homolette, enfim? Afinal, eles não tinham tentado surrupiar um filhote! O tal ambiente pode ser zoo, mas revela-se bem pouco lógico. Claro que o que se pretende é passar a mensagem de que estas práticas, quer a sexual, quer a da paternidade de substitição, não são anti-natura. E assim legitimar os comportamentos equivalentes nos humanos. De bom, só notar que as aves, ao menos, não pediram para ser casadas, talvez porque aquelas paragens ainda sejam, nominalmente, uma Monarquia e, consequentemente, o casamento civil lá não esteja tão desvalorizado como o de certas Repúblicas que sabemos.
                                            Coletes Salva-vidas, de Euan Mcleod

Cargas Pesadas

De minha inclinação natural, tendo a preferir o lado da Polícia de Choque ao dos desgrenhados manifestantes que insultam e arremessam. Não por prezar a ilusão da força, mas porque o combate desigual que se prefigura antes de cada enfrentamento me leva a simpatizar com quem tem de aguentar disciplinadamente insultos e provocações sem poder ripostar antes de uma ordem, por vezes de remota proveniência, ser emitida. Além de ver nas protecções dos elementos da força policial uns resquícios das armaduras dos cavaleiros medievos que só a lembrança de servirem governos votados, isto é, ilegítimos, reconduz à triste realidade. Há, todavia, que não abstrair do substrato dos confrontos. E apesar de ser muito duvidoso que os provocadores de ontem fizessem parte dos que mais sofrem, é triste constatar que já não é notícia a carga que impõem aos portugueses, mas o é uma cargazinha de trazer por casa contra manifestantes repelentes. Ou seja, àquela gentalha, pela desgarrada condução do País, é prometida uma espécie de redenção sem arrependimento, apenas por, televisionada e festivamente, cavalgarem o Mal que se consubstancia no uso imoderado de cocktails, de preferência do tipo Molotov.
                                                   Polícia de Intervenção, de Blek le Rat

ADÚLTEROS & CIA

Acerca do escândalo que fez o General Petraeus, ex-chefe da CIA, voltar à terra, depois de descoberto o adultério que mantinha com a sua biógrafa, parece-me absurdo que ninguém o suspeitasse de um relacionamento com aquela que, ostensivamente, tinha toda a sua vida na mão. Foi preciso um emaranhado de ciúmes sórdidos, com a amásia a exteriorizar ciúmes de uma cabecinha oca promotora de festarolas sociais apontada para as estrelas (dos ombros, desde logo), a qual terá substituído como alvo de uns namoricos e-mailados o oficial em questão pelo general de Marines John Allen, que lhe sucedera no Afeganistão e estava nomeado para a NATO. Tudo quanto tecla, por aqueles lados, diz temer que informação confidencial haja sido partilhada nas manobras de cama, enquanto que este Vosso servo pensa ser diverso o nó do problema. A saber, que não parece avisado nomear altas patentes das Forças Armadas para a agência de espionagem. Desde logo, porque coincidindo o campo de acção, parcialmente, com o da inteligência militar, dever-se-á canalizar os portadores de uniforme mais vocacionados para os departamentos dela. Mas mais, porque o romantismo e exposição do Herói, a virilidade das vozes e saudações marciais e as próprias fardas são de molde a exercer apelos mais eficazes sobre o Belo Sexo do que um obscuro funcionário com décadas de encafuado serviço nos corredores das "secretas". Além de que um soldado prestigiado acha sempre, inconscientemente, que a faceta erótica do repouso do guerreiro é parte devida da sua paga e não pode correr senão bem.
                                            O Apanhador de Sonhos, de Michael Cheval

Amadeo

Tal como havia feito para Cassiano Branco, o Google decidiu hoje recordar Amadeo de Souza-Cardoso a propósito do seu aniversário, com um novo doodle comemorativo.

Da Geral

Não tem a Greve Geral dos dias do Proletariado em vias de extinção o potencial mítico mobilizador que lhe reconhecia Georges Sorel. O protesto de hoje, por consequência, nada dará, salvo, porventura, o alívio fugaz do grito. Nem há a coesão de um grupo social unificado, nem afixação de objectivos concretos que permitam aos protestos escapar ao efémero inócuo da manifestação. Os partidos que se poderiam oferecer para enquadrar o esforço contestatário em vista à tomada do Poder descredibilizaram-se e a situação tornou-se de tal forma desesperante que a própria subsistência dos sindicatos é vista de viés, enquanto se gera o vago sentimento de que qualquer negociação com os ocupantes das cadeiras do Poder descamba numa forma de colaboracionismo. Nada aconselha pois a enveredar por uma paralisação que promete dar o zero absoluto, salvo atestar-se a inexistência da paralisia perante os golpes infligidos sem sensibilidade. O lixo andar pelas ruas não é novidade, entrevisto que é nos carros de alta cilindrada transitando nas entradas e saídas do assombrado casarão de S. Bento. Mas temos de dar-nos a ilusão de continuar a viver e agir em consequência com toda uma percepção de que são completamente outras as boas razões para se ficar na(s) Covas:
                                                                 Kamila Covas

A Resgateira

A Chanceler Merkel mostrou-se contentinha da vida pela forma como está a decorrer o resgate do nosso País. Querem fazer passar tal substantivo por sinónimo de salvação, mas como dela não se descortinam sinais, temos de tentar encontrar-lhe outro sentido útil. E a Língua, mesmo torturada como vai sendo, dá-nos uma solução. Aqui, a palavra só pode querer significar o montante a prestar para que os raptores nos soltem. Ora, nesse sentido, decerto que está a correr bem para aqueles que nos capturaram, pois não há notícia de que o desinteresse haja chegado ao perdão de juros, ou seja, implorado sem condições pelos capangas feitores de Lisboa, o nosso cativeiro está assegurado. Cipião devolveu a virgem Cartaginesa aos seus, recusando-se a aceitar as riquezas que lhe queriam dar em troca da libertação, apenas com a recomendação de que não hostilizassem Roma. Com UE interposta, a actual detentora da faca e do queijo não prescinde da usurazita da ordem, ao mesmo tempo que nos põe na (sua) linha e visita os prisioneiros para comprovar o ritmo adequado dos trabalhos forçados.
      A Continência de Cipião, de Gerbrand van den Eeckhout

Des-troçar!

Não se percebe o que querem dizer estes representantes castrenses com a solene afirmação de que a Classe não se oporá à indignação dos Portugueses. Penso que a desvergonha ainda não chegou ao ponto de lhes pedirem o desempenho de funções de policiamento, por forma que apenas deve querer dizer que não aceitam, doravante, manter-se como garantes do Regime. Não podem os Políticos queixar-se: estão a provar do próprio remédio, quem fez este sistema está a tirar com uma mão o que com a outra deu, numa apoteose reivindicativa de carreiras, em certa madrugada para esquecer, tal como eles sonegam com um dos membros aos governados o que deram com o restante. Não tenho em grande conta a transformação do ofício das armas numa profissão como as outras, apesar de também me não agradar muito a universalização forçada do Serviço Militar saída da Revolução Francesa. A segunda proporcionou a intromissão paroxística da I República, como forma periódica de mudar apenas a face dos governos ineptos, num panorama em que as eleições viciadas jamais o faziam. A redução a um simples sector laboral, no rescaldo da diminuição de benesses, essa ainda é pior - propicia chantagenzitas veladas como aquela em (pouco) apreço, mas sem sair do entorpecimento que deixa aos demais o ónus de corrigir a desgraça, sem defender a Pátria contra o Inimigo das Internacionais, na altura em que o doutros nacionais já teve melhores dias.
                                                   A Sentinela Adormecida, de Carel Fabritius