Uma arma contra o Acordo Ortográfico

Aqui partilho a entrevista que fiz com João Pedro Graça, responsável pela Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (ILCAO), publicada no semanário “O Diabo” de 20 de Dezembro de 2011.

Todos os que se opõem ao Acordo Ortográfico (AO) podem agir. É este o propósito de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos com o objectivo de revogar o diploma legal que o aprovou. João Pedro Graça é o responsável por esta iniciativa. O DIABO, Jornal que recusa o Acordo, entrevistou-o.

O DIABO – O que é a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (ILCAO)?
João Pedro Graça – É um Projecto de Lei redigido e submetido a aprovação parlamentar por parte de um grupo de cidadãos, com o objectivo de revogar de imediato a Resolução da Assembleia da República que determina a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.

O que é necessário para que seja admitida?
Para que a ILCAO seja admitida para discussão e votação pelo plenário da Assembleia da República é necessário que o texto legal e respectiva sustentação sejam subscritos, em papel e com a identificação civil e os dados de recenseamento eleitoral de cada subscritor, por um mínimo de 35 mil cidadãos.

Como surgiu a ILCAO?
Tudo começou no dia 25 de Setembro de 2008, num “post” em que se referia a possibilidade de avançar com uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra a entrada em vigor do Acordo Ortográfico. A ideia foi depois lançada através da internet, em 2009 e começou a registar um número imparável de adesões. Redigida e publicada a ILCAO, começaram a ser recolhidas assinaturas no dia 8 de Abril de 2010.

Quais são as razões principais para esta acção de cidadania pela revogação do Acordo Ortográfico?
São inúmeras, mas abreviemos. O AO nem é acordo, porque num acordo se pressupõe cedências de ambas as partes e neste houve apenas de uma, nem é ortográfico, pela simples razão de que nega e renega o próprio conceito de ortografia. Tratou-se de um “cozinhado” exclusivamente político, entre cúpulas partidárias nacionais, e isto apenas entre Portugal e Brasil. Acresce que nenhum dos fundamentos aduzidos para a sua defesa contém um mínimo de credibilidade, vindo pretensamente “resolver”… um problema que nunca existiu.

A partir de 2012, o Acordo Ortográfico (AO) vai ser adoptado na Administração Pública, nas Escolas, no Diário da República, etc. Acha que isso vai desmoralizar os que se batem contra o AO?
Não, porque há um período de transição, previsto no AO, até 2015. Mais: o instrumento legal que aprovou o AO, a Resolução da Assembleia da República n.°35/2008, não prevê um regime sancionatório. Estamos sempre a tempo de anular, revogar, modificar ou substituir esta resolução.

As pessoas podem continuar a escrever como escreviam?
Não estão previstas sanções ou penas. Não há, assim, consequências legais neste aspecto. No entanto, no que respeita ao regime disciplinar, é diferente. Num organismo do Estado, depois de adoptado o AO, quem continuar a escrever da mesma forma pode ser alvo um processo disciplinar.

Não podem ser objectores de consciência?
Aqui não está prevista a figura da objecção de consciência, mas as pessoas podem invocá-la constitucionalmente.

Tem notado alguma alteração no apoio à ILCAO?
Sim, agora que se aproxima o dia 31 de Dezembro. As pessoas começam a ficar preocupadas e mobilizam-se mais. Muitas delas achavam que isto era uma coisa que ainda ia demorar. Mas agora entra-lhes em casa, seja pela RTP ou em muitos manuais escolares. Muita gente teve esse choque e decidiu apoiar a nossa iniciativa.

Mas muitas acham que o AO está para ficar?
Está, se as pessoas deixarem. Assinem a ILCAO e revoguem a entrada em vigor do AO. Não vale a pena refilar e achar que não há nada a fazer. Foi exactamente devido a essa postura que o AO acabou por ser aprovado. É preciso actuar. Não há outra forma de parar isto.

Como podem fazê-lo?
Todas as informações estão na nossa página na intemet (http://ilcao.cedilha.net/). Vão até lá e leiam, assinem e divulguem.

Tem alguma previsão de quando será entregue a ILCAO?
Isto podia ser feito num mês, bastava que tivéssemos visibilidade num grande órgão de comunicação social, um canal de televisão, por exemplo. Assim, temos que esperar mais algum tempo até conseguirmos reunir as 35 mil assinaturas necessárias.

Acha que os ‘media’ têm silenciado a ILCAO?
Têm, e de que maneira! À excepção do “Público” e de “O Diabo”, mais nenhum órgão de comunicação social refere a ILC. Há uma tendência para silenciar a ILC. E fazem pior, dão relevo a tudo o que é favorável ao AO.

A ILCAO está ligada a algum grupo ou interesse político?
Não. Temos uma comissão representativa, que inclui pessoas de todo o espectro partidário. Da extrema-esquerda à extrema-direita. Também na nossa página na internet se pode ver que temos apoiantes em todos os partidos, incluindo os que votaram favoravelmente o AO. Não nos identificamos politicamente. O nosso único interesse é que a ILC vingue e não qualquer aproveitamento partidário. O que está em causa é a Língua de todos.

O Chalet da Condessa d’Edla


Localizado na zona ocidental do Parque da Pena, em Sintra, o Chalet da Condessa d’Edla foi construído pelo Rei D. Fernando II e sua segunda mulher, Elise Hensler, segundo o modelo dos ‘chalets’ alpinos que se faziam então na Europa. Foi concebido como uma construção de recreio, de carácter privado. Após o golpe de 1910, passou para a tutela do Estado republicano e, com o passar dos anos, foi-se degradando e acabou condenado ao abandono até ser alvo de um incêndio de origem alegadamente criminosa, em 1999. Só em 2007, muito graças ao fundo EEA-Grants, se iniciou a sua recuperação.

Este belíssimo edifício romântico caracteriza-se pelo uso exaustivo da cortiça como elemento decorativo e pelo seu enquadramento com a paisagem envolvente, o Jardim da Condessa. Também a pintura mural das escadas e o estuque decorativo da sala das Heras são aspectos a destacar. Um extraordinário trabalho de restauro do património, ainda em curso, que é possível visitar, num agradável passeio. Uma viagem ao romantismo do século XIX.

Houellebecq: "O Mapa e o Território"

Por largo tempo prevaleceu em alguns círculos a ideia de que Michel Houellebecq era um escritor pornográfico, um Henry Miller de segunda edição, enxertado em Sade e Laclos.
"O Mapa e o Território", que chegou há semanas aos escaparates portugueses, editado pela Alfaguara, com tradução de Pedro Tamen, veio revoltear esse entendimento simplista. O quinto romance de Houellebecq venceu o Goncourt, o mais importante prémio literário francês, e parece ter fixado definitivamente o autor como um romancista fundamental do nosso tempo. Com toda a justiça, diga-se.


O livro é uma paródia certeira ao mercado da arte e da cultura. Jed Martin, o protagonista, torna-se um artista de sucesso sem saber ler nem escrever, e pede a um escritor chamado Michel Houellebecq que lhe escreva o prefácio para o catálogo da sua exposição. Aberta assim a porta à auto-ironia mais desbragada, o livro dá-nos um Houellebecq-personagem essencialmente bebedolas e depressivo, embezerrado na sua misantropia — e que acaba por ser violentamente assassinado.
Michel Houellebecq é um escritor pessimista e desencantado, reaccionário até, que expõe a profunda solidão do homem actual, no quadro de um sistema político e económico risível. À sua maneira, escreve uma revolta contra o mundo moderno. As suas tiradas mais obscenas confundiram a crítica pouco especializada. Houellebecq pertence a uma raça de prosadores franceses que, na linha de Barbey d’Aurevilly, pensam como Joseph de Maistre e escrevem como o Marquês de Sade. É de ler agora, antes que seja tarde.

Natal Up-To-Date

Em vez da consoada há um baile de máscaras
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público

Nas palhas do curral ocultam-se microfones
O lajedo em redor é de pedras da lua
Rainhas de beleza hão-de vir de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas

Eis que surge do céu a estrela prometida
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito mais rápido

Assim a noite passa e passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco
Só Jesus no entanto é que não comparece
Só Jesus afinal não quer nada convosco

David Mourão-Ferreira

Roberto de Moraes (1939 – 2010). In memoriam.

Passou um ano desde que o meu Amigo Roberto de Moraes deixou o mundo dos vivos. Fica a saudade e a eterna memória. Em sua homenagem, reproduzo aqui o artigo que então publiquei no semanário «O Diabo».


Ernst Jünger e Roberto de Moraes

 “Tive sempre o sentimento de não estar conforme com a ordem estabelecida – Quer seja politicamente definida pela monarquia, pelas repúblicas ou pela ditadura, quer sirva economicamente de pasto ao “homo faber” e aos seus satélites, quer esteja teologicamente desmitizada pelas raposas da inteligência. Por isso precisei de nadar contra uma corrente cada vez mais forte (…) em plena “terra de ninguém” (…) muitas vezes com a pergunta de Molière, sete vezes repetida: “Que diabo estou eu a fazer nesta galera?” De ano para ano tenho suportado, também, o sofrimento que Hölderlin atribui a Hyperionte: o sentimento de ser estrangeiro na própria pátria.”
Ernst Jünger


Este curto texto que o escritor alemão escreveu por ocasião dos seus 80 anos, citado pelo Roberto de Moraes num excelente artigo que sobre ele escreveu na sequência da primeira entrevista que lhe fez, pode dar pistas para tentarmos perceber um pouco da quase impenetrável personalidade deste historiador e jornalista, mas principalmente estimado Amigo, que recentemente deixou o mundo dos vivos.
A sua pátria – a sua grande pátria –, tal como a minha, era a Europa. Dela conhecia a fundo a História, a Geografia, as gentes, línguas e tradições, a sua cultura nos mais variados aspectos. Mas, indo – como sempre – para além de todo este saber, sentia, principalmente, como do turbilhão da sua diversidade poderia nascer uma força invencível capaz do Sonho.


Encontro
Foi exactamente a Europa que nos aproximou, já lá vai uma década. Após uma intervenção polémica que fiz num congresso, que suscitou amores e ódios, o Roberto de Moraes veio saudar-me e convidar-me para a sua tertúlia semanal. Agradeci educadamente, com algum orgulho, mas sem no entanto imaginar o que aquele gesto realmente significara.
Não era pessoa de cumprimentos fáceis, muito menos de tiradas de ocasião para agradar a quem fosse. Esta característica, que tantos lhe apontaram como maior defeito e gerou inimizades, tinha outro lado – conferia um valor muito mais elevado à sua aprovação.
Desde logo, sempre com o seu estilo directo e frieza militar, começou a trocar comigo impressões sobre inúmeros assuntos. Era uma verdadeira aprendizagem. Só muito mais tarde me apercebi do significado profundo e da força que tinham certas expressões que proferia ao ler textos meus. “Muito bem, é isso mesmo” ou “está escrito em português de lei”, eram verdadeiras classificações de 20 valores no seu sistema avaro. Por outro lado, a discordância era tão implacável como desagradável.


O jantar do Moraes
A sua tertúlia semanal, mais conhecida por “jantar das quartas”, tornou-se para mim obrigatória. Não preciso de agenda para me lembrar que é dia de jantar com amigos. A meio da semana atravesso a cidade rumo a esta tertúlia, que já passou por vários sítios da capital, e onde se cruzam gerações e opiniões, numa discussão de ideias que rompe noite adentro. Este encontro regular chegou mesmo a dar origem a um blog colectivo que durou quatro anos.
O jantar continua, claro, e o nosso Amigo nunca deixará de estar para nós presente. Lembro-me de um caso que o Miguel Freitas da Costa contou numa das tertúlias. O de um clube onde os mortos não deixavam de ser sócios, apenas estavam dispensados de aparecer.

Jünger
Seria impossível – para não dizer desonesto – falar do Moraes sem referir o grande mestre das letras germânico do século XX, já que foi o único jornalista português a entrevistá-lo, por várias vezes. Para além da correspondência mantida, traduziu ainda partes da sua obra e fez a revisão de várias traduções, contribuindo para a divulgação da obra e pensamento do escritor alemão no nosso país.
Roberto de Moraes deslocou-se a Wilflingen por três vezes para visitar Ernst Jünger e manteve com o escritor uma troca de correspondência esporádica. A primeira visita foi em 1973 e deu origem a um artigo publicado na revista “Vida Mundial” n.º 1897, de 22/7/1976, intitulado “Ernst Jünger: O Mago da Floresta Negra”. A entrevista feita na segunda visita, em 1978, seria publicada na revista francesa “Nouvelle École” n.º 33 (Verão de 1979) subordinado ao tema “L’idée nominaliste”, com o título “Rencontre avec Jünger. Un témoignage”, e que foi registada pelo próprio Jünger no seu diário, onde também recorda a visita do jornalista português. A última visita foi no dia 24 de Fevereiro de 1984, tinha Jünger 89 anos de idade, na qual foi tirada a fotografia inédita que se publica.

Obrigado
Um dia descreveu-me como “sólido camarada e jovem colega de História, disciplina que o não tolhe, antes lhe areja o espírito e lhe estrutura o sentido de humor”. Pois eu, na falta de palavras, recorro a um sentido e sincero obrigado, expressão que, juntamente com o “por favor”, era proibida numa instituição de camaradagem que ambos bem conhecíamos. E foi com grande prazer egoísta que soube que uma das últimas coisas que leu foi um texto meu, publicado aqui, no nosso “O Diabo”. Até qualquer dia...

Amor à Arte


António Lopes Ribeiro (Lisboa, 1908 — Lisboa, 1995) é cineasta, jornalista e crítico de Cinema. Entenda-se aqui a palavra cineasta na sua acepção total: Lopes Ribeiro foi realizador, argumentista, produtor, director artístico e montador. Temos, assim, um homem que respira Cinema.
Estudou engenharia no Instituto Superior Técnico, mas logo o abandonou, em 1929, para se entregar à Sétima Arte a tempo inteiro.
Nos anos 20, dedica-se ao jornalismo; e, estreia-se na crítica cinematográfica no Diário de Lisboa com uma página própria, «Arte Cinematográfica — O Claro-Escuro Animado», onde usa as iniciais A. R. e o pseudónimo Retardador, a partir de 1927; esta rubrica terá sido a primeira — em todo o Mundo — dedicada exclusivamente ao Cinema num jornal diário. De seguida, funda e dirige as revistas especializadas Imagem (1928), Kino (1930) e Animatógrafo (1933). Colabora ainda, ao longo de toda a sua longa vida, nas seguintes publicações, entre outras: A Bola, Diário Popular, Cine-Jornal, A Revista de Portugal e A Rua.
Inicia-se como realizador, em 1928 — aos 20 anos de idade —, com o documentário artístico Bailando ao Sol. Lança-se, a partir daí, numa carreira que terá mais de 100 títulos e que só será interrompida — à força! — em 1974. Nessa vasta Obra, encontramos documentários, adaptações literárias, dramas, e comédias. O arranque da sua actividade cinematográfica encontra-se fortemente enraizado nos conhecimentos técnicos que adquiriu em visitas aos estúdios alemães e russos (um bom exemplo do amor à arte e à estética quebrando fronteiras políticas e ideológicas).
Foi, enquanto teórico, um apologista do Cinema Sonoro, contrariando muitos dos seus camaradas de ofício da época, que viam no Sonoro um desvirtuar do Cinema como forma de expressão artística, pois passaria a ser — segundo eles — um mero meio de reprodução da realidade. Lopes Ribeiro viu, antes de todos, que o Som — se bem utilizado — poderia ajudar o Cinema a crescer como Arte. Assim foi.
Os seus documentários são, na sua maior parte, encomendas do Estado Novo, através de vários Organismos. Mostrar-se-á, neste domínio, um Autor rigoroso, do ponto-de-vista histórico, e com um fino sentido estético. Destacaria, nesta área, os seguintes documentários: A Exposição do Mundo Português (1941), Inauguração do Estádio Nacional (1944), A Morte e a Vida do Engenheiro Duarte Pacheco (1944), O Cortejo Histórico de Lisboa (1947), Jubileu de Salazar (1953), Rainha Isabel II em Portugal (1957). Se quisermos conhecer a História de Portugal do Século XX, teremos de vê-los a todos — dezenas de títulos, de semelhante nível técnico-artístico e igual valor histórico, repartidos entre curtas-metragens e longas-metragens documentais. Um olissipógrafo que se preze deverá visionar os seus documentários sobre Lisboa, antes de escrever o que quer que seja sobre a antiga Capital do Império.
Quanto ao Cinema de ficção, Lopes Ribeiro saberá integrar muito bem nas suas equipas um conjunto de luxo de técnicos provenientes da Alemanha, e assegurar, desta forma, um sentido visual apurado — na luz, nos enquadramentos, e nos movimentos de câmara — nos seus filmes. A sua primeira longa-metragen de ficção — Gado Bravo (1934) — irá logo deixar bem à vista do público essas marcas. Note-se que a propósito desta fita rodou um documentário («making-of», no vocabulário técnico de hoje; coisa inédita à época).
António Ferro — que sabia, como ninguém, detectar talentos — vai desafiá-lo a rodar uma película sobre a Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926, a fim de Comemorar os seus 10 anos. O argumento é escrito por António Lopes Ribeiro e pelo próprio António Ferro (com os pseudónimos de Baltazar Fernandes e Jorge Afonso, respectivamente) e terá a produção assegurada pelo Secretariado de Propaganda Nacional. Sobre esta fita — A Revolução de Maio (1937) —, não resisto a relembrar aqui o sucedido, há uns anos atrás, quando algum «especialista» de programação da RTP decidiu exibir este filme, no 1.º de Maio, julgando tratar-se de uma película panegírica da data...! Ia caindo o Carmo e a Trindade!...
A partir de 1938, na sua nova responsabilidade de director artístico da Missão Cinegráfica às Colónias de África, visita e trabalha — supervisionando e dirigindo produções — nas Províncias Ultramarinas. Resultante desta aproximação a África, surge Feitiço do Império (1940); ainda hoje um filme de grande escala e enredo cativante, e a necessitar de urgente reposição para que as novas gerações digam de sua justiça.
Em 1941, cria as Produções Lopes Ribeiro, com o objectivo de produzir longas-metragens de ficção, ou filmes de fundo, entre os quais temos a nata do Cinematografia Portuguesa do Século XX: O Pátio das Cantigas (1942), de Francisco Ribeiro (seu irmão «Ribeirinho»); Aniki-Bóbó (1942), de Manoel de Oliveira; Camões (1946), de Leitão de Barros; para além de todas as Comédias Portuguesas que iluminaram a Época de Ouro do Cinema Nacional.
Para podermos avaliar convenientemente a genialidade heterodoxa deste Autor, esplanada em géneros cinematográficos tão distintos, basta referir O Pai Tirano (1941), que representa um certo paradigma da Comédia Portuguesa, e Amor de Perdição (1943), exemplo perfeito de como se pode obter êxito comercial com adaptações de qualidade de clássicos da Literatura Portuguesa.
Toda esta Obra Cinematográfica foi construída a par de uma outra carreira como Homem de Teatro. Fundou a Companhia «Os Comediantes de Lisboa», que actuou sucessivamente no Teatro da Trindade, no Teatro Avenida, e no Teatro Apolo; e, em 1952, fundou o «Teatro do Povo», que levou à cena desde Gil Vicente até peças da sua própria autoria.
Numa outra frente, traduziu Tchekov, Maeterlinck, Pagnol, Maugham e Giradoux, entre outros.
Como escritor, publicou O Livro de Aventuras (1939) e O Livro das Histórias (1940) — colectâneas de sonetos e poemas; editou ainda as várias compilações das suas crónicas, destacando-se: Esta Pressa de Agora (1962), Anti-Coisas & Tele-Coisas (1963) e Belas-Artes & Malas-Artes (1964).
Na televisão, ficou na memória de várias gerações de famílias portuguesas com o seu programa semanal Museu do Cinema, fazendo dupla com o famoso pianista «mudo» António Melo, entre 1957 (ano de fundação da RTP) e 1974 (ano do não desejado fim da sua brilhante carreira).
Homens destes já não se fazem hoje. Saibamos merecê-los; e, para isso, comecemos por conhecê-los.

Goa


Há cinquenta anos a nossa Goa era brutalmente invadida e ocupada. Quatro aspectos ficaram, então, claríssimos: 1) a natureza do "pacifismo" do inenarrável Nehru; 2) o valor da famigerada aliança luso-britânica, a tal mais antiga e mais inútil do mundo - pelo menos quanto a nós; 3) a infinita hipocrisia do torto - perdão! - do "direito" internacional; 4) a essência dos "fumos" que já circulavam pelos corredores do Vaticano. E lembrar que já em tempos abrilinos um homenzinho desclassificado, sorridente coveiro de Portugal, vai de abalada abraçar a filha do invasor e desculpar-se, envergonhadíssimo, pela nossa presença quase cinco vezes secular. Registo aqui a minha homenagem aos construtores e defensores desta jóia civilizacional que foi o Estado Português da Índia, e a todos os goeses que, espalhados pelo mundo, trazem a vibrar no coração o nome de Portugal.

Alegria de Viver


Em Dezembro de 1932, iniciaram-se os trabalhos de edificação do estúdio cinematográfico da Tobis, na Quinta das Conchas, ao Lumiar, em Lisboa. No início do ano, tinha sido dado o arranque para a Companhia Portuguesa de Filmes Sonoros Tobis Klang Film, que se constituiu formalmente em Junho de 1932. Este nome ficou a dever-se à casa-mãe alemã (Tobis, abreviatura de Tonbild SyndiKat), por ter sido esta a fornecer-lhe a aparelhagem técnica. Lisboa e Berlim surgem assim de mãos dadas, para o advento do Cinema Sonoro em Portugal.
O então jovem arquitecto Cottinelli Telmo desenha e orienta a construção do estúdio, num radical projecto de fino recorte moderno e funcional, em articulação com a bela paisagem envolvente. José Ângelo Cottinelli Telmo nasceu em Lisboa, em Novembro de 1897, e viria a morrer num trágico acidente de pesca desportiva na Praia do Guincho, sportsman que era, em 1948. Filho de músicos, entra em 1915 para as Belas-Artes de Lisboa, a fim de cursar Arquitectura. Antes de aí se licenciar, em 1920, Cottinelli participa nas animadas tertúlias do Chiado, onde convive com os «novos», virando as costas ao academismo passadista da escola. Dessas relações sairiam, por exemplo, trabalhos para bailados (com Almada Negreiros), bandas desenhadas (para o ABC), décors de filmes de Leitão de Barros, etc e tal. Revelou-se, ainda, como actor e compositor, nas festas de estudantes de Belas-Artes. Como arquitecto, constrói alguns dos primeiros edifícios modernistas de Lisboa: Stand da FIAT (Av.da Liberdade, 1926-1929); Estação Fluvial do Terreiro do Paço (1928-1932); e, finalmente, a nossa Tobis. Carreira esta que atingiria o apogeu com a sua nomeação para arquitecto-chefe da Exposição do Mundo Português, em 1940.
Foi, por esta altura, o principal colaborador de Duarte Pacheco (se este não tivesse morrido em 1943, Cottinelli em 1948, e Ferro em 1956, a História das Artes e dos Espectáculos, no Século XX, em Portugal, teria cantado mais alto… mas, essa é outra história… fica para a próxima).
A Tobis só ficou concluída no ano de 1934. No entanto, antes disso, Portugal vai ter o seu primeiro filme sonoro rodado aí, num plateau improvisado. Ao mesmo tempo que orienta a construção do estúdio, que, no local, era dirigida pelo francês A. P. Richard, Telmo escrevia e realizava A Canção de Lisboa, tendo como conselheiro técnico Chianca de Garcia, outro dos grandes entusiastas da Tobis, desde a primeira hora, a par de Cottinelli Telmo e Leitão de Barros.
A Canção de Lisboa surge, pois, como fruto da gente nova, formada na cinefilia, no culto das Artes, e no bom-gosto. Se esta nova geração está pronta, e as infra-estruturas lançadas no terreno, faltavam ainda técnicos e actores para dar corpo ao primeiro filme sonoro totalmente feito (rodado e sonorizado) em Portugal.
Olhando com atenção para a ficha técnica (hábito perdido nos apressados dias de hoje, onde nos servem ao domicílio os filmes amputados dessa parte), descobrimos toda a fina-flor da Arte Portuguesa de então. O próprio genérico é de Almada Negreiros, que desenha também os dois cartazes do filme; o pintor Carlos Botelho é assistente de realização; José Galhardo escreve os inesquecíveis diálogos e as letras das canções, que passam de pais para filhos há mais de setenta anos; encontramos um trio de luxo na fotografia — Henri Barreyre, Octávio Bobone e César de Sá; o «russo branco» — vindo do Cinema Mudo Russo (pré-soviético; pois não foram os comunistas que lá inventaram o Cinema, como alguns parecem pensar) — Chakatonny; o engenheiro Paulo de Brito Aranha na direcção de som (cargo que iria manter na Tobis, por largos anos); o poeta José Gomes Ferreira — esse mesmo! — na assistência de montagem; Raul Ferrão e Raul Portela na autoria da música das canções; e, por aí fora…
Os actores constituem um elenco «de se lhe tirar o chapéu»: Vasco Santana, Beatriz Costa, António Silva, Teresa Gomes, Álvaro de Almeida, Manuel Santos Carvalho, e o jovem realizador Manoel de Oliveira, numa breve aparição como o galã, bon-vivant (que, de facto, era) e fiel amigo, Carlos, do desgraçado Vasquinho (Vasco Santana).
A articulação entre as equipas técnica e artística contou com a preciosa colaboração de técnicos profissionais vindos, essencialmente, da Alemanha e de França: Hans-Christof Wolhrab, Tonka Taldy, Jeanette Pakon, para além dos já nomeados anteriormente.
Sinal dos tempos, é de referir que Beatriz Costa saía de uma peça de teatro de revista, em cena na altura, onde era cabeça de cartaz, às duas horas da manhã, e apresentava-se às sete horas, da mesma manhã, na Tobis, impecavelmente maquilhada, à espera da ordem: «Acção!».
Por tudo isto, estamos perante um filme fundador: não só do Cinema Sonoro Português, mas do género fílmico da Comédia Portuguesa. Até hoje, tudo o que se tenta fazer, neste domínio, continua a ter como referência e influência A Canção de Lisboa.
Não vamos contar aqui a história da fita, pois ela está gravada na memória colectiva das famílias da nossa Terra. Parece-me é ser importante, para os intelectuais desconfiados do género cómico, lembrar que, à época, também René Clair e Jean Renoir o praticavam, na Europa; e, vendo a nossa Canção ao lado dessas películas, percebemos que o Cinema Português esteve alinhado com o «espírito do tempo» e conseguiu — simultaneamente — ser espelho da comunidade lisboeta, em todos os seus detalhes de puzzle social complexo, por de trás de uma aparente simplicidade brejeira.
Não basta, de facto, olhar. É preciso ver. E, para isso, há que lavar os olhos entre dois olhares, libertando-os de preconceitos aviados em estilo erudito por certos escribas da nossa praça que conseguem descortinar maravilhas nos mais obscuros objectos (antes fosse o do Buñuel) e cegar perante a luminosidade d’A Canção de Lisboa.
Aproveitemos esta Quadra de Vida para a revermos — em Família.
Alguns cépticos perguntarão ainda: «Mas o que é que a fita tem?». Tem uma história bem contada — o estudante de Medicina, apaixonado pela costureirinha do bairro, filha de um «pai tirano», surpreendido pelas velhas tias tontas, mas ricas, e provincianas —, diálogos de extraordinário ritmo — ditos com irrepreensível dicção, e cheios de segundos sentidos e trocadilhos —, actores que representam com alegria e vivacidade, uma bela estrutura musical, o fado, o lirismo, os sentimentos — sem ser sentimentalista —, as piadas, a psicologia do Povo Português (Lisboa como síntese da Alma Nacional) apresentada com naturalidade e com subtil — quase invisível — profundidade.
Tão simples… e tão difícil de fazer de novo!

A esquerda e a dívida

No seu registo implacável habitual, Vasco Pulido Valente escreveu hoje no «Público» que "o pensamento da esquerda (se a palavra se aplica) sobre a crise da dívida deixou de ser inteligível. O PS, o PC, o Bloco e companheiros de caminho vão vertendo a sua indignação numa “língua de pau”, para que não há entendimento, nem resposta." Segundo ele diz acertadamente, para as esquerdas ficará sempre intacta a teoria das forças do mal", explicando que "a grande vantagem desta visão do mundo está, como no  estalinismo, na indefinição dos conceitos. “Neoliberalismo”, capitalismo “selvagem” (ou “de casino”) e “especuladores” são insultos, não são ideias. Por pura inutilidade, não se discutem insultos, que só servem para melhorar o senso de virtude de quem insulta. A esquerda gosta disto e julga, como de costume, que é a voz da razão. De resto, desde o princípio que viveu de espectros."

Terra e Povo



Em 1953, ano em que apenas se produzem e estreiam cinco filmes em Portugal, anunciando assim uma tendência de empobrecimento, após os Anos de Ouro das décadas de 1930 e 1940, surge — como lufada de ar fresco e tiro no escuro — o melhor filme de sempre, da nossa cinematografia, sobre o Ultramar.
Chaimite, de Jorge Brum do Canto — autor maior da História do Cinema Português, completamente apagado nos dias de hoje pela historiografia oficial —, é a segunda longa-metragem nacional sobre a matéria. Facto estranho este, que confirma o inexplicável desinteresse dos nossos produtores pelo tema (que tem pano para mangas, aliás). É o primeiro filme da empresa de produção Cinal, dirigida pelo Professor Luís Pinto Coelho, que se caracteriza por películas de qualidade.
Jorge Brum do Canto atingiu, nesta obra, uma autenticidade nas reconstituições de época e militares, como nunca mais o nosso Cinema logrou alcançar. Se, no que diz respeito à imagem, ao som e à montagem, percebemos que estamos na presença de um esteta — Brum do Canto iniciou-se com a Geração de 1930, profundamente ligada à modernidade cultural portuguesa, onde também se perfilaram, como cinéfilos ou cineastas, Leitão de Barros, Cottinelli Telmo, António Lopes Ribeiro, Chianca de Garcia, Dr. Ricardo Jorge (médico, cinéfilo, escritor), João Ortigão Ramos, Dr. Félix Ribeiro (médico, cinéfilo, fundador e primeiro director da Cinemateca Portuguesa), Domingos Mascarenhas, e muitos outros, de igual calibre, que se constituíram como tertúlia cinematográfica no Cine-Teatro S. Luís (aberto em 1928) —, por outro lado, no que se refere à História, é um cineasta profundamente conhecedor do assunto abordado que avança para este arriscado registo épico de Chaimite.
O filme — na linha de Feitiço do Império (1940), de António Lopes Ribeiro — mostra o heróico esforço português para defender o Ultramar dos ataques estrangeiros — neste caso inglês, sendo assim premonitório das cobiças americana e soviética —, e não é, como muitas vezes erradamente se refere, uma fita contra a revolta vátua, nem, muito menos, contra a sua identidade enquanto povo. Digamos que é um filme pela positiva: eleva Portugal, respeitando os que se lhe opunham directamente; mas denuncia os ingleses, que pretendem levar os moçambicanos à revolta contra Portugal para alimentar os seus apetites imperiais.
Mouzinho de Albuquerque (interpretado por Jacinto Ramos) destaca-se como grande protagonista, herói e fio-condutor da narrativa, não apagando, note-se, os outros camaradas de armas — Caldas Xavier (Augusto Figueiredo) e Paiva Couceiro (o próprio Brum do Canto, num notável trabalho de actor).
É que este cineasta era o protótipo do artista-total: neste filme assina o argumento, os diálogos, a planificação, a realização, a montagem, e actua. Sabia-se ainda fazer rodear dos melhores: a demonstrá-lo encontramos na música Joly Braga Santos, e na fotografia — de belíssimos e ousados enquadramentos — César de Sá e Aurélio Rodrigues, para além de termos o Major Vassalo Pandayo como consultor militar.
A biografia de um criador contém, quase sempre, a chave para a sua Obra. Neste caso, a tradição familiar, em que Jorge Brum do Canto bebeu, revela-se fundamental. Nascido e criado numa família católica e monárquica — próxima da Família Real e amiga de Paiva Couceiro —, habituou-se a pensar pela sua própria cabeça — nunca se envolveu institucionalmente com o Estado Novo, embora dele fosse simpatizante — e foi um Homem Culto e Livre. Sabemos que apreciava António Ferro, pelo projecto que este tinha para as Artes Nacionais, e, por sua vez, era admirado por Carmona.
Encontramos como tema principal do seu Cinema, nas suas próprias palavras, «a Terra e o Povo». Portugal e os Portugueses vão ser, assim, os protagonistas de uma filmografia que se esplana, entre 1924 e 1929, por 23 filmes — do vanguardista A Dança dos Paroxismos (1929) ao policial O Crime de Simão Bolandas (1978-1984), passando por documentários e obras de ficção. Quem quiser encontrar a nação em toda a sua diversidade e plenitude, terá de ver A Canção da Terra (1938), Lobos da Serra (1942), Fátima, Terra de Fé (1943), Um Homem às Direitas (1944), e A Cruz de Ferro (1969).
Voltando a Chaimite: a acção desenrola-se, temporalmente, entre 1894, momento do ataque a Lourenço Marques pelos africanos, e 1897, altura em que Mouzinho, Comissário Régio de Moçambique, vence definitivamente os vátuas, derrotando Maguiguana, que tinha escapado durante a captura de Gungunhana. A fita alia este lado épico a um tom intimista, ao mostrar a Mulher de Mouzinho, presença discreta mas firme, verdadeira apoiante e companheira das empresas do herói. Paralelamente, o realizador dá-nos ainda uma história de amor entre um soldado e uma bela rapariga, com um final feliz. Cabe aqui destacar que Chaimite tem também valor como documento histórico para o estudo da vida colonial da época, que é retratada com verosimilhança e mestria, desde a da cidade até à do mato.
Para a «coisa militar», Brum do Canto baseou-se no livro A Guerra de África em 1895, de António Ennes, e em textos do próprio Mouzinho, o que assegura o rigor histórico-militar. Ainda no campo da autenticidade, é de realçar que os indígenas africanos falam nos seus dialectos próprios — muda a tribo, muda a língua —, criando assim um verdadeiro realismo, tão em voga nesses mesmos anos de 1950 noutras paragens. O difícil será, como neste caso, juntar, no mesmo filme, uma escala monumental, num registo de credível reconstituição histórica, a um intimismo de fino recorte humano. E, se termino falando na escala, é porque Chaimite atinge uma grandiosidade no tratamento do espaço e dos cenários, servindo o argumento na sua enorme dimensão épica, como nunca mais o Cinema Português — e, de um modo geral, a Arte Nacional — conseguiu fazer.
Saibam os jovens realizadores pôr os olhos em Chaimite, para se poderem aventurar em novas e belas criações, com som e imagens em movimento, nesta linguagem universal que o Cinema é — e que sai sempre enriquecida quando trata temas que dizem respeito aos Povos, como aqui bem se vê.
Veja-se, pois!

A puxar os cordelinhos


De mão amiga e argentina chegou-me este texto de Juan Manuel de Prada. Para quem ainda tem dúvida a respeito da natureza do abismo cuja beirada já pisamos com os dois pés, aí está tudo muito bem explicadinho. Só falta mesmo dar os nomes aos bois...


Nuevo orden mundial
10 de diciembre de 2011

EL profeta Daniel, en su visión sobre la consumación de los tiempos, contempla a una bestia con diez cuernos, que representan a una multitud de reyes; y a continuación narra cómo, de entre esos diez cuernos, nace otro «cuerno pequeño» que, hablando con gran arrogancia, vence o somete a los demás reyes y acaudilla con poder omnímodo una gran confederación de naciones que «quebrantará a los santos y pretenderá mudar los tiempos y la ley». Recordando quizá aquella profecía de Daniel, afirmaba Donoso Cortés: «En el mundo antiguo la tiranía fue feroz y asoladora; y sin embargo, esa tiranía estaba limitada físicamente, porque los Estados eran pequeños y las relaciones universales imposibles de todo punto. Hoy, señores, las vías están preparadas para un tirano gigantesco, colosal, universal, inmenso... Ya no hay resistencias ni físicas, ni morales (...), porque todos los ánimos están divididos, y todos los patriotismos están muertos». Hacia la entronización de ese «tirano gigantesco» vamos caminando inexorablemente; poco a poco descubrimos que su índole no es política, sino económica, tal como Pío XI vislumbrara proféticamente en su encíclica Quadragesimo Anno: «Un dominio ejercido de la manera más tiránica por aquellos que, teniendo en sus manos el dinero y dominando sobre él, se apoderan de las finanzas y señorean sobre el crédito; y por esta razón diríase que administran la sangre de la que vive toda la economía y tienen en sus manos así como el alma de la misma, de tal modo que nadie puede ni aun respirar contra su voluntad». Tal dominación, «horrendamente dura, cruel, atroz», tras lograr la hegemonía económica —prosigue Pío XI—, «entablará rudo combate para adueñarse del poder público, para poder abusar de su influencia y autoridad en los conflictos económicos», trayendo consigo «la caída del prestigio del Estado, que debería ocupar el elevado puesto de rector y supremo árbitro de las cosas y se hace, por el contrario, esclavo, entregado y vendido a la pasión y a las ambiciones humanas».

Lo que avizoraron Daniel, Donoso Cortés y Pío XI, entre otros hombres clarividentes, ya está formándose ante nuestras narices: un Nuevo Orden Mundial tiránico que se impone sin resistencias físicas ni morales; y que —¡oh, misterio de iniquidad!— aparece a los ojos atónitos de las masas cretinizadas como la única salvación posible ante las catástrofes que él mismo ha originado, en su apetito insaciable de poder. Su estrategia salta a la vista: extensión del pánico, mediante mecanismos especulativos, entre los Estados debilitados, que acaban entregando su soberanía para convertirse en lacayos obedientes del Nuevo Orden Mundial y acceden a someter a sus súbditos a las privaciones más ímprobas, bajo la amenaza de una estampida de los inversores que sostienen la deuda hipertrofiada de tales Estados. Y así, uno tras otro, sucumben los reyes de la tierra ante la pujanza de este nuevo tirano de poder omnímodo, mientras las masas cretinizadas aceptan, acojonaditas, todo tipo de «cambios estructurales»; o, dicho en román paladino: aumento de los impuestos y reducción de los salarios. Pero esto sólo es el principio: las arrogancias de este nuevo tirano no han hecho sino empezar; acabarán siendo sangrientas.

Sólo nos resta el consuelo de saber que su dominio será breve, como ocurre siempre con los tiranos envanecidos de su poder. Pero, entre tanto, devorará y triturará cuanto halle a su paso, con el beneplácito lacayuno de los reyes de la tierra —patéticos Merkel y Sarkozy—, con todo su enjambre de reyezuelos adláteres, ahora congregados en Bruselas.

Dobre de finados

Ontem, no telejornal da TV5 monde, um comentarista mouro, bem como convém à antiga terra dos francos, elaborava sobre o destino dos despojos de Portugal. Em resumidas contas: ao país falido não restava outra a não ser vender-se aos retalhos e a bom preço a brasucas capitaneados por uma terrorista, a chineses capital-marxistas e à nossa velha conhecida cleptocracia assassina instalada em Luanda. Triste fim para o que foi uma grande Nação. Podemos morrer sebastianamente devagar, mas ao contrário dos Portugueses de antanho, não morremos com dignidade. Os coveiros de Portugal estão de parabéns! Depois de trinta e sete anos de trabalho árduo parece que, finalmente, vão completar a missão a que meteram ombros. Mas deixem ao menos uma parede em pé, assim terão onde limpar as quatro patas.

Anti-Lars von Trier


O título diz tudo: “Von Trier, do nazismo a Utoya”. É de um artigo de opinião publicado no “Ípsilon” de ontem e o autor deste manifesto contra o realizador dinamarquês é Augusto M. Seabra. Diz que “há em Von Trier um profundo e incomodativo desprezo pela condição humana, misantropia a que acresce a misoginia perante as personagens femininas, objectos de sofrimento e expiação”. Mas, claro, vê neste realizador “nazismo” e não só pelas polémicas (apesar de irónicas) afirmações em Cannes. Vai às raízes, nomeadamente da admiração de Von Trier pelos “cultores do romantismo, como Wagner e Visconti”. Diz ainda que “as inclinações pela estética nazi já não são novidade – é ver um filme como “Europa”, já não tão ambíguo no tocante a isso”. Mas, como não podia deixar de ser, este “nazismo” tinha que descambar no massacre de Utoya. Lembra como Breivik disse que o filme “Dogville” (que Seabra considera “o mais repugnante filme que vi em anos”. Uma afirmação que dispensa comentários...) inspirou o massacre na ilha norueguesa e nem o facto de Von Trier ter ficado consternado o demove dos seus intentos.

Mas não é apenas Von Trier o visado neste ataque. Também aqueles que louvaram o seu último filme (que para mim fica muito aquém de trabalhos anteriores) e diz-se “chocado” (!) com a distribuidora portuguesa por ter organizado o ciclo “Persona Grata”, depois do sucedido em Cannes. Para cúmulo, juntando ao anterior a campanha promocional de “Melancolia”, pede: “um pouco mais de decência, Senhor Paulo Branco!

Acho que, perante este chorrilho de ofensas disfarçadas de críticas a Lars von Trier, aos apreciadores do seu trabalho (onde me incluo) e ao seu distribuidor nacional, a única resposta é a que o próprio realizador dinamarquês daria... e está tatuada nos seus dedos.

Fama e celebridade

Fama e celebridade estão hoje presentes em todo o lado. Podemos dizer que se tornaram a obsessão deste século. Para além do universo das revistas cor-de-rosa e de toda a explosão mediática a que hoje assistimos, eis uma obra séria, feita por académicos, mas acessível ao público em geral. Um olhar atento sobre um fenómeno que marca profundamente a sociedade actual.



“A Vida Como Um Filme: Fama e Celebridade No Século XXI” (brochado, 260 páginas, 11,99 euros), analisa o mundo das celebridades, vedetas e famosos nos mais variados campos. Da política à filosofia, passando pela televisão ou a imprensa tablóide e até pela música e o desporto. Com coordenação de Eduardo Cintra Torres, docente e investigador na Universidade Católica e crítico de televisão e ‘media’, e José Pedro Zúquete, politólogo e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, este livro junta uma dúzia de autores, provenientes de cinco países.

No primeiro capítulo, José Pedro Zúquete parte “Em busca do carisma perdido”, debruçando-se sobre a evolução e importância deste conceito, num excelente texto que o leva até Francisco Sá Carneiro, que considera “um herói português”, ilustrado com um ‘cartoon’ de Augusto Cid, publicado n’O Diabo, que termina com uma mensagem de esperança. Eduardo Cintra Torres analisa a televisão como o meio em que a celebridade está em “estado natural”, tocando em assuntos como a concorrência com a política ou a confusão do real e do fictício nos chamados ‘reality shows’. Podem ler-se ainda reflexões bastante interessantes sobre as celebridades e os jovens em Portugal, o dilema do fã e a experiência emocional da idolatria, bem como uma perspectiva filosófica sobre a fama e o tempo.

Sobre as realidades estrangeiras, há um capítulo sobre a “peopolização” política em França, um sobre a cultura da celebridade americana, outro sobre a celebridade na cultura dos tablóides populares britânicos, e ainda um sobre a revista “Caras” brasileira e a exposição da vida quotidiana dos famosos. Há, também, análises de casos concretos, como o do treinador de futebol José Mourinho ou o do músico norte-americano Bruce Springsteen.

Por fim, uma referência editorial. Por vontade dos autores, o livro respeita a ortografia anterior ao novo Acordo Ortográfico, mantendo a grafia original brasileira nos textos de autores brasileiros. Um belo exemplo de lusofonia – a seguir –, onde todos se entendem, sem necessidade abastar graficamente a nossa língua.

Um livro oportuno, bem estruturado e sustentado, que nos ajuda a compreender melhor o filme da vida moderna onde, como nos diz a Introdução, “muitos de nós, com mais ou menos intensidade, nos tornámos espectadores e actores”. [publicado na edição desta semana de «O Diabo»]

A biografia de Luiz Pacheco

Pouca gente estima verdadeiramente Luiz Pacheco, o nosso Henry Miller de-entre-Estefânea-e-Massamá, escritor verrinoso e marginal, nesta terra veneradora do respeitinho e do bom nome.
A biografia dada à estampa por João Pedro George é um calhamaço de 600 páginas, um documento fundamental para conhecer o autor libertino e abjeccionista. Asmático, bissexual, senhor de uma vida desregrada, alimentou carinhosamente o enfisema pulmonar com cigarros cravados. Sofreu ademais de angina de peito, eczema, sífilis, úlceras e por vezes subnutrição, para além de deficiências hormonais e glandulares. Como o próprio reconhecia, a ter de recolher a clínica especializada, forçoso seria que o internassem ao mesmo tempo aí numas dez! Pedinchão e inconveniente, esteve preso duas ou três vezes. Pícaro e meio vagabundo, de poiso incerto e rendas por pagar, andou de hospital em hospital para tratar o alcoolismo e de clínica psiquiátrica em clínica psiquiátrica para consertar a maluqueira. Tentou "ser feliz neste mundo, sem os atavios dos electrodomésticos, dos popós, da fortuna, da vida airada". Míope de 17 dioptrias, usava uns óculos-fundo-de-garrafa e vestia o que calhava, consoante as ofertas de amigos e conhecidos. Nos bolsos trazia de tudo: aspirinas, bombas da asma, restos de comida, papéis — uma lixeirada bastante para certificar a fama de excêntrico.


Nascido em Lisboa em 1925, pertenceu à Mocidade Portuguesa e foi germanófilo durante a II Guerra Mundial. Era o seu feitio do contra a manifestar-se, para afrontar os democratinhas que ouviam o Pessa na BBC "à espera que a vitória dos Aliados fosse o fim do regime salazarista".
Fora do sistema, de qualquer sistema, gozou que nem um preto com os videirinhos que buscavam a consagração. Demonstrou com provas irrefutáveis que Fernando Namora, no romance Domingo à tarde (1961), tinha plagiado Vergílio Ferreira, ante o escândalo do Baptista-Bastos e dos outros marmelos do neo-realismo.
Vale a pena ler Pacheco porque a sua prosa expõe com meridiana clareza um meio literário constituído por "padrinhos" e "amigalhaços", e dominado pela máfia cultural de esquerda. A partir dos anos 50, em pleno Estado Novo, a esquerda tomou conta dos jornais, das editoras, dos prémios e da "fabricação da fama e do prestígio" (p. 159). Por esses tempos, já Pacheco denunciava a "censura do compadrio", tão má ou pior do que a oficial.
Em plena revolução, foi para o Largo do Carmo de pijama e chinelos. No texto "O meu 25 de Abril" deixa-nos desse dia um relato bem diferente dos que aparecem nas reportagens ou nos discursos comemorativos — uma população assaltada pelo pânico, a açambarcar bens de primeira necessidade e a fechar-se em casa, de estores cerrados: "Já vejo lojas fechadas, outras a fechar à pressa e uma data de tontos a abastecerem-se para o ano todo […] Venho a pé até às portas de Bemfica e o ambiente é o mesmo: fila de carros a safarem-se, o comércio encerrado, mulheres com sacos de plástico cheios, tensão […] Um tipo ao meu lado compra 8 maços de Português Suave".
Sem qualquer espanto, assiste à "grande correria à promoção, aos tachos" e antevê o resto da fita com lucidez: "O que vamos ter é uma animação mais viva (no disparate, na violência, no desplante)". Talvez por tudo isto chega a declarar bons lustros depois que "o 25 de Abril não foi importante".
Sarcástico, de prosa viva, com um estilo próprio e sentido de humor, Pacheco é uma bofetada literária — ao menos literária... — em quantos rafeiros ainda agora andam por aí a armar aos cucos sem um pingo do seu talento.

E Se Fosse um Planeta?...

Para Lars Von Trier:
Serão precisos 136 minutos para repisar o facto bem estabelecido de a Melancolia ir e vir independentemente da Vontade dos sujeitos e lhes condicionar a vivência, quando não a sobrevivência? Sim, no caso de se querer sustentar com tal verosimilhança a tese de as pessoas desequilibradas não conseguirem estar à altura das circunstâncias em momentos de normalidade instituída, enquanto que as triunfadoras desses instantes se desunem e claudicam face a fatalidades  inesperadas.
O que conduz à formulação do que, intuitivamente, todos sabemos: o equilíbrio é também uma máscara, embora possa ser uma resposta tranquilizadora, se nem sempre profícua, ao Aguardado. Quanto ao Temido, num pano de fundo rememorador da impotência Humana em resistir aos ângulos múltiplos da Ameaça que, por detrás de mil e um disfarces, sobre si impende, resta o abandono à constatação  incapaz de reagir, portador da condição atrabiliária que arrasta e corrói - tratando-se de um estado de alma persistente e não já dum corpo celeste arrasador no instante final do contacto. E instilando a noção de que no caso extremo e paroxístico só a Fantasia dos inadaptados permite Dignidade na Espera, desprovidos que os contemporâneos se encontram da Esperança outrora redutora do último momento a mais um da Vida.

1.º de Dezembro de 1640



Dia da Restauração da Independência de Portugal.


Enquanto houver Portugueses,
o 1.º de Dezembro
será sempre evocado!