O estudo da História

Pormenor de "A Arte da Pintura",
de Johannes Vermeer, c. 1666.
A disciplina em que me formei tem vindo, cada vez mais, a ser alvo do desprezo dos que só pensam na "carreira garantida" e nas "oportunidades profissionais". A todos eles, mas também aos que escolheram a História como formação, recomendo vivamente o excelente artigo de Pacheco Pereira, intitulado "A nova luta de classes". Para não me repetir aqui, aconselho também a (re)leitura do meu editorial "História e ignorância". E que Clio vos inspire...

Futuro próximo?

Sapassado, era sessetembro, taveu na cuzinha tomando
uma pincumel e cuzinhando um kidicarne cumastumate pra fazê
uma macarronada cum galinhassada.
Quascaí de susto
quanduvi um barui vinde denduforno
parecenum tidiguerra.
A receita mandopô midipipoca denda
galinha prassá.
O forno isquentô, o mistorô e o fiofó da
galinhispludiu!
Nossinhora!
Fiquei branco quinein um lidileite.
Foi um trem doidimais!
Quascai dendapia!
Fiquei sensabê doncovim, noncotô,
proncovô.
Ópcevê quilocura!
Gazadeus ninguém semaxucô.

Não, não se trata de texto do saudoso Parafuso de Lourenço Marques. É brasilêru mesmo e do bão, versão Minas Gerais. Do jeito que isto vai não tardará muito para sermos todos obrigados a escrever e falar algo parecido.

Escuridão


A fotografia de Damir Sagolj, que venceu o Prémio Vida Quotidiana do World Press Photo, mostra-nos que num mar de edifícios escuros e tristes, em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, a única luz que está acesa é a que ilumina o retrato de Kim-il Sung. Capta, de uma forma extraordinária, o isolamento e o delírio da ditadura comunista norte-coreana. Um daqueles casos em que uma imagem vale mais que mil palavras.

Poema para hoje

Depoimento


Se penso em mim por um bocado
E me pergunto quem sou eu,
Sobre mim mesmo debruçado
Sou um poeta que morreu.


Venho do mapa sem lugar
Onde a Terra é uma bola.
Atiro aos outros um olhar
Como quem dá mais uma esmola!


Quanto ao mundo - um ermitério.
Quanto à morte - a minha vida.
Caminho para o mistério
(Para a flor não colhida).




A negra calma difusa,
Eu quero a Noite mais noite,
Mais noite a Noite do Campo!
(-Nem só luza
Um pirilampo!)


Tão-pouco estertor de velas.
Eu quero a Noite mais a noite.
Mais noite no Firmamento!
(-Apague as estrelas
Um sopro do vento!)


Nem longe luz de luzeiros.
Eu quero a Noite mais noite,
Mais noite a noite na Rua!
(-Nem candeeiros,
Nem lua!)


Noite silente! - nem um balbuceio...
Noite de luto! - nem um bruxuleio...


Nem do ao longe uma canção,
Nem um fósforo se afoite!
-Perca-me eu, na Escuridão...
Perca-se a noite, na Noite!...

Rodrigo Emílio
in "Primeira Colheita (1957-1972)", Editora Pax (1973).

Uma visita à Lello

Uma passagem pela cidade do Porto tem uma paragem obrigatória, a Livraria Lello e Irmão, considerada uma das mais belas do mundo e referida em diversos guias turísticos. Um local de História e cultura a visitar.



Percorrendo o centro do Porto num Sábado à tarde, nota-se o grande número de turistas que visitam a cidade, provavelmente atraídos pelos guias que agora a apontam como um destino de eleição, pela oferta diversificada e pelos preços baratos. Entrando na obrigatória Livraria Lello e Irmão, o movimento de pessoas é grande e são os turistas curiosos que mais se vêem. A maioria deles vem ver a extraordinária beleza deste espaço comercial e alguns até param para ver os livros.

Este afluxo de estrangeiros parece ser incómodo para a casa, já que há vários anúncios espalhados a informar que é proibido fotografar ou filmar. Algo bastante difícil nesta era tecnológica, em que um pequeno telemóvel serve também de câmara fotográfica. Os funcionários estão permanentemente a chamar a atenção das pessoas para essa interdição e são deveras insistentes. Um deles dizia asperamente para um jovem espanhol: “Isto é uma livraria. No teu país também não tiras fotografias a uma livraria”. Acontece que a Lello não é apenas mais uma livraria e os seus funcionários, melhor que ninguém, deviam sabê-lo. Outro incómodo, especialmente devido à grande circulação de pessoas, é a colocação de vários livros no chão, fazendo com que quase tropecemos neles.

Críticas à parte, este é um local de uma beleza maravilhosa onde a estética e o saber se encontram. Uma homenagem à cultura. Para além dos livros, a Lello tem também uma parte de galeria de arte e um pequeno espaço para tomar café. Um ponto de encontro cultural que merece ser visitado de todas as vezes que se passe no Porto.

Caldo de Cultura (XXV)



Os Jovens Marcos Pinho de Escobar e João Marchante almoçaram ontem numa esplanada de Lisboa e tiveram como convidado especial o sempre enriquecedor Francisco Cabral de Moncada. Sob o Sol quente de uma prematura Primavera, e com belas vistas de musas inspiradoras que passavam, dissertaram sobre variadíssimos temas políticos e culturais até altas horas.
Ora façam lá os nossos leitores o favor de responder à pergunta da praxe: Quem levou o quê?

Idade Média a sério

Este é o primeiro de quatro volumes de referência sobre a Idade Média, com organização de Umberto Eco e colaboração dos mais importantes medievalistas de diversas disciplinas a que nos leva numa viagem envolvente e surpreendente através da sociedade, arte, história, literatura, música, filosofia e ciência deste período intenso da História da civilização europeia.



Esta é uma obra monumental e essencial para compreender um período histórico ainda tão desconhecido e, principalmente, sobre o qual se criaram ideias feitas completamente erradas. Como escreve Umberto Eco: “Pesam sobre a Idade Média muitos estereótipos, e por isso será conveniente precisar, antes de mais, que a Idade Média não é o que o leitor comum pensa, o que muitos manuais escolares compostos à pressa fazem crer e que o cinema e a televisão têm apresentado”. Depois de esclarecer que esta não é a “Idade das Trevas”, não ignorou a cultura clássica, nem repudiou a ciência da Antiguidade, e muito menos é uma época de castelos torreados como os da Disneylândia, Eco analisa o que a Idade Média nos deixou e como foi radicalmente diferente do tempo em que vivemos.

Numa belíssima edição, este primeiro volume, “Bárbaros, cristãos e muçulmanos” (capa dura, 790 páginas, 37,90 euros), divide os conteúdo em capítulos dedicados à História, à Filosofia, à Ciência e tecnologia, à Literatura e teatro, às artes visuais e à música, e está também extremamente bem subdividido. Inclui ainda várias ilustrações e uma agradável e útil cronologia auxiliar. Infelizmente, a editora decidiu seguir o malfadado Acordo Ortográfico, mas o mérito desta obra e da sua edição em Portugal é indiscutível.

Um livro de qualidade e bem fundamentado, que nos transporta a uma Europa em transformação. Como nos diz Laura Barletta na introdução, estes “são também os séculos em que se define uma identidade europeia perante o Islão e o Império Romano do Oriente, que, e não por acaso, é melhor dizer bizantino, e com novas vagas de bárbaros que pressionam as fronteiras orientais”.

Para estampar na t-shirt

À propósito do meu postal anterior, vem agora uma pérola "argentina" sobre os (des)governantes, de autoria do meu querido amigo Antonio Caponnetto: "Não governam políticos que delinqúem, mas delinquentes dedicados à política". Bravíssimo!

A arte das definições

Muito aprecio os aforismos inteligentes, aqueles que num pequeno punhado de palavras trazem volumes e volumes de doutrina. Pascal e Gómez Dávila saltam-me logo à mente. Mas às vezes o desabafo "curto e grosso", tal sentença definitiva, cola à cara do visado como um bom estaladão. Mestre Ezra Pound, referindo-se aos ingleses durante a Guerra de 39-45, rotulava-os com um delicioso "bunch of pimps, crooks and cheap dudes". No mesmo estilo, o "nosso" Mircea Eliade, aquando do massacre de Mussolini e Clara Petacci, não teve papas na língua para demonstrar a perda do resto de respeito que nutria pelos italianos - "povo de servos, cobardes e chulos". O espectáculo diário deste fim de época ou fim de mundo faz-me crer que, como dizem os argentinos, o desabafo de Pound e Eliade ha quedado corto... Pimps, crooks, cheap dudes, servos, cobardes, chulos... tudo isto é muito pouco para classificar os pulhíticos e aqueles que os sustentam. Um prémio para quem criar a tríade perfeita!

Uma boa razão para sair de casa...

não obstante o frio e o vento!

VA!


A justa revolta contra o filisteísmo motivou, no ano passado, uma erupção patriótica que partilho, por ser a Pátria da minha Avó paterna a levantar-se de novo contra um inimigo, aliás muito mais asfixiante que os pacíficos Habsburgos da intenção original de Verdi ao musicar o «NABUCCO».
No meu País os cortes na Cultura talvez não afligissem tanto(s), porque a ela são sensíveis muito menos camadas da População. Mas os que atingem a própria sobrevivência das Pessoas, por entre uma atmosfera de Velhos abandonados a apodrecer e jovens famílias a declarar falência, deveriam fazer-nos pensar que hoje por hoje somos todos "escravos judeus" e empenhar-nos, contra a consequência de nos levarem o couro, num coro consequente contra a Babilónia troikada que nos exilou de nós, ao movimentar em Lisboa os títeres impositores do emagrecimento forçado sem respeito por qualquer norma de nutrição literal ou espiritual. Este regime não serve.
«VA PENSIERO»... Va! Va! Va!!!

Caldo de Cultura (XXIV)


Mais um almoço dos Jovens e mais um cozido no sítio do costume. Presentes estiveram o Marcos, o João e o Duarte, que levaram um livro cada um, como sempre. Fica o habitual desafio aos nossos leitores -  quem levou o quê?

Consumidores


O primeiro hipermercado em Portugal foi o Jumbo que se localizava na Estrada de Catete, perto de Luanda. A fotografia é de 1973 e podemos pensar que as pessoas que na altura faziam as suas compras estavam longe de imaginar a mudança profunda que em breve se daria. O mesmo podemos pensar hoje. Será que quem se passeia agora nos templos do consumo tem a noção do que se avizinha?

Maurrasiana

"Le mécanisme de l'histoire est héroïque : jamais le nombre n'importa pour continuer une race. C'est à l'élite que revient cette fonction."

O meu país traiu-me


O meu país me dói, pois que enche os seus caminhos,
Que lança filhos seus entre as águias sangrentas,
Que põe soldados seus em combates mesquinhos,
E dá ao céu azul um sol de armas violentas.

O meu país me dói em este tempo escuro,
Com juramentos vãos, com o quebrar dos laços,
Com a sua fadiga e as nuvens do futuro,
Com seus fardos de peso a entorpecer-lhe os passos.

O meu país me dói, ao ser dúplice e vário,
Ao abrir o oceano para os navios cheios,
Ao abater na morte o marujo e o corsário,
Ao apagar, ligeiro, os erguidos esteios.

O meu país me dói pelos seus exilados,
E tanto calabouço e p’los filhos perdidos,
Por cada prisioneiro entre arames farpados,
E pelos que estão longe e hoje desconhecidos.

O meu país me dói pelas terras em chamas,
Dói-me sob o inimigo e dói sob o aliado,
Dói-me em seu corpo e alma e dói-me com os seus dramas,
Dói-me sob a grilheta onde está subjugado.

O meu país me dói por toda a mocidade
Sob estandarte estranho e dispersa em parcelas,
Perdendo um jovem sangue a cumprir a verdade
As promessas de quem já nem cuidava delas.

O meu país me dói, pois vejo tantos fossos
Cavados por fuzis que os irmãos empunharam,
Dói-me ver usurpar, até ao sangue e aos ossos,
O salário mais justo e os que renunciaram.

O meu país me dói, a escravizar-se, exangue;
Por seus carrascos de ontem e pelos que hoje há,
O meu país me dói, a lavar-se com sangue;
O meu país me dói. Quando se curará?

Robert Brasillach
3 de Fevereiro de 1945
(tradução de Goulart Nogueira)

Os incompreendidos

O título deste post é a tradução brasileira de "Les 400 coups", o filme de 1959, realizado por François Truffaut, cineasta francês que o Google recordou hoje a propósito do seu 80.º aniversário. No nosso país, tal como na maior parte dos sítios, o título foi traduzido literalmente e chamou-se "Os 400 golpes". Algo no mínimo estranho, já que a expressão francesa "faire les quatre cents coups" é o equivalente em português a "fazer trinta por uma linha". Fica a nota sobre estes golpes incompreendidos...

Novas Navegações

Escrever hoje em Língua Portuguesa é ter a responsabilidade de estar à partida a falar para 250 milhões de pessoas; e refiro-me apenas àquelas que têm esta como Língua-Mãe. Tenhamos também consciência de que nunca nenhum meio antes possuiu a capacidade de comunicação global que agora a Internet propicia. Saibamos então usá-las — Língua e Internet — para repensar Portugal com a ajuda de todos os que ainda bebem da Cultura Lusíada nos quatro cantos do Mundo. Se não fizermos destes os nossos novos Descobrimentos, outras oportunidades não haverá. É a Hora!

Um exemplo!


«Graça Moura dá ordem aos serviços do CCB para não aplicarem o Acordo Ortográfico

Um crime que não devemos esquecer!

Sobretudo quando tantos, e tanto, apregoam a "ética republicana"...

Ou o "crime" de ter razão antes do tempo (1)

MPLA Residence, Cascais

Crianças angolanas auto-determinadíssimas e bem dispostas

[...] Devo referir-me a alguns erros principais que estão na base dessa deformada opinião: a) Angola e Moçambique fazem-se eco de uma campanha que pode dizer-se universal acerca do desenvolvimento económico e suas possibilidades. Os territórios dispõem de algumas grandes riquezas em potência: nada mais natural que pretenderem explorá-las em benefício da colectividade. Essa exploração exige porém capitais abundantes e técnica e ainda tempo. No livro que citei acima do Sr. M. Vinhas dá-se a entender que Angola obterá por si só os capitais que precisa, se a Metrópole não lhe tolher os movimentos. Esta é uma ilusão. Até ao presente, a maior soma de capitais destinados ao Ultramar tem exigido a garantia da Metrópole e sem o aval desta não se obteriam. Só numa hipótese os capitais estrangeiros tomariam esse caminho -- é na hipótese de Angola se vender aos bocados ao capitalismo internacional. Mas então já estamos numa fase política que não é a actual nem a que desejamos para a comunidade portuguesa. [...]

Salazar, Carta ao General Silvino Silvério Marques, 16/4/1963, em Franco Nogueira, Salazar, vol. V, p. 473-474