Pega de automóveis



Agora que as touradas estão praticamente proibidas pelos “amigos dos animais”, a esquerda festiva adoptou a pega de automóveis. O sindicalista da cara imobiliza a viatura à força de braços, acolitado pelos ajudas do PCP. Atrás deles exerce o rabejador, decerto engalanado com a bandeira arco-íris. Em fundo, o toque de cornetim tange A Internacional.
Este episódio da Covilhã lembra aquela cena do magnífico «Un singe en hiver», de Antoine Blondin, quando o maluco do Gabriel Fouquet se pôs a tourear automóveis na rotunda.   

Elogio do imaginário


É este o tema do amplo ‘dossier’ que a revista francesa “Magazine Littéraire” deste mês dedica ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Dos vários artigos que lhe são dedicados, destaque para “O outro Senhor dos Anéis”, de Vincent Ferré, sobre o interesse de Borges pela mitologia nórdica, e”A Internet antes de tempo“, de Luc Vigier, que vê na “Biblioteca de Babel”, com todas as suas ligações e trocas, um admirável modelo para a Internet. Para além de outros artigos, inclui ainda uma cronologia, uma entrevista com Alberto Manguel, subordinada ao tema “O mundo como livro e o sagrado do leitor”, e cinco textos do próprio Borges.

Fora do ‘dossier’, referência para a interessante reflexão subordinada ao tema “Podemos aprender a emancipar-nos?” e a grande entrevista com o filósofo francês Michel Onfray. Destaque para o artigo sobre o nascimento da ‘Beat Generation’, concretamente sobre o romance escrito em 1945 por Jack Keruoac e William S. Burroughs, “And the Hippos Were Boiled in Their Tanks”, mas que só foi publicado pela primeira vez em 2008.

Passagem

Inaugurada no passado dia 6 de Junho, num evento por onde passaram cerca de 500 pessoas, a exposição “Foto-Síntese” estará patente até 1 de Julho na Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. É o regresso de João Marchante às exposições, confirmando-o como um dos grandes talentos da fotografia contemporânea no nosso país.






Como se julga o trabalho de um Amigo? Com a maior das exigências e o mesmo sentido de justiça. A resposta é para mim tão óbvia como imediata. Mas, vivendo no que é para muitos (demasiados)o “país das cunhas”, impõe-se um esclarecimento. Conheço o João há muitos anos e o encontro com este homem de cultura, com o qual rapidamente me identifiquei em tantas paixões comuns, como os livros, o cinema ou a fotografia, gerou uma amizade da qual muito me orgulho. Sempre fui um apreciador do seu trabalho de fotografia artística. A sua genuinidade, aliada a uma genialidade provocatória, conquistaram-me. Naturalmente, estava ansioso por esta exposição e com as expectativas bastante elevadas, mas não me desiludi.

Pelo contrário, vi, revi e vivi aquela série maravilhosa. Entrei nas fotografias pela minha porta, por aquela interpretação egoísta que nos exalta verdadeiramente o sentir. Dei conta das minhas impressões ao autor, conversámos, concordámos e discordámos. Apenas houve um ponto de encontro total: faltava ali um Amigo comum que infelizmente já deixou o mundo dos vivos…

O espaço da exposição não podia ser mais apropriado, já que o ambiente ‘rough’ das paredes em cimento se conjuga na perfeição com o grão das imagens, conseguidas com uma câmara Polaroid, recorrendo à película fabricada pela Impossible Project. Têm todas 100 x 124 cm e estão correctamente iluminadas. Ao entrar na sala percebemos instintivamente como se entra naquele percurso para o qual o João nos convida através da sua musa.

Cada fotografia é um verbo, uma acção, e, assim, vamos interagindo e aproximando-nos,em dez passos. Há uma ideia de transição nestas imagens de uma figura feminina que parece fazer a passagem à idade adulta. Mas não se fica por aí. Certas situações, certos objectos, certas perspectivas, certos pormenores, sugerem também uma passagem à idade dos adultos. A um tempo ao qual seria impossível chegar, da mesma forma que não podemos chegar totalmente àquelas imagens a cores com um aspecto anos 60, mas tiradas hoje. Há o encontro de dois mundos, com várias janelas por onde podemos espreitar e poucas portas por onde tentar entrar.

Da intromissão de “Filmar” à submissão de “Ver”, há uma provocação progressiva que nos conduz implacavelmente num crescendo sensorial. Um percurso quase inebriante, no qual nos deixamos levar para onde queremos. Uma experiência que não podemos de forma alguma perder.

O João Marchante, para além de fotógrafo, é realizador, autor e professor, leccionando actualmente Imagem e Estética na ETIC. Não expunha fotografia desde 2007… Como valeu a pena a espera!

Referência histórica


Como habitualmente, recomendo esta revista que é uma referência na divulgação histórica. “La Nouvelle Revue d’Histoire”, dirigida por Dominique Venner, está disponível nas bancas nacionais e é de leitura obrigatória para os apaixonados por esta disciplina fascinante.

O número 60, referente aos meses de Maio e Junho, actualmente em quiosque, tem como tema central as “Campanhas da Rússia” e oferece um excelente ‘dossier’, com diversos artigos, entrevistas e cronologias. Para além da invasão napoleónica de 1812 e da Operação Barbarossa ordenada por Hitler, em 1941, e de Estalinegrado, em 1942, o destaque vai para a atenção dada à nova Rússia e à sua geopolítica. Como afirma Dominique Venner no seu editorial: “Pedimos ao passado para esclarecer o presente”.

Uma nota especial vai para a excelente entrevista com o romancista profético Jean Raspail, que aqui revela as fontes históricas da sua inspiração. Escritor e explorador, é autor de uma vasta obra onde se inclui o romance visionário, saído em 1973, “Le Camp des Saints”, que no nosso país foi publicado pela Europa-América, em 1977, com o título “Mortos: 200 Milhões - Todos Nós”.

Destaque ainda para o artigo sobre o recém-falecido Hervé Couteau-Bégarie, professor que reagiu contra o anti-militarismo da Universidade francesa e renovou o pensamento estratégico em França. Também de referir os artigos sobre Hjalmar Schacht, explicando como um conservador se tornou o improvável ministro da Economia de Hitler, e sobre Pierre Schoendoerffer, autor e admirável realizador de cinema que filmou a guerra e que faleceu recentemente. Para além de outros artigos e entrevistas, a revista inclui ainda um passatempo, criticas a livros, novidades e a crónica habitual de Péroncel-Hugoz.

DA MINHA NOVA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL DE FOTOGRAFIA

Acabei de chegar da inauguração da minha nova exposição individual de fotografia. Entre as 9 da noite e a 1 da manhã passaram por lá mais de 500 familiares, amigos, conhecidos, artistas, cinéfilos, e etc e tal. Ficarão para sempre ligados a um dos mais importantes dias da minha vida. Não tenho mais palavras. Bem-hajam!

As três idades do Arquitecto

É impossível pensar na Casa Portuguesa sem pensar em Raul Lino. Homem da cultura e das artes, amava a Pátria e a Natureza e procurou sempre uma identidade arquitectónica nacional. Bernardo d’Orey Manoel, arquitecto e docente na Universidade Lusíada de Lisboa, procura os “Fundamentos da Arquitectura em Raul Lino” através das três casas que o próprio projectou para viver com a família. São: “Três casas. Três obras de arte. Um só arquitecto. Uma vida.”



O autor divide esta obra em três capítulos, referentes às casas onde Raul Lino viveu, que para ele correspondem aos estádios propostos por Kiekegaard para descobrir o sentido da existência: estético, ético e religioso.

O primeiro trata da Casa do Cipreste. Para Bernardo d’Orey Manoel, esta “é o sonho de um jovem. É um sistema construído, um edifício de transições, conflitos, emoções, um jogo de luz. É a vida de Raul Lino inscrita na pedra, porque a paixão deixa sempre marcas. Funciona como um todo, um todo vivo. Tudo nasce no pátio. É a partir da intimidade deste pátio que todo o outro espaço se organiza, quer seja o espaço construído quer o espaço conquistado. O gesto do arquitecto instituiu um mundo novo”.

O segundo leva-nos às Azenhas do Mar e à Casa do Marco, aquela que Raul Lino decidiu construir porque achou que as suas filhas precisavam de sol. Este é, assim, “o abrigo de descanso do guerreiro e da sua família na mãe-natureza. A casa, as plantas, a arriba, o céu e o mar constroem momentos de relação. É a possibilidade do exercício da liberdade, expressão da ética na sua autenticidade. Uma casa da tradição portuguesa, que espreita o oceano e resiste ao vento. Integra as plantas no seu espaço, na construção do seu próprio mundo”. Mas o autor vai mais longe e afirma que esta “pode bem ser a casa portuguesa que Raul Lino perseguia”.

Por último, a Casa da Rua Feio Terenas, em Lisboa. Projectada e construída quando as filhas de Raul Lino estavam já casadas, “é um gesto amadurecido, sentido das coisas, verdadeira sustentabilidade da arquitectura em que tradição e modernidade se entrelaçam no acontecer. No interior da cidade a intimidade, o saber, os valores, o modo cuidado de Raul Lino fazer arquitectura. É o seu estilo em pedra transfigurado”.

Bem alicerçado nas fontes, em especial no Arquivo da Família de Raul Lino, este livro oferece-nos ainda vários Anexos que o enriquecem. Estes incluem uma bibliografia, uma cronologia ilustrada, alguns textos inéditos de Raul Lino e várias imagens referentes às três casas tratadas.

Em termos da edição, o livro está bem composto e bastante ilustrado com fotografias e reproduções das plantas. Pena que não se tivesse feito uma edição em formato maior que privilegiasse o aspecto gráfico, já que este trabalho daria um óptimo álbum.

Mas sabemos como os custos limitam as edições, principalmente as universitárias. Apesar deste pormenor, a Universidade Lusíada Editora está de parabéns pela publicação deste trabalho, tão útil para melhor chegarmos até um dos maiores arquitectos nacionais.

Neste trabalho vemos as três idades de um arquitecto e de um homem de raro talento que marcou para sempre a Arquitectura portuguesa. Como escreveu Raul Lino: “A Arquitectura, por ser uma Arte do corpo social, reflecte sempre a cultura do espírito de uma época. As suas obras representam um estado colectivo visto através de um temperamento individual”.