Modernidade e vanguarda

Cabeça (1913), Santa-Rita Pintor.

Até ao próximo dia 5 de Outubro, estará patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) – Museu do Chiado, a segunda de três exposições que assinalam o centenário do MNAC. Intitulada “Arte Portuguesa do Século XX (1910-1960).
 Modernidade e vanguarda” e comissariada por Adelaide Ginja, corresponde ao período dos primeiros 50 anos de existência do museu. Com cerca de 100 obras, está dividida em cinco núcleos. No primeiro, “Frentes de vanguarda: de Paris a Lisboa”, o destaque vai para as obras de Amadeo de Souza-Cardoso e para a espantosa “Cabeça”, de Santa-Rita Pintor. No segundo, “Almada Negreiros: dinâmica e volumetria”, a atenção prende-se no tríptico “Estudo para os frescos da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos”. Depois, no “Neo-Realismo: lirismo e crítica
”, nota para o óleo de Júlio Pomar, “Menina com um galo morto”. Já no “Surrealismo: poesia, onirismo e acaso” é de ver o óleo “Dança de Roda”, de António Pedro e, em especial, os trabalhos fotográficos de Fernando Lemos. Por fim, no núcleo “Abstracção: modulação e ritmo”, as obras de Vieira da Silva.

Infelizmente, os organizadores não resistiram aos lugares-comuns políticos, ao oporem à “liberdade da revolução republicana” a “ditadura”. Ainda assim, é-nos dito que Almada Negreiros aceita o convite de António Ferro para trabalhar em obras públicas, “sem abdicar da sua independência 
política e artística”. Afinal… [publicado na edição desta semana de «O Diabo»]

Eu (1949-1952), Fernando Lemos.

A História em revista

Perante a quase ausência de revistas de divulgação histórica nacionais, há disponíveis no mercado português vários títulos estrangeiros, principalmente oriundos da Europa, mas também alguns provenientes do continente americano. No entanto, a francesa “La Nouvelle Revue d’Histoire” (67 páginas, 7,90 euros) destaca-se claramente, tanto pela sua alta qualidade, no geral, como pelo elevado nível de análise e dos seus colaboradores, bem como pela actualidade e pertinência dos temas abordados e, ainda, pelo seu grafismo simples mas atractivo, com uma bela e útil ilustração dos artigos. É um privilégio podê-la encontrar nas bancas portuguesas desde o início de 2007. Tem periodicidade bimestral, publicando também semestralmente um número especial monotemático, com a mesma dimensão e preço. O último, ainda em quiosque, é sobre a Vendeia e o Terror.

É dirigida pelo historiador Dominique Venner, autor de inúmeros livros que versam temas tão variados como as armas, a Europa, a Resistência, a Colaboração, o fascismo alemão, a guerra civil russa, o terrorismo, entre outros. Da sua ampla bibliografia, apenas uma obra foi até agora publicado em português. Trata-se de “O Século de 1914. Utopias, Guerras e Revoluções na Europa do Século XX”, editado pela Civilização Editora, em 2009, com tradução do Miguel Freitas da Costa. Uma síntese formidável para melhor compreender o século passado e perceber a actual situação da Europa.

Numa entrevista de apresentação da revista, Venner afirmou que o objectivo principal da “NRH” é dar uma outra visão da História, ao contrário da interpretação que domina actualmente o ensino e os ‘media’, que têm uma visão puramente maniqueísta entre os bons e os maus. Para tal, conta com uma equipa de especialistas permanentes, dos quais se destacam o historiador Philippe Conrad, o medievalista Jacques Heers, o contemporanista François-Georges Dreyfus, o africanista Bernard Lugan, o geopolitólogo Aymeric Chauprade, o cronista Péroncel-Hugoz, entre tantos outros.

O número 55, relativo aos meses de Julho e Agosto, tem como tema central “Como nascem as revoluções” e oferece um excelente ‘dossier’ com uma dezena de artigos. Para além disso, podemos também ler uma entrevista com o arqueólogo e historiador Guy Rachet, que afirma que “as raízes da Europa não devem nada ao Islão”, bem como diversos outros artigos, e ainda as secções habituais de actualidade e crítica de livros. Uma revista a não perder, de leitura obrigatória.

Amores

O mestre das letras norueguês, Knut Hamsun, apesar de Nobel da Literatura em 1920, é visto por certos sectores como um dos “escritores malditos”, devido ao seu apoio à Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, o seu talento excepcional ultrapassa quaisquer barreiras e fá-lo sobreviver. Felizmente, voltou ao panorama editorial nacional pela mão da Cavalo de Ferro que, depois de “Fome” e “Pan”, põe agora ao dispor do público português mais uma obra-prima.

“Victoria” (brochado, 128 páginas, 15,00 euros), publicado originalmente em 1898 e agora entre nós, com tradução de Carlos Aboim de Brito, é um livro onde encontramos claramente o seu autor e entramos no seu mundo, numa esplêndida narrativa que nos exalta os sentidos e os sentimentos.

Contando a história de Johannes, filho de um moleiro, que ama profundamente Victoria, a filha do castelão, Hamsun conduz-nos através da Natureza – omnipresente – e da natureza humana. O jovem Johannes passeia à vontade no bosque em que conhece os lugares, os caminhos, as rochas, as árvores, as flores, os pássaros. Sabe que a barreira social entre si e o seu amor se consubstancia em Otto, o seu rival, com quem Victoria aceita finalmente casar-se, para tentar tirar a sua família aristocrática da ruína financeira. Entretanto, Johannes, solitário, torna-se poeta e escritor, mantendo como musa a sua paixão da adolescência. Vai para a cidade e para outros países, mas a distância não atenua o sentimento mútuo, por tantas vezes disfarçado com frieza, distanciamento ou formalismos. Ainda assim, uma série de desencontros amorosos acaba por suceder. Como nos é dito, há “diversas formas de amor: as que duram e as que perecem”. E vamos conhecê-las, até ao final trágico desta bela e tocante história de amores que não nos deixa indiferentes.

Ler Knut Hamsun – mergulhar no seu universo e deixar-se envolver totalmente – é um prazer, um deleite e, principalmente, um privilégio, nestes tempos acelerados e desligados que hoje atravessamos.

Recensão publicada na edição desta semana de «O Diabo».

Guerra total no Portugal medieval

O “tempo dos cavaleiros” preenche o imaginário de muitos de nós, para alem de se reportar exactamente ao período em que nasceu e cresceu Portugal. Muitas vezes refém de episódios mitificados ou caído no desinteresse pela desconstrução que de tudo duvida, o conhecimento da Idade Média está normalmente afastado dos crescentes interessados na História.

Publicado pela Esfera dos Livros, “De Ourique a Aljubarrota. A Guerra na Idade Média” (brochado, 436 páginas, 25 euros) abre claramente essas portas. Escrito num estilo acessível, que se lê quase como um romance histórico, não deixa por isso de ser um excelente trabalho de divulgação, baseado em fontes e na historiografia de referência. Não se restringindo aos aspectos estratégicos e tácticos, o autor opta pela perspectiva da “guerra total”, permitindo conhecer as alterações profundas que este acontecimento extremo provoca na sociedade daquela altura. Para tal, escolheu quinze batalhas – balizadas temporalmente por duas de elevada carga simbólica –, divididas em capítulos, que se iniciam com uma infografia auxiliar, nos quais analisa os antecedentes, os actores, os palcos, o confronto e as suas consequências.

Depois de um extenso período de investigação e produção científica, Miguel Gomes Martins deve ser um exemplo para tantos historiadores que nunca vêem o seu trabalho de investigação chegar ao grande público, pelo hermetismo do registo académico. Este é um livro para ler, reler e despertar a curiosidade para um período tão importante da nossa História e amiúde bastante desconhecido.

Recensão publicada na edição desta semana de «O Diabo».

Médicos

Um acidente ligeiro em férias e uma noite em hospitais até então desconhecidos introduziu-me ao novo mundo dos médicos importados. Felizmente acabou tudo bem, com duas médicas - a sério - nacionais. Mas não deixei de recordar Walt Kowalski numa cena memorável de "Gran Torino": "Where's Dr. Feldman, my regular doctor?"

Aleksandr Solzhenitsyn

Há exactos três anos (3-8-2008) deixava o mundo dos homens este profeta da débâcle do sistema soviético e cultor da mais profunda alma russa. Sobreviveu uns bons dezassete anos arrecadado nos goulags dos amanhãs que cantam, desafiando a morte graças ao terço rezado todas as noites com o seu rosário improvisado com bolinhas de pão, roubadas à esquálida ração diária. Desta fé inabalável, deste amor à Pátria, desta força de vontade de aço e desta pena densa mas talentosíssima, saíram maravilhas como Um dia na vida de Ivan Denisovich, Arquipélago Goulag - entre outros. Ficam aqui estes rabiscos em jeito de homenagem.