Missão cumprida

Conheci o Paulo Cunha Porto há muitos anos, por entre alfarrábios e alfarrabistas, entre almoços e conversas. A partir daí a Amizade foi crescendo e nunca perdemos o contacto. A entrada dele no mundo dos blogs fez com que um largo público reconhecesse automaticamente o seu enorme talento e a sua franqueza. Teve várias casas e andava até hoje afastado.

Esta ausência era muito sentida e no nosso almoço não nos cansávamos de o incentivar a um regresso. Essa foi a razão principal  e que razão mais que suficiente  para criarmos um blog colectivo. O Paulo era o nosso desejado na blogosfera.

A avaliar pelo sucesso deste novo espaço no seu primeiro dia, não há dúvida que a missão foi cumprida. Agora só resta que esta missão seja comprida.

Surpresas e contrastes


Sempre que vinha à Capital do Império a primeira coisa que fazia era dar um salto ao miradouro de São Pedro d´Alcântara. Era ali que costumava cumprimentar Lisboa e, com olhos gulosos, matar um pouco as saudades. O ritual — sempre no inverno — continuava com muitas horas de caminhada e completava-se, invariavelmente, com uma ginja no Pavilhão Chinês ou um chocolate quente lá para os lados do São Carlos. Certa vez, subia eu a D. Pedro V e, virando no Arco do Evaristo, à direita, vou dar a um pequeno largo com uma escada. Lá embaixo uns telhados, umas casitas, umas ruelas, a compor o quadro de uma Lisboa de outras eras. Entretanto, olhei para o lado e não podia acreditar no que via: nas traseiras de uma casa, um pequeno terreno em socalcos, uma horta de couves, uns limoeiros e... duas cabras a pastar despreocupadamente! Fiquei estupefacto com a convivência do urbano com o rural, do "arcaico" com o "moderno", da capital infestada (e paralisada) por "altas cilindradas" e telemóveis de última geração e aquela cena chesterton-bellocquiana que lembrava o three-acres-and-a-cow distributista. Voltei ali há pouco, na esperança de ainda ver a galharda resistência daquele ser tradicional. Infelizmente já nada lá estava, apenas um estaleiro de obras. O que serviu de consolo foi saber que ali será uma nova creche da Misericórdia de Lisboa. Na fúria demolidora e descaracterizadora que assola as nossas cidades a boa acção é a excepção.

Da Imprensa Castrada

Uma das razões que motivaram o meu retorno ao mundo dos blogues foi a enjoativa mas generalizada insistência dos Media em esmiuçar os pormenores e desencantar lateralidades conexas no caso do assassínio de Carlos Castro. Um homicídio tem relevância pública, quem quer que seja a vítima. Mas a punição dele esgota-a. Abrir noticiários semanas a fio, com vinte e tal minutos de opiniões sobre as personalidades dos envolvidos é indecoroso, sabendo-se que, na mesma semana, dum morticínio no mesmo País, resultara gravemente ferida uma Congressista com visibilidade; e de tanto as motivações como as reacções a esse facto estarem cobertas de importância para a vida pública.
Porém, os nossos noticiaristas televisivos, inferiormente, pior decidiram não lhe conceder mais do que uma breve menção.


Quanto à substância da conduta do Sr. Seabra, só pode encontrar nela novidade quem não esteja ciente de que um ambicioso fazendo carreira a dar o corpo, nem tanto ao manifesto como a "many festas", é coisa velha como o Mundo. A única variação sobre o tema reside em, na altura de a homossexualidade sair do tal armário, qual prenúncio de quotas, estarem reservadas linhas demasiadas à publicidade da facultação de partes menos haaam vanguardísticas do físico, num jeito de justificação das condutas criminosas.
A continuarmos assim, sacar notícias de interesse aos nossos órgãos de informação, só a saca-rolhas. Aaaaai! O que eu fui dizer, desculpem-me, ando enferrujado, é o que é...

A língua em perigo

Foi no passado dia 25 de Janeiro publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011-2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República.

Se por si só é um disparate a ideia de alterar a língua por decreto (ainda por cima utilizando critérios bastante discutíveis), este (des)acordo ortográfico falha totalmente no seu suposto objectivo de unificar a língua portuguesa. O português que se escreve de um lado e de outro do Atlântico já divergiu demasiado para que um simples regulamento o coloque ao mesmo nível. Isso é particularmente evidente em qualquer manual técnico brasileiro, que se transforma num autêntico desafio de leitura para um português. Tanto a terminologia (binário/torque, só para dar um exemplo) como a própria construção das frases apresentam demasiadas diferenças. Nessa situação, muitos preferem os manuais em inglês, que acabam por ser paradoxalmente mais simples de ler.

No entanto, em Portugal, a resignação tem sido quase total. Depois de uma recolha de assinaturas que não teve consequências, o desânimo tomou conta dos resistentes ao (des)acordo. Na imprensa, muitas publicações já alteraram a grafia, a ponto de, por desconhecimento ou desleixo, as gralhas se terem multiplicado. Alguns jornais, contudo, mantêm-se fiéis à língua portuguesa. É o caso dos diários Público e i, do semanário O Diabo e do desportivo A Bola. No entanto, é apenas uma questão de tempo. A partir de 2016, a nova ortografia passa a ser obrigatória. Se até aí nada mudar, os blogues serão a última barricada. Por aqui, não desistimos.

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Valete, Frates.

FERNANDO PESSOA
(1888 — 1935)

É a Hora!


«Sete Mares», Sétima Legião.

Valete, fratres!

Ó Sede de Glória...

Ao mergulhar neste empreendimento blogosférico não procurei, como poderão inferir os mais suspicazes, dar-me uma nova ilusão de juventude, nomeando-me como tal aos 46 anos. Quis, isso sim, com os meus Companheiros de Jornada, a partir da posição tributária de "mais novo", homenagear uma figura mítica da nossa vida cultural que anda muito denegrida, o que só a honra, considerando as concepções dominantes: O Velho do Restelo é sempre apresentado como quinta-essência do derrotismo, quando, afinal, era coisa muito outra: o único verdadeiro realista que apontava a prioridade de atacar o perigo próximo no momento em que ele ainda se encontrava mais fraco do que o Futuro já deixava antever. Seguindo-lhe o conselho não teria havido Alcácer-Quibir. E não teria, quiçá, sido necessário convocar, duma penada, o desabafo do Épico ao menos morro com a Pátria, conjugando-o com célebre resposta do Rei que Ele cantava Morrer, sim, mas devagar, para, numa expectativa operativa de menos por menos, almejar o incerto mas ambicionado recobro dos restos de Honra e Grupo que não deveríamos desbaratar apressadamente, mesmo rodeados da atmosfera acabrunhante da decadência.
Vivemos uma época em que o Adversário já não roça a Raia, acoita-se entre nós de forma muito menos particularizada do que nas mais ou menos exageradas identificações do inimigo do interior de Mestre Maurras. Se este blogue nasce em ocasião de nevoeiro, não o faz por pretender-se capaz de corporizar a recuperação dignificante que o desse como O Desejado. Antes por a espera Sebástica não ter o monopólio das neblinas e estes cinco se sentirem no dever de, em conjunto, tentar enxergar melhor, num desgraçado tempo em que tudo é escuro.
Que aquela que agora está lançada não seja a má sorte!