A Maralha de Adriano

Sem prévia intenção, sigo a entrevista de Adriano Moreira à RTP1. Poucas pessoas vi concitando juízos tão díspares entre os observadores do Poder e tão unânimes entre os detentores dele na vigência que nos desola. Aqui, apareceu nas roupagens de Elder Statesman, com a consequência tanto mais eficaz quanto pouco ostensiva de despromover, por comparação, os actores da vida pública em torno de si. Falou de dois «muros», ou de duas «quedas» deles, a propósito da revelação que teriam sido, para ele, o contacto com a legislação colonial em vigor, mas largamente herdada de sistemas anteriores, e os mecanismos de discussão nos areópagos das sociedades eleiçoeiras. Mas o essencial não esteve nessas derrubadas muralhas metafóricas, antes na clivagem pela qualidade que estabelece entre si e os outros. Com os próceres abrilísticos a coisa era relativamente fácil. Mas, abordando Salazar, debitou mais do mesmo, com maior subtileza aparente e banalidade substancial - insinuou, em paralelo com os velhos lugares comuns camuflados pela memorialística da proximidade, que o Presidente do Conselho não se retirara a tempo e que o seu maior defeito seria ser um homem... fora do seu Tempo.
Faz-me espécie como um Homem inteligente consegue encarreirar com os que consideram um defeito tentar moldar a sua época à concepção intemporal do Bem que perfilhem, em vez de se adaptarem às conformações coevas. Mas nisso se resume grande parte da solução do "enigma" do Entrevistado e da sua adesão ao sistema partidocrático. A razão mais funda, todavia, dever-se-á encontrar na conjugação com a anuência acrítica às pontuais posições da Igreja, lamentando a independência sem hostilidade dos Fiéis que isentam a Política da submissão exaustiva ao Ofício de apascentar as ovelhas. É uma suprema incompreensão, caso não seja hostilidade premeditada: se a Santa Madre garante a sua Dimensão à custa dos aggiornamentos no que lhe não parece essencial, a Governação por critérios diversos do oportunismo implica a aposta do tudo ou nada que não transija com o inaceitável, ainda que momentaneamente forte e dominante. Nessa medida, é em desdenhados por Adriano, apesar dos seus invulgares trato e capacidade intelectual, que se refugia a honra dos homens públicos, a superioridade que não quer ou não pode reconhecer.
A imagem é A Deriva (Drift) da Memória, de Richard Baxter. Também quadraria bem o título Portugal.

4 comentários:

  1. Brilhante, Caríssimo Paulo! Se entender que o Estado é o ministro de Deus para o bem comum e que a Nação Portuguesa é um património colectivo sagrado, não sujeito, portanto, à discussão, é estar fora do seu tempo... então graças a Deus por Aqueles assim estão! Um abraço apertado!

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  2. Meu Caro Marcos,
    o que os escravos do tempo não entendem é que o servilismo que exibem como programa será a própria medida do quão caducos se revelarão.

    Abraço apertado

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  3. Inteligente é que o prof. Marcello Caetano o não achava. Di-lo sem pejo nas "Minhas Memórias de Salazar". Salazar percebeu-o e por isso o recambiou para a Junqueira. Um ego do tamanho da Lua e muita esperteza deram no que se vê. O prof. Hermano Saraiva conta dele umas historietas que mostram como é pessoa de "fiar"...
    Cumpts.

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  4. Sim, Meu Caro Bic, ainda recentemente revi a entrevista em que J. H. Saraiva dava conta da desinteligência respeitante à atribuição universitária de uma regência...
    A ideia que tenho é a de o visado acreditar piamente que inteligência e valor se traduzem em adaptar-se às conformações externas, para fazer passar alguns programas. Será, será, mas eu, que sou estúpido como uma porta, revejo-me mais nas Gentes do Tudo ou nada.

    Abraço

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