Dos Disparos Marcantes

Devo ao respigo de um fragmento de diálogo entre Duarte Branquinho e Miguel Vaz a leitura duma obra que se me tornou capital, a saber «O Pintor de Batalhas», de Arturo Pérez-Reverte. Inapagável esquisso de uma fase da História onde predomina a busca da técnica expressiva pronta a substituir a força crua da percepção pela sensibilidade possível e se traduz na passagem da Fotografia à Pintura de um protagonista, outrora testemunha ocular interiormente couraçada de vários confrontos bélicos por todos nós acompanhados, à primeira vista mais envolvidamente, mas à distância.
A oposição do esforço plástico ultra-memorialista contra o desvanecimento das impressões que antes se furtaram a ser emoções não escapa à descoberta evidente mas trabalhosa de, afinal, a neutralidade não ser possível, em face de episódios dos conflitos, como nos afectos. Com a certeza de que o Adversário se apresenta quando menos se espera, cobrando a consequência, mesmo involuntária ou por equacionar, de acções diminutas e participações amputadas como o mero registo pretendidamente impessoal. Até a decadência física ou a ameaça alheia despoletarem o remorso sem a coragem aliviante da confissão, último passo antes de um fim cuja mera faísca antecipatória consegue corporizar a derradeira simulação do auto-domínio.
A imagem de cima colhi-a aqui.
Uma das melhores frases do volume, atribuída à Mulher/Fotógrafa que age, vivendo e morrendo, pelo intimo do personagem principal, sob o pretexto de o acompanhar, diz: «a guerra põe no seu devido lugar o Surrealismo». Talvez a obra, no seu todo, faça outro tanto com qualquer figuração hiperdistanciada do Cruel, acabando, possivelmente, na do próprio Leitor.

5 comentários:

  1. Ainda bem que gostaste, Paulo. Agora percebes, certamente, porque digo que o Pérez-Reverte de «O Pintor de Batalhas» está a milhas do «Clube Dumas» e da «Tábua da Flandres». Não digo que não sejam bons livros, muito pelo contrário, mas estão longe da densidade e da multiplicidade de leituras desta obra. Posso dizer que é um dos livros da minha vida. Abraço.

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  2. Eu sabia que ias gostar. Tornou-se um dos meus livros de eleição.
    Abraço.

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  3. Não li o livro mas disseram-me que nele o estilo também melhorou
    Rudolfo Moreira

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  4. Sem dúvida, Caro Miguel, porque põe em liça um problema ético. E este domínio, quando bem tratado, é dos que mais mexem com o leitor digno.

    Meu Caro Duarte,
    passa a dois!

    Amigo Rudolfo,
    durante muito tempo perfilhei a ideia já neste blogue delineada, creio que pelo Miguel, de que AP-R era muito bom na construção das tramas e imaginativo na confecção dos personagens, mas que não era um estilista de eleição.
    Porém, depois de ler «O Sol de Breda», na sequência das aventuras do Capitão Alatriste, fiquei a conhecer-lhe das formas mais puras com qaue contactei. Fico a pensar que ele adaptará a prosa às necessidades temáticas.

    Abraços

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  5. Precisamente, Paulo! E o que desconcerta mais o leitor é que o seu registo não tem uma evolução unívoca. Pelo contrário, vai variando conforme o tema do livro. A sua obra mais recente, «O Assédio», apesar de uma trama complexa e uma estrutura mais rica que em romances anteriores, não carrega a densidade e a negritude de «O Pintor de Batalhas». Abraço!

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