Graus no Desespero?

Oliveira Martins escreveu sobre Antero que a vida nem vale o trabalho de nos desfazermos dela. Mas uma constatação tão desiludida e cómoda não expressa o maior dos horrores, o do vazio, sempre existencialisticamente ávido de reacção dorida à miséria de um Outro que até de si se pode tirar. Quando não se consegue ser picado por esse pretendido aguilhão, ou, atingindo-o, se quer retroceder, o inconformismo face à própria insuficiência, expresso de forma residual mas omnipresente na incapacidade de prescindir do conhecimento frustrante, pode dar-nos lamento tão opressivo como a poesia do Filho desse Reporter X de que o João Marchante nos falava inda há dias. Muito mais esmagador do que a trombeteada tristeza dum António Nobre, sempre publicitário do seu sentimento em busca do efeito, ou da deixa testamentária dele, como O Desesperado de Courbet, abaixo, sempre me pareceu ser.


De Reinaldo Ferreira,

Desalento

A Deus pedi a dor que merecesse
O grande desvario a que desci
Mais perto do meu sonho me senti;
Não sei de pior mal que Deus me desse.

Contrito me mostrei que desfizesse
A teia das esperanças que teci...
Mas surdo se mostrou, em vão pedi,
Nem há talvez um Deus que tal pudesse.

Ao que Deus se calou, que direi eu
Se a esperança de esquecer-me se perdeu
E não suporto a dor de recordar-me?

Direi que sofro um mal que não se cura
E vivo deserdado da ventura
Que só a noiva-morte pode dar-me.

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