Fellini antecipou metaforicamente, neste filme, a decadência da Civilização Europeia, tal como a vivemos desde há séculos. Ninguém quis olhar e ver, com olhos de pensar, a fita em profundidade. Ainda agora, os relatos da película apontam para um boémio e belo dolce fare niente de uma decadente alta sociedade romana. Mas, o que vemos e ouvimos, e do que realmente se trata, é muito mais do que isso. Obrigatório deveria ser exibir em todas as escolas a última parte de La Dolce Vita: Após uma triste orgia, e ainda mal refeitos do tédio, um grupo de bons vivants encaminha-se para a praia, ao nascer do sol. Lá, espera-os um monstro marinho, dado à costa e recolhido por pescadores. A estranha criatura mira-os — morta ou viva, nunca saberemos —, com um perturbante olhar fixo. Contudo a coisa não fica por aqui. O grupo de pândegos, derreado por uma ressaca brutal, decide retirar-se. No entanto, Marcello Mastroianni (colega do foto-jornalista Paparazzo, que assim dá origem à mediática designação profissional) fica para trás, atraído por uma angelical adolescente, que o chama por gestos e palavras, surgida do nada, sem estar ligada à referida pandilha. Ao longe, ele tenta entendê-la, percebê-la, compreendê-la... Mas, crueldade suprema, não consegue sequer ouvir as palavras que saem da sua boca. O som do mar está ali, como que criando uma barreira natural à comunicação. Hesitando, por um momento, em aproximar-se, logo é repescado por uma vamp semi-embriagada que o leva por um braço, enquanto a rapariguinha fica a encarar-nos de frente — agora a nós, espectadores. Nunca experimentei com tanta força e frieza o vazio e o silêncio numa sequência de fotogramas, porque senti que Fellini se dirigia a mim, a todos nós.
Os europeus renegaram as suas raízes espirituais, indo ao ponto de não se deixarem bafejar pela graça.
É só isto. E está lá tudo. O horror do nada. A vida sem sentido.
Fellini, um visionário.
ResponderEliminarSem dúvida, Maria.
ResponderEliminarJá não há fontes destas... Depois espantem~se com a desertificação!
ResponderEliminarAb.
... Mais um sinal, Paulo, da esterilidade do Ocidente...
ResponderEliminarAdenda (ai a minha cabeça, que anda distraída): um beijo à querida confrade blogosférica Maria e um abraço ao caro caro confrade de almoço e blogue Paulo.
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