As Vozes do Dono

O Discurso-Programa de Sandor Bihari

A magna polémica em volta do pouco lacónico Lacão e da sua proposta de reduzir o número de deputados tem um mérito: o de fazer os membros da partidocracia ultrapassar a fase da negação infantil, reconhecendo que o parlamento funciona mal. Ecoando a proposta no Dr. Marques Mendes, ganha uma oportunidade de debate que, de outro modo, não obteria.
Desde já devo dizer que, para mim, o problema dos deputados não é de número, mas de essência. A solução, se quantitativa tem de se considerar, seria reduzi-los não para 180, ou para 150, mas a zero, já que, mesmo à (minha) Esquerda, neste caso particular, um só - o do algarismo - não seria igual a muitos, aqueles que em S. Bento assentam.
Da perspectiva dos amarrados ao regime o problema reside, porém, na forma de eleição: são raros aqueles que, mendigando votos, conseguem manter uma independente dignidade. Eleitos por circunscrições uninominais, com primárias abertas, contudo, a legitimidade própria permitir-lhes-ia ao menos fazer-se soar. Ao contrário, as trocas de favores e cumplicidades por detrás das listas elaboradas por cliques partidárias mais não fazem do que transformar meia dúzia em moços de fretes e a maioria em comparsas a que se comprou silêncio só interrompido pelos aplausos cúmplices de claque.

4 comentários:

  1. Bem, Paulo, este assunto é o chamado "pau de dois bicos". Como escreve o Jaime Nogueira Pinto no i da última segunda-feira, se fui "formado no cepticismo sobre estes actos", acabei por me resignar "à sua inevitabilidade e conveniência na ausência de legitimidades metapolíticas".
    Assim, se à partida me parece bem uma redução do número de deputados, tenho que reconhecer que essa medida só favoreceria o bi-partidarismo. Ou seja, quem teria mais a perder neste caso são os pequenos partidos e as tendências políticas mais minoritárias, que veriam dificultada a sua capacidade de representação. Pelo contrário, o "centrão" sairia fortalecido enquanto entidade política.
    Quanto à solução "americana", apesar das óbvias vantagens ao nível de "troca de favores e cumplicidades" que transforma o parlamento em pouco mais do que uma luta de claques, tem também alguns defeitos que vale a pena referir. O mais óbvio é a submissão dos deputados aos caciques regionais e locais, fortalecendo a prática do lóbi e de outras trocas de favores.

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  2. O problema é que, como afirmou Miguel Vaz, os deputados estão quase sempre presos a uma teia de favores e cumplicidades. E, como diz o artigo 152º da nossa fantástica Constituição, os deputados não representam aqueles que os elegeram, mas a totalidade da "Nação". Pessoalmente, sou favorável à sua redução ao número mínimo, à duplicação do seu salário base (e à proibição da acumulação do cargo de deputado com outra actividade profissional remunerada), à eleição por círculos uninominais (com um círculo nacional, que permita a representatividade de partidos com menor expressão eleitoral). Claro que isto iria fazer com que o poder das cúpulas partidárias (não só das direcções, mas em particular dos grandes senhores do tempo e do templo, como alguém lhes chamava há uns tempos) diminuísse, e isso para eles é inaceitável...

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  3. Meu Caro Miguel,
    concordo que os eleitos americanos estejam sujeitos às pressões do lobing, mas penso que as dos caciques regionais são reduzidas, justamente pelas primárias serem o modo de designação. Mas lá o lobby é legal e aberto, além de que os interesses particulares são muito mais poderosos que por aqui, onde só meia-dúzia de empresas o poderia empreender, coisa que, às escondidas, já vai fazendo!

    Meu Caro Tiago Laranjriro,
    que bom, retomar o contacto com o Amigo!
    Penso que a aproximação das circunscrições às populações teria como principal efeito, além da alforria em face das comissões nacionais e distritais, uma ãutonomização parlamentar dos deputados, para agradarem prioritariamente aos seus conterrâneos, em vez de àqueles que ora passam abusivamente por seus patrões.

    Abraços

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  4. Confesso que tive saudade dos seus artigos.
    Ao pretenderem agradar prioritariamente a quem os elegeu quebrava-se a teia de cumplicidades que hoje existe. Outras, eventualmente, surgiriam (ou talvez não), mas em muito menor dimensão.

    Abraço

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