Sem Ela...

Que a Caridade, hoje em dia, não pode ter boa imprensa é coisa que nos tende a avergonhar, mas jamais espantar, pois contraria a tenção dos Socialistas Revolucionários de usar a Pobreza como combustível para os tristes fogos que tentam atear e o projecto de vida dos adeptos do Capitalismo, os quais precisam do tónico do Sucesso material que os destaque dos menos bafejados. Já o Conforto é prezado não como o impulso de consolar e ajudar outrem, mas como o amaciamento da dureza que rodeia, supremo ideal da imensa maioria que nem está para se engajar nas más acções anteriormente indicadas. A toda esta gentinha a Renúncia teria de agradar ainda menos que o singelo acto da Esmola, pois não é susceptível de se explicar como oco alívio de consciência dos abonados contentinhos, ou como fraqueza perante a sorte de desgraçados que, no entender dos egoístas, têm o que merecem. Deste jeito, só poderiam sentir-se mal, ao ouvirem as palavras de Isabel Jonet. À uma, porque não suportam ver a Empatia com estranhos tomar o lugar que automaticamente julgam pertencer ao Conflito. Mas mais, porque se sentem desdenhados, vendo Alguém prescindir do que insistem em fruir e ostentar. Ao contrário do que julgam os papagaios que dão como miserabilista e salazarenta a pregação do despojamento, eu até entendo a frase de Oscar Wilde que diz «nada haver de tão essencial como o Supérfluo». É por isso que reconheço o valor de abdicar dele e de dar-Se ao dar. Nessa medida, como em muitas outras, rotular com o nome de Salazar a conduta é uma distinção, pese os intuitos impotentes dos que apostrofam terem em vista um insulto. Como deixou expresso o meu Santo Patrono, nada de bom nos valerá, se não tivermos a Caridade. De modo que, não sendo capaz de qualquer fé ou esperança nos detractores Dela, tento prodigalizar-lhes a porção caritativa de que, na minha imperfeição, sou capaz, evitando acrescentar o que penso deles.
                                                       Caridade, de Fiedor Bruni

Tenho a ousadia de juntar um poema que fiz e que pode ilustrar, mesmo se o autor pouco presta:

 TRIBULAÇÕES DA PARTILHA

Se é devido, onde assenta o dar?
Troçado como alívio de consciências
pelos reformadores de trazer por casa
sem siso para alcançar
o sentido profundo da Esmola.
Aquele que não abdica da emoção
nem rende o gesto sincero e pessoal
à cinzenta rotina duma máquina estatal
presente em cada mecânica atribuição
que, de chapa, nulifica e estiola
o gesto do desprendimento sem par.
Contra a obtusa frieza que arrasa
a permuta generosa das urgências
expostas na Cruz de Alguém Mais participar.

Afinal, sentir na carne a pungência do lamento
engrandece, sem tirar nem pôr,
para lá da nua dádiva de alento
ao Desprovido dum qualquer vigor.

4 comentários:

  1. rudolfo moreira09/11/12, 17:37

    na sociedade de consumo morar no bairro do bem ou do mal é regulado pelos zeros das facturas

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  2. Profunda e perfeita sondagem do espírito, ou da falta dele.
    Obrigado, meu Caro !

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  3. Isabel Jonet criou uma grande obra, para a qual tenho contribuído com gosto e na medida dos meus pobres recursos. Isabel Jonet tem obrigação, em nome da natureza do Banco Alimentar Contra a Fome de se abster de fazer política. É isso que os portugueses que respeitam a obra que construiu, esperam dela.

    Beijinho Paulo

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  4. Meu Caro Rudolfo Moreira,
    nós é que fomos uns zeros - e, para piorar, à Esquerda - ao deixarmos que vingasse este modelo.

    Caríssimo FCMoncada,
    Max Scheller escreveu que a Ascese em S. Francisco de Assis consistia no máximo de Alegria com o mínimo de bens, enquanto que a neurose coeva a toma pela abstenção da Alegria, rodeada do maior número de solicitações possível. Também por aí a má vontade contra o desapego triunfa. E o sentimento de inferioridade que referi no postal, claro.
    Obrigadíssimo pelaa palavras amigas de aprovação.

    Querida Ariel,
    estas declarações versaram muito mais do que politiquices, envolvem uma problemática fulcral de Ética, Não sejamos reducionistas a vê-las como um desbravamento de picada para as medidas infelizes do Governo, a que, como sabe, genérica e resolutamente, me tenho oposto.

    Beijinho e abraços

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