Sem papas na língua

A cidade hoje já não é o que foi no meu tempo, o que é natural. Mas o pior é que mudou com tal ímpeto que tudo o que era pitoresco vai de gangão desatinado para o esquecimento com passagem pelo camartelo demolidor, e assim já de todo acabaram os carvoeiros onde se bebia o melhor vinho, por tijelas brancas vidradas, e havia quase sempre, para fazer boca, pasteis de bacalhau e uma velha a assar castanhas. Acabaram os carvoeiros substituídos por estabelecimentos de venda de carvão a retalho, revestidos de azulejo e tão penteadinhos que até a gente tem vergonha de lá entrar. Esta gente moderna, com suas higienes e posturices, substituíram as iscas e o pastel de bacalhau por bolos de arroz e brioches e o vinho por leite, não se tendo convencido nunca de que não há raça forte com semelhante alimento e a resultante foi a substituição das touradas pelo futebol e dos homens pelos maricas.

ALBINO FORJAZ DE SAMPAIO
(1884 — 1849)

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