A expressão «Sétima Arte» anda na boca de toda a gente. Falemos, então, sobre a origem dessa — feliz — designação para o Cinema.
Foi o escritor, jornalista, crítico e dramaturgo italiano Ricciotto Canudo (Bari, 1879 — Paris, 1923) que baptizou o Cinema de Sétima Arte. Canudo fundou a revista Montjoie! (1913-1914), com sede em Paris, e manteve uma tertúlia com — entre outros — Léger, Apollinaire e D’Annunzio. Em 1920, cria o «Clube dos Amigos da 7.ª Arte», que é, assim, precursor do movimento do cine-clubismo. Edita, finalmente, em 1923, a Gazette des sept arts, revista fundamental como suporte teórico das vanguardas estéticas da época.
Se, por esta altura, já percebemos que estamos perante um teórico da Arte, não estranharemos saber que Canudo lança, em 1923, o Manifeste des Sept Arts, após uma série de outros textos preparatórios; o primeiro dos quais data de 1908, e num deles, em 1912, cunhou a nossa expressão. Esta publicação definitiva das suas inovadoras ideias, surge como legitimação estética do Cinema, elevando-o à categoria das restantes Artes.
Em primeiro lugar, chama a atenção, no seu Manifesto, para o facto de o Cinema ser muito mais do que apenas indústria e comércio, resgatando-o à mera tentação material e convocando-o para as fileiras da espiritualidade criadora. De facto, o Cinema é, até, antes de tudo — Arte.
Depois, Canudo diz-nos, do seu ponto-de-vista, quais são as seis Artes que antecedem cronologicamente o Cinema. Desde a Antiga Grécia que as Artes têm andado numa roda-viva, no que diz respeito à sua catalogação (convém nunca perder de vista as nove musas inspiradoras). Ainda bem que se trata de uma conversa em aberto, pois isso é um sinal da vitalidade dos pensadores e artistas da Cultura Ocidental. Para este escritor italiano do século XX, as Sete Artes são: Arquitectura, Escultura, Pintura, Música, Dança, Poesia e Cinema. Se as três primeiras — artes plásticas, porque do espaço — aparecem, segundo Canudo, por necessidades materiais (abrigo, no caso da Arquitectura, com as suas complementares Pintura e Escultura), para, no entanto, logo depois se afirmarem artisticamente, já a Música é fruto duma vontade espiritual de elevação e vai irmanar-se com os fundamentos rítmicos da Dança e da Poesia. Curiosamente, no pensamento do teórico italiano, a Dança e a Poesia antecedem a Música, que só se autonomizará destas quando se liberta e chega à sinfonia, como forma de música pura.
É óbvio que a génese das Artes aqui descrita tem de ser contextualizada na época em que foi criada — início do século XX, em toda a sua pujança Futurista (Graças a Deus!) — e entendida como visão pessoal do seu autor. No entanto, se aqui a trago, é porque sem ela não poderemos compreender a expressão «Sétima Arte».
Por fim, entramos naquilo que me parece ter resistido ao crivo do tempo (esse destruidor de mitos de vão de escada) e manter, ainda hoje, enorme actualidade.
Canudo apresenta o Cinema como síntese de todas as Artes e como Arte Total — ao que não é alheio o pensamento de Wagner; assim, na plenitude da sua linguagem estética, a Sétima Arte integra elementos plásticos da Arquitectura, da Pintura e da Escultura e elementos rítmicos da Música, da Dança e da Poesia, que se vão todos revelar nos filmes nas seguintes áreas técnicas (podendo nós tentar fazer um jogo de concordâncias): imagem ou fotografia (ainda a preto-e-branco, em vida de Ricciotto Canudo); som ou, mais tarde, banda sonora (note-se que, quando o italiano teorizou, o Cinema era Mudo e os filmes eram acompanhados, apenas, pela interpretação ao vivo de uma partitura musical durante a sua projecção nas salas); montagem, que confere um sentido às imagens; cenografia, que entretanto evolui para direccção artística, alargando o seu campo de intervenção; realização, que tem como missão a planificação do filme, a orquestração dos vários elementos aqui referidos, assegurados por outras tantas equipas técnicas, e a direcção dos actores; e, por último, sendo no entanto o princípio de tudo, argumento.
Mais ainda: como grande síntese criadora — para além de fusão —, o Cinema une Ciência e Arte, num casamento feliz, e produz uma novíssima Linguagem, para a qual as outras Artes tenderam desde sempre, de imagens em movimento e som — formas e ritmos à velocidade da luz!
É, pois, a última das Artes, fechando o ciclo da Estética; mas, essencialmente, a que, incorporando todas as outras, transporta o património histórico e estético da Civilização Ocidental e o projecta no tempo e no espaço através da permanente reformulação das suas ancestrais e intemporais narrativas.
Haja novos realizadores portugueses à altura desta missão universal.
Isto sim, é ver Cinema por um Canudo.
ResponderEliminarAbraço!
Marchante em grande! Para mim esta foi a primeira aula magistral (do curso). Abraço!
ResponderEliminarCaro Miguel:
ResponderEliminarEspero que este Canudo, contrariamente ao da Bracara Augusta, sirva realmente para auxiliar o olhar, não deixando fugir o objecto observado, ou, mais ainda, ajude a ver com olhos de pensar...
Caro Marcos:
ResponderEliminarEssas Tuas exageradas palavras, são, certamente, provocadas pela Amizade.
Adenda: Abraço para o Miguel e Abraço para o Marcos!
ResponderEliminarMil graças pelo erudito e instrutivo texto, Caríssimo João. Sabes de o Ilustre Crítico italiano também descobriu uma 7ª musa para a nova actividade artística? No sentido mitológico, já que no simplesmente... mítico o celulóide trouxe-nos uma oferta pletórica delas!
ResponderEliminarAbraço
Que ideia, Caríssimo Paulo, são apenas umas palavrinhas mal alinhavadas, todas elas fruto do meu platónico amor à arte que leva o simbólico n.º 7.
ResponderEliminarJá sobre as musas que habitam e iluminam a tela, haveremos de discorrer no nosso próximo almoço...
Nota: Texto que escrevi para a revista Alameda Digital (Ano I — N.º 2, Outubro de 2006). Republiquei-o, numa nova versão, com ligeiras alterações, no blogue Eternas Saudades do Futuro, em 18.05.2009. E publico-o agora, de novo, levemente retocado, no blogue Jovens do Restelo.
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