Os Suspeitos do Costume
Hesitações do Patriotismo
Excesso de Velocidade
Da excepção à regra
"E não achas que esse silêncio faz perder influência? E a influência da literatura era importante na formação do pensamento político. Lembramo-nos do Mitterrand. Ou, na América do Norte, da influência de gente como Norman Mailer, Saul Bellow. Dos escritores da América Latina. Acabou. Esse afastamento do escritor vem de um pensamento politicamente correcto que tem vindo a ganhar peso no mundo, impondo-se. O escritor quando fala e se empenha está a assumir uma posição individual, e quando esse olhar é formatado pelo politicamente correcto ninguém se atreve. Como é que um escritor se vai atrever, por exemplo, a justificar um acto terrorista num determinado país? Esse acto, há 40 ou 50 anos, seria elogiado pelo mundo intelectual de esquerda, que elogiava as bombas que rebentavam no Vietname e no Camboja, ou nos cafés de Paris, e que faziam vítimas. Essas vítimas eram justificadas por uma ideologia, um sonho utópico. Hoje, essa atitude iria condenar o escritor e proscrevê-lo.Em primeiro lugar, se já não o suspeitássemos, ficamos a saber que o horizonte de Clara Ferreira Alves não vai muito além do seu quintal. Ao afirmar que «tradicionalmente, os escritores e artistas são» de esquerda e que o resto são algumas bizarras excepções, a cronista ignora que esses foram os artistas e escritores que sobreviveram à nova ordem que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Esquece-se (ou não sabe) que os regimes que perderam a guerra tinham o apoio de inúmeros intelectuais, escritores e artistas de inegável talento, que depois de 1945 foram presos, fuzilados ou silenciados. No entanto, o mais interessante da entrevista é a afirmação de Nuno Júdice: «nunca vivemos tão livres, mas o pensamento é hoje muito pouco livre». De facto, a actual liberdade de costumes contrasta com a exiguidade do pensamento. Existe uma margem oficial de pensamento que formatou as páginas dos jornais, o espaço de comentário nas televisões e as estantes das livrarias, que determina o que é certo ou errado dizer. Quem ousa pensar fora da caixa é imediatamente catalogado de marginal e corre o risco de ficar infrequentável para sempre. Estamos sempre mais perto de 1984 do que pensaríamos.
Pensar contra a corrente é da essência da liberdade intelectual... Sim. Nunca vivemos tão livres, mas o pensamento é hoje muito pouco livre.
Tradicionalmente, os escritores e artistas são dessa área, com aquelas excepções, algumas trágicas, que conhecemos. Céline, Pound e por aí fora. Viste o que aconteceu com o Céline, em França. Proscrito. Exacto. Acho um erro tremendo. Céline, quando escrevia aqueles panfletos, estava num contexto, e era um mundo louco. Ele foi embarcado, como Ezra Pound. Não podemos julgar com critérios actuais o que foi vivido por outros noutro tempo, por abominável que possa parecer. Ao escrever, o Céline estava a usar de uma liberdade total. Como o Marquês de Sade, com as matanças e orgias dos seus romances."
Arenque Esfumado
Grandes Arquitecturas
Corrigenda Política
O Hábito e o Monge?
O Fim do Regime
Sombra de Uma Dúvida
Retrato de uma época de ouro
O Jogo das Cadeiras
Ensino e Educação em Portugal
Ter escrito sobre o tema em postal recente obriga-me a deixar estas notas. A análise completa da matéria pediria hoje menos a pena barbelada de Verney do que um computador de memória bastante para arquivar tanto disparate.
Foi moda a Educação ser o amor confesso dos governantes deste regime. Ora quando estes se empenham a fundo e em cheio no renascimento do que quer que seja, o mais certo é que liquidem de vez o objecto dos seus interesses. Nem os frontispícios escapam. Inchados de progressismo, apagaram o belo e aristotélico nome de liceu para riscar o país de escolas secundárias e, logo a seguir, escolas C+S E.B 2.3 — por um triz não incluíram raízes quadradas na denominação dos novos estabelecimentos.
Avultaram os «cientistas da educação», lidos em Glasersfeld. A ignorância alastrou e a indisciplina tomou conta das salas. Fixou-se como objectivo do ensino obrigatório ensinar a contar até dez pelos dedos — ou com recurso a calculadora. Os programas foram convenientemente politizados para produzir gerações de jovenzinhos republicanos, socialistas e laicos.
Aboliu-se entretanto a instrução clássica — e instituiu-se a educação moderna, com aquisição de competências e ciência a frouxo. O resultado está visto. Perdeu-se uma e não se ganhou a outra — se os alunos desconhecem a Filosofia, o Latim e até o Português, nem por isso dominam a Física, a Química ou a Biologia.
O nível de exigência é rasteiro. Nada de exames: parece que prejudicam o desenvolvimento cognitivo e podem fazer mal aos miolos e mais partes dos rapazes esfalfados. Nem memória, porque o decorar brutifica; nem leitura nem reflexão, porque a matéria só tem que entrar pelos ouvidos; nem o manejar linguagem com ideias nem ideias com linguagem.
Vejo o modo como os adolescentes se correspondem com mensagens de telemóvel, em código macacóide, e pressinto que a próxima geração já cresça com as patas da frente no solo. (Alguns de agora já ensaiam a rabiscar paredes.) O Vargas Llosa queixou-se do mesmo aqui há semanas. Mas os tratos de polé à língua materna vão dar-me outro postal.
Tudo Sobre Rodas
Sem Rei Nem Grei!
Troçar da Troça
Estado da democracia em França
O gráfico foi retirado do blogue François Desouche e, apesar das óbvias limitações, exprime bem a diferença entre as escolhas políticas dos franceses nas últimas três eleições e a composição da Assembleia Nacional. Vale a pena analisar a representatividade deste sistema eleitoral, que privilegia de forma desproporcionada os dois maiores partidos do espectro, marginalizando todas as formações políticas concorrentes. Nesse aspecto, o caso do Front National é particularmente evidente. Trata-se de um partido que elege regularmente deputados para o Parlamento Europeu (neste momento são três), mas que não consegue ter um único representante na Assembleia Nacional.
Suicídio da Língua
O Fio à Meada
Almas Ardentes
«O Amor Separar-nos-á», Os Golpes.
Acabadinho de chegar, está aí o novo teledisco d'Os Golpes. Se é certo que a escolha do nome do tema é infeliz (achei-o da primeira vez que ouvi — não havia necessidade de uma colagem tão evidente ao clássico dos Joy Division), a produção e a própria música dão a volta ao problema. Extraído do meio-disco «G», este single anuncia novos trilhos para a banda. A música portuguesa volta a mostrar que está bem e recomenda-se.
Altos voos
Em miúdo alimentei um desejo que nunca concretizei e que se tornou impossível de concretizar: voar no Concorde. Lembrei-me disto ao ler a notícia sobre o ZEHST, o projecto do avião ultra-sónico de fabrico europeu que "promete ligar Paris a Tóquio em menos de duas horas e meia". Impressionante, sem dúvida. O problema é que tal só se passará lá para 2050. O sonho vai continuar a ser apenas isso...
Patético
Nobilitação Armadilhada
Os Loucos Estão Certos
«Os Loucos Estão Certos», Diabo na Cruz.
Os Diabo na Cruz foram uma das sensações do Verão passado e prova disso foi o excelente concerto no festival Sudoeste. Num final de tarde, uma multidão de jovens foi-se juntando no palco secundário para cantar em conjunto com este super-grupo, que junta o rock ao folclore numa mistura castiça e bem portuguesa. Durante a actuação houve até tempo para um cover do tema «Lenga Lenga» dos Gaiteiros de Lisboa, conjunto que curiosamente abriu o Sudoeste em 2007 num final de tarde bem parecido. Porque numa época como a que vivemos nunca é demais lembrar que «os loucos estão certos», deixo aqui esta versão acústica do êxito dos Diabo na Cruz.
O Tal Charme Discreto
Nus e Suplicantes
O novo governo
Os comentadores, à esquerda e à direita, já apalparam os novos ministros, escabichando-os com a gula de quem esvazia pernas de lagosta. Puseram a nu parentelas ignotas e hábitos desconhecidos. O costume. Não quero estender-me por aí.
Uma coisa devo confessar, porém. Anunciados os governantes, entrou de me luzir logo o nome de dois ou três deles. Sim, há dois ou três que, há pouco, fui acolchetando na minha admiração íntima. Um caso raro nestas fornadas sucessivas de cavalgaduras que a república tem alimentado com forragem e feno do orçamento de Estado.
Há dois ou três (milagre!) que se não autolegitimam pelo antifascismo e que são até acusados de inexperientes por não terem alinhado, ao largo de 40 anos bem puxados, nas mais disparatadas ideias socialistas e marxistas.
Nuno Crato tem catado as palermices e os vícios da Educação em Portugal, numa observância perscrutadora. Em obras como O «Eduquês» em Discurso Directo (Gradiva, Lisboa, 2006) denuncia certeiramente a influência nefasta das tretas pedagógicas e construtivistas: as teorias românticas, o "ensino centrado no aluno" (e que se limita a ensinar as matérias de que as crianças gostam), a auto-aprendizagem, o laxismo, a desvalorização do conhecimento em favor da aquisição de «competências». Com tais ideias espúrias, pretendiam decerto os "cientistas da educação" que as crianças viessem das escolas com o cérebro pingue, como quem sai de uma ceva. Pelo contrário, conduziram os alunos à ignorância e ao analfabetismo. Querer hoje que os alunos dominem a língua materna é pelos modos atestado de caturreira de reaccionário, de gramaticão embrulhado no chambre caricatural do Tolentino. Possa o novo ministro acudir ao desastre com as ideias claras que defendeu publicamente nos últimos anos.
O novo governo junta na mesma pasta a Agricultura e o Ambiente.
Sem papas na língua nem receio de meter-se em fofas, Santos Pereira afoita-se na explicação do desastre: «(…) efectuámos uma descolonização que poucos beneficiou e muitos prejudicou (inclusive os novos países independentes), e tivemos de suportar os exageros revolucionários de uma minoria que ambicionava instaurar um novo regime autoritário (agora de ideologia comunista ou socialista) no nosso país.» (ob. cit., p. 30)
Sobre a política do camartelo e betão, assevera ele em tom crítico: «Tudo o que é passível de ser inaugurado é bem-vindo pelos novos fontistas. Quando se pretende a modernização da economia nacional, constroem-se auto-estradas e mais auto-estradas.» (ob. cit., p. 46) E acerca da regionalização, estatui: «(…) só vai criar mais burocracia, mais compadrio, mais clientelismo, mais favorecimentos pessoais, e ainda mais Estado num Estado já demasiado pesado e omnipresente.» (ob. cit., p. 522)
É dos poucos economistas que se preocupam com o declínio da natalidade, propondo incentivos e medidas sérias para inverter a tendência. Não é meu correligionário, isso não. Mantenho uma distância profiláctica em relação às suas propostas sobre imigração e outros assuntos, mas é um tipo desempoeirado, bem escovado do pó dos estatismos, sem currículo antifascista e a quem reconheço algum mérito.
Há, pois, no novo governo dois ou três titulares a quem posso apertar a mão, apesar das divergências. Pode ser que a mudança signifique o fim de carreira para aqueles progressistas assanhados que, há 40 anos, com assinalável sacrifício pessoal, vieram da Rive Gauche para nos "desenvolver" e "democratizar" — e nos deixaram falidos e mal pagos. Só isto, na hora negra que passa, já é de celebrar.
Receita Redonda
Dos Procuradores da Troika
Escrúpulo, Esse Bota de Elástico...
Caldo de Cultura (XVII)
Quinta-feira é dia de almoço dos Jovens do Restelo. Para além dos residentes Duarte, João, Miguel e Paulo, o encontro desta semana contou novamente com a presença do Luís Afonso, o tal Último Nan Ban Jin que por estas alturas aproveita o regresso temporário à Capital do Império. Mas não foi a única presença extraordinária. Desta vez compareceu também o Humberto Nuno Oliveira, estimado confrade e grande apreciador da cervejaria que serve de base a esta conspiração. Como é da praxe, cada um trouxe o seu livro. Mais uma vez, cabe aos leitores descobrir quem levou o quê.
Libertem a Balança!
A Justiça e a Vingança Divina Perseguindo o Crime, de P-P. Proud´hon
Sem Rei nem roque
Directo ao Fim
Prata da República
Para aqueles que insistem em chamar (erradamente) de fascismo o período do Estado Novo português, trago aqui a moeda comemorativa da implantação da república, cunhada em 1914. É certo que o fascismo, enquanto ideal e regime, ainda estava para nascer, mas não deixa de ser curiosa a utilização do fascio pelos republicanos portugueses.
Os Poleiros
A questão que fica e que gera alguma curiosidade é quem serão os novos Ministros do País. Quais serão as caras do novo governo?
Não sou comentador dos posts do Miguel, mas...
Como prescreve o provérbio: «Segredo em boca de mulher é manteiga em focinho de cão»...
Mal Maior
Uma reunião nada Clara
Podia ser uma bela piada, mas tudo indica que é mesmo verdade. Parece que este ano o contingente português no encontro do grupo Bilderberg inclui, para além do habitual Francisco Pinto Balsemão e do conselheiro de Passos-Coelho António Nogueira Leite, a ilustre Clara Ferreira Alves. A lista refere-se à personagem como escritora e «CEO» da Claref Lda. Uma rápida busca no Google indica que a Claref é uma sociedade unipessoal com sede num rés-do-chão da Rua da Artilharia Um, dedicada à «Produção de Filmes, de Vídeos e de Programas de Televisão». Meus amigos, eu não acredito em bruxas, mas...
L´Important C´est la Rosie!
Qual Peçonhento!
PAN! (Breve nota eleitoral)
Lembrei-me dele enquanto revia os resultados eleitorais lendo o post do Miguel sobre os pequenos partidos, e me detive no PAN - Partido dos Animais e da Natureza, que obteve 57 641 votos. Apesar de tudo, não é preciso exagerarmos: o número não representa muito. Mas é o suficiente para relembrar o velho Augusto de Castro, que em tempos escreveu um artigo intitulado Os Tezos, que iniciou com a seguinte frase:
O resto do texto descai para uma interpretação da psicologia portuguesa, e análise da situação política da época. Tem interesse para quem se interessar.
Mas para o leitor que não me conhece, desejo apenas sublinhar: sou daqueles que preza muito a exclusividade. E por isso acho necessário relembrar a velha lição do escritor irlandês. Acabamos sempre por matar aquilo que amamos? Sim, Oscar Wilde tinha razão.
Caldo de Cultura (XVI)
Esta semana, o almoço das quintas contou com duas presenças muito especiais: nada mais nada menos do que Lourenço Morais e Luís Afonso, também conhecido como o Último Nan Ban Jin. Posso dizer que o jovem Lourenço estava incluído nos planos desde que surgiu a ideia de lançar este blogue. Só que, durante uns tempos, andou estranhamente desaparecido. Qual filho pródigo, regressou esta quinta-feira ao convívio e recebeu de imediato o convite para ingressar no blogue. Quanto ao Luís Afonso, é o autor do aclamado The Last Nan Ban Jin. Interrompendo o seu exílio japonês, aproveitou o regresso à Metrópole para honrar com a sua presença o almoço das quintas-feiras. Ambos trouxeram livros que, juntando aos volumes dos jovens residentes, constituem o desafio desta semana. Afinal, quem levou o quê?
10 de Junho
Catilina, e vós outros dos antigos
Que contra vossas pátrias, com profano
Coração, vos fizestes inimigos:
Se lá no reino escuro de Sumano
Receberdes gravíssimos castigos,
Dizei-lhe que também dos Portugueses
Alguns traidores houve algumas vezes.»
Ali pela segunda metade do século XVI, Camões ainda não tinha visto nada. Hoje os traidores são a regra, inchados ademais de legitimidade democrática. O problema actual, todavia, é menos o dos traidores que o do próprio regime. Como se disse (e bem) na pretérita campanha eleitoral, não se pode esperar que os homens que nos mergulharam na crise nos façam emergir dela. Mas do mesmo passo, também não se alcança como o sistema que nos conduziu à bancarrota nos possa trazer agora a prosperidade. Os regimes, às vezes, nascem risonhos e vão com o andar do tempo entristecendo. Mas não há nenhum que, nascendo torto, se endireite.
Até ao Lavar dos Cestos
A Compra Imoral
A imagem é, por Bernard Buffet, O Império ou Os Prazeres da Guerra: Depois da Violação