Canta-me como foi
«Catraia», Os Tornados.
O revivalismo está na moda e não há volta a dar. Os Tornados são do Porto e não se limitam a recuperar a sonoridade rock'n'roll que marcou os anos 60. Desde a atitude aos instrumentos e roupas utilizadas, tudo é feito com uma desconcertante fidelidade à época. É, ao mesmo tempo, a grande força e a principal fraqueza deste grupo. A ânsia de replicação impede a banda de ir mais além, de afirmar-se como uma referência própria. Mesmo assim, o disco «Twist do Contrabando», lançado em 2009, é um bom conjunto de canções que surpreende sem maravilhar. Ao que parece, neste momento Os Tornados estão em estúdio a preparar um segundo álbum. Enquanto não há mais novidades, fiquemos com esta «Catraia».
Macaquinhos no Sótão
Sugestão para a noite de Sábado
Adepto inveterado do cinema europeu de '60-'70 e, quando muito '80, não tenho grande pachorra para filmes estadounidenses, sobretudo os actuais, repletos de clichés demo-liberais, multi-culti e outras parvoíces. Contudo - e ainda bem! - há excepções. E boas. Uma delas é The Apostle, escrito, dirigido e interpretado pelo grande Robert Duvall, o incomparável Consigliere da saga Godfather, o napalm cowboy de Apocalypse Now, o apaixonado pelo tango e pela Pátria gaúcha, quem volta e meia encontro a caminhar por Buenos Aires junto com sua bella mujer argentina. Em contas muito resumidas: a obra trata de um pastor evangélico mulherengo que se mete num grande sarilho e vê-se obrigado a fugir para o Sul, onde, recomeçando a vida sob identidade diversa, constrói a sua igreja e volta a pregar, convertendo e praticando o bem na pequena comunidade.
Tempo de Vacas Magras
Reler Abril
Agora que a solução foi revelada, já posso dizer o que me fez levar este livro ao último almoço das quintas. Editado em 2009, «Alvorada Desfeita» passou (convenientemente) ao lado de quase toda a gente. Ou porque faz parte de um género pouco explorado em Portugal — a história alternativa — ou porque assenta na premissa do fracasso do 25 de Abril tal como o conhecemos, a verdade é que a edição não conheceu grande sucesso comercial. O que é pena, porque é um livro extraordinário pelas reflexões a que conduz.
Quase quarenta anos após o golpe que pôs fim ao Estado Novo, já é tempo de submeter a data a uma análise objectiva deixando de lado paixões e sacralizações. Tal como o livro descreve, as coisas podiam ter corrido de forma bem diferente. Se é verdade que, em 1974, Portugal estava numa situação de grande impasse, com um regime que precisava de mudanças decididas e decisivas, não é menos verdade que o 25 de Abril teve consequências catastróficas. Um golpe de estado que durante um par de anos transformou o país numa espécie de «manicómio em auto-gestão», colocando-o no limiar de um conflito armado; e que levou a uma «descolonização» que de exemplar só teve o nome, forçando milhares de portugueses a uma fuga precipitada das suas casas e abandonando milhões de outros a sangrentas guerras civis. Era difícil fazer pior, e só por ingenuidade ou egoísmo se pode continuar a festejar Abril. Nesse sentido, «Alvorada Desfeita» apresenta um retrato alternativo que, apesar de ficcional, abre interessantes discussões. Afinal, Portugal poderia ter sido tão diferente.
A Centelha
Um Comércio de Morte
Toda a simpatia que poderia inspirar a intenção de proporcionar alívio é esterilizada pela procura do ganho subjacente, numa actividade impuramente mercenária que, ao contrário da dos Profissionais de Saúde, não visa apoiar a resistência individual, mas tornar acessível a via rápida para a Desistência.
Acresce, impressivamente, uma difusa desconfiança de que, sendo a macabra empresária que disponibilizou o kit de suicídio uma nonagenária, algum perverso prazer comparativo poderia retirar da abreviação de vidas mais curtas, uma das poucas explicações possíveis para a insensibilidade de despachar, a pedido, encomendas mortíferamente... despachantes. A Eutanásia nunca poderá ser completamente entregue à iniciativa privada.
Uma autêntica Dama de ferro
Toxicologia das Multidões
O Génio de Santa Comba era absolutamente céptico quanto ao entusiasmo em política, como aos arrebatamentos das e pelas massas, no que, considerados os ímpetos revolucionários delas, quer no campo Nacional, quer nos internacionalistas, igualitarizantes ou concorrenciais, me obriga a reconhecer-Lhe toda a razão. O aspecto algo embaraçado com que escuta os elogios e as juras de disponibilidades exacerbadas, como o facto de permanecer de pé, não disfarçam sob a capa da modéstia tímida e da polidez a pressa de pôr aquela malta a andar dali para fora.
É a irredutível diferença entre quem é vocacionado para exercer o Poder como uma constante de lucidez sacrificial e aqueles que o tomam sem maturação ou maturidade por um feito expresso na conquista e no serviço de um carisma. Sabe-se como a primeira postura costuma prevenir melhor as catástrofes.
Ninguém pára os Jovens!
Crepúsculo Em Abril
Se o conceito de Desobediência Civil de Thoreau tem uma base de partida mais admirável, porque assente na comoção face a situações de atentado à dignidade humana de outrem, pessoal ou nacional, conforme se referisse à Escravatura ou ao Expansionismo à custa dos Vizinhos do Sul, a força aqui empregue também merece uma certa dose de admiração, embora de diversa natureza - a devida à capacidade de autodefesa perante uma ofensiva de obtenção de receitas que se encontra atolada na ilegitimidade absoluta do esbanjamento correlato e da avalancha da repercussão dos sacrifícios.
O Rebelde do «Bosque» extrapolou, a partir da sua revolta, chegando à conclusão de que o melhor governo seria o que governasse o mínimo possível. Neste sentido, a acção violenta do Algarve, até porque dirigida a entes sem vida, é mais justa, porquanto brota da noção de que este Governo é que é tanto menos mau quanto menos governe. E a Justiça reside em tratar cada qual segundo o seu mérito, a generalização é sempre o inverso dela.
Ao contrário do que aparenta, o fogo não foi ateado pelos incendiários de que se trata. Eles apenas deitaram gasolina nas brasas sobre que os ameaçavam fazer andar. Alvorada em Abril? Só se for pela hora de mais este incidente...
Das Faltas de Espaço
Neste caso da cosmonáutica russa, porém, as dificuldades morfológicas parecem ser apenas um aperitivo para a verdadeira oposição, que é de incompatibilidades de caracteres acentuadas num ambiente restrito, sem viabilidade de passeios em papel de fuga, a salvação rotineira das oposições nos casais. E a conclusão a que se chega é que, num meio fechado como uma nave espacial, as incompreensões entre os géneros são precisamente da mesma natureza das que causam acidez doméstica. Talvez porque seja tentador fazer de uma cápsula um pequeno lar, ao contrário do ambiente mais lato e menos privado dos quartéis e academias. Tensão que poderia ter sido evitada se o Sr. Valeri Bogomolov e restantes responsáveis pela exploração espacial de Moscovo tivessem lido, ou distribuído, este manualzinho de relacionamento, como, simplesmente, seguido à risca o título expressivo que exibe:
Roga-se, contudo, que não seja inferida uma qualquer sugestão de que o envio de tripulações a Vénus devesse acarretar composições exclusivamente femininas...
Do ecrã para a estante
Ossos do Ofício
Desde logo porque o significado dela é o de "alguém com uma imagem sem mancha ter alguma vergonha escondida". Ora, em matéria financeira o actual Governo é todo ele uma nódoa, sem marketing que lhe valha, e não há contagem humanamente possível para os rabos de fora dos respectivos gatos orçamentais.
Mas também porque deixaram a Administração num estado de total arrombamento, à imagem dos Armários de Victorin Galière, sem hipótese de ocultar sequer o ossito duma falangeta, quanto mais ossadas completas! Ná, a impropriedade é tal que só podem estar a dar-nos música.
E, aí sim, encontrei no Enorme Louis Armstrong a explicação, através da sua recriação de «Skeleton in The Closet»; o que o Governante queria dizer é que estamos metidos numa dança:
(Falado)
Boy, don't you go in there
Come outa there, boy
Don't you know that house is haunted?
(Cantado)
There's an old deserted mansion
On an old forgotten roadWhere the better ghosts and goblins
Always hang out.
One night they threw a partyIn a manner à la mode
And they cordially invited
All the gang out
At a dark bewitchin' hour
When the fun was loud and hearty
A notorious wall flower
Became the life of the party
Mmm! The spooks were havin' their midnight fling
The merry makin' was in full swing
They shrieked themselves into a cheerful trance
When the skeleton in the closet started to dance
Now a goblin giggled with fiendish glee
A shout rang out from a big banshee
Amazement was in every ghostly glance
When the skeleton in the closet started to dance
All the witches were in stitches
While his steps made rhythmic thumps
And they nearly dropped their broomsticks
When he tried to do the bumpsYou never heard such unearthly laughter
Such hilarious groans
When the skeleton in the closet rattled his bones
Se o País está a falir, eu também falo
Pasmo de ver a desilusão dos meus compatriotas com o regime. O 25 de Abril não se fez para equilibrar as contas públicas ou combater o desemprego. Esses estimáveis objectivos não constavam do programa revolucionário. O essencial da data, para além da descolonização, foi garantir a liberdade de falar. E assim aconteceu.
Os Portugueses falam hoje pelos cotovelos, falam, falam, desunham-se a falar, embora poucos digam coisa de préstimo. Há mais telemóveis do que pessoas (bebés e surdos incluídos). Parece que os números apontam para dois aparelhos por cabeça; ou, com mais verdade anatómica, um por cada orelha. Certo que para este afã elocutório contribuíram menos os revolucionários do que os pacotes promocionais da TMN, Vodafone e Optimus. Foi o serviço de roaming que acabou de vez com o "orgulhosamente sós", uma população cinzenta a falar para dentro — e nos fez de golpe um povo cosmopolita e moderno à taxa de 30 cêntimos por minuto.
A posição de braço alçado a segurar o telemóvel na orelhinha é-nos natural e tão entranhada que, sem receio de ferir a ciência biológica, podemos crismar o fenómeno de mutação. Algumas pessoas experimentam já dificuldades em baixar o braço e mantê-lo alinhado com o corpo.
Em certo anúncio televisivo, as próprias ovelhas falam. Nesse episódio tocante de desenho bíblico e dimensão democrática, percebemos que — apesar de tudo — Abril cumpriu-se.
Mais Vale Tarde Do Que Nunca!
Mais um "jovem"
Gloria!
Anatomia da Folga
Está escrito: Nem só de pão vive o homem! Se por estas doze horitas tivermos de penar muita mais miséria, que seja. Não podemos é trocar por um sinal o Sinal, o da Cruz, que guardar o Dia da Ceia representa. Este laicismo materialista invasivo merece ser precipitado do alto do rochedo como o Tentador descrito no Evangelho. Vade retro!
Pena é que o Governo, tendo, o que é raro, agido bem, só neste domínio descubra como fundamento a Tradição. E suspeito-o de resumir o conceito ao descanso, sem pinga da Piedade associada, pois esta gente cinge a Espiritualidade ao telemovel e aos espectáculos, no que estará bem para um eleitorado que cada vez mais reduz a Quadra às férias. Julgo até que, à beira de eleição, as lições da História que terá retirado hajam sido as de evitar o sucedido no Cavaquismo, quando, com o mesmo pretexto, apesar de situação menos indigente, foi tentada a eliminação do feriado no Carnaval, originando a revolta e o decorrente princípio do fim.
A imagem é A Tentação de Cristo, por Duccio
Uma Santa Páscoa!
O problema do bibliófilo
Prontuário Terapêutico
Haja saúde!
Génese de uma Clivagem
O caso em si encontra-se muito mal estudado, hesitando os Historiadores actuais em considerar a predominância de uma questiúncula pessoal com o Comandante Militar do território, Coronel Genipro de Almeida, ou o carácter preponderante de uma verdadeira revolta contra a Situação.
A meu ver, a disputa é estéril. Em meios pequenos, nas mais das vezes, o Político torna-se pessoal e o Privado determina tanta vez os alinhamentos na luta pelo Poder...
O que gostaria de salientar é a tristeza de ver dois Lados que fizeram o que deviam mergulhando na incompreensão recíproca, por via da irredutibilidade dos pontos de Honra em que se firmavam. Os Herdeiros de Sardinha pugnando pela justiça aplicável aos matadores de um Camarada; o Estadista, moderando, em prol da composição a que um regime de muitos ideários coligados obrigava. É a perversão de um conflito entre Os que tinham a receita para salvar a Pátria e O que desse salvamento arcava com a responsabilidade imediata.
A versão impressa do protesto foi apreendida, pelo que raros exemplares terão sobrevivido. Havendo chegado às minhas mãos esta folha, com o texto dactilografado, dou-a à blogosfera, como subsídio e homenagem.
Uma derradeira frase finalizava o abaixo-assinado: Se qualquer outro cidadão português livre, quiser associar-se ao presente protesto, pode fazê-lo assinando esta folha e endereçando-a ao senhor Presidente do Ministério. Com as adaptações a que o tempo me obriga, é o que, emblemática e serodiamente, ora faço.
Mesmo apagado pelos anos, consegue-se ler, clicando em dobro.
Sugestão para Sábado à noite
Vai dar "barraca"
Caldo de Cultura (X)
Cheira a Verão
«Rei Bã», Os Pontos Negros.
Há mais de um ano atrás, escrevi aqui que «uma das características que distingue Lisboa de todas as grandes cidades que conheço é a sua luz. Uma claridade inconfundível». Por isso, e porque o céu limpo e o calor dos últimos dias têm feito maravilhas pelas vistas da cidade (em todos os sentidos), nada melhor do que ouvir um tema que nos fala de óculos de sol e olhares que «disparam ultravioletas».
Apocalipse de Raspão
Aspectos da Decadência
Momento Zoolander
Ora, voltando ao nosso rectângulo, lembram-se quando o primeiro-ministro disse: “Ó Luís, vê lá como fico a olhar assim para os... Achas que fica bem assim? Ou fica melhor assim?” Alguém notou a diferença? Pois...
Assistimos a uma (tragi)comédia. Sem graça de espécie alguma...
Perda de Velocidade
Chagas do Regime
Delírio semântico
Queridas Estatísticas!
Vidas Paralelas
Notícias da Frente (Literária) (II)
Em Portugal não há a tradição dos livros de bolso, e é uma pena. À excepção de algumas pequenas colecções, este formato nunca se conseguiu impor no mercado editorial, seja por falta de diversificação e qualidade da oferta ou insuficiência de procura. No entanto, com a crise económica a apertar e o uso crescente de transportes públicos, estes livros de bolso têm finalmente uma grande oportunidade, podendo tornar-se a companhia perfeita para muitos portugueses no seu trajecto entre casa e o trabalho.
Vem isto a propósito da reedição de «A Voz dos Deuses», de João Aguiar, em formato e preço reduzidos. Este autêntico best-seller nacional, lançado em 1985, conta com 28 edições (!) pela Asa, e faz agora parte da colecção BIS, da Leya, ao lado de «Inês de Portugal», do mesmo autor, e de clássicos como «O Processo» de Franz Kafka ou «A Cidade e as Serras» de Eça de Queiroz. Embora não seja um escritor brilhante, Aguiar tem uma escrita fluída, simples e muito gráfica, quase como se fosse uma banda desenhada sem quadradinhos. A isso junta-se, neste livro, um exaustivo trabalho de reconstituição histórica, baseado em dados etnográficos, históricos e arqueológicos. Em «A Voz dos Deuses», Aguiar leva-nos até à antiga Lusitânia e à resistência dos povos ibéricos ao domínio romano. Só que a personagem principal é, não Viriato, mas um dos seus companheiros de armas, Tongio, que narra as memórias das sucessivas campanhas. Através das suas palavras, acompanhamos a ascensão e queda do chefe lusitano e, percorrendo vários locais da Península Ibérica, de vitória em vitória, somos levados até à derrota final. Para além disso, como é habitual nos livros de João Aguiar sobre a Lusitânia, há uma forte presença do sobrenatural, personificada pela acção dos vários deuses do panteão lusitano. Em resumo, «A Voz dos Deuses» pode não ser o livro de uma vida, mas é sem dúvida um clássico para todas as idades, com leitura mais do que obrigatória tendo em conta o preço desta edição.
Sugestão para Sábado à noite
Crime Em Massa
A Sensatez Em Migalhas
Não, o problema é que a aversão cega. E os queixosos não terão percebido patavina do que se jogava: o espírito dos repartidores do Mundo, em Yalta, era precisamente esse - o de comer os Alemães, em especial os de vocação hitleriana. O que, consumado, faria deste incidente uma mera continuidade. Mas a quem tenha por especiosa tal interpretação, ofereço a prova dos noves - Em 1683 os fabricantes de bolos de Viena, justamente, inventaram o croissant, transposição alimentar do Crescente Islâmico, para celebrar o salvamento da Cidade até aí cercada pelos Turcos, por Sobieski. Com esta genealogia, como é possível a iniciativa que aqui se problematizou?
A pintura alusiva é de Jan Mateijko.
Eça nunca falha
Logo no primeiro capítulo das suas Cartas de Inglaterra, o nosso Eça de Queiroz escreve que «a História é uma velhota que se repete sem cessar». Se assim for, e tendo em conta a realidade política destes dias, podemos estar certos que isto ainda vai piorar (bastante) antes de melhorar (um bocadinho). A única dúvida está em saber quem são os republicanos que quebrarão este rotativismo.