Fosse eu dado a teorias da conspiração e acharia a bom achar que a
descida de Lisboa no algo arbitrário
ranking das cidades, em termos de qualidade de vida, corresponderia a uma jogada das ominosas multinacionais e sinistras organizações supra-nacionais para diminuírem as ajudas de custo aos empregados que para a
Cidade das Sete Colinas quisessem enviar. Só que quem cai no fanatismo da adesão a essas explicações raro mantém os olhos disponíveis para ver o que o rodeia. E, no caso, é muito mais simples e lastimável. Há muito menos carros que há dois anos, o que é positivo para o ambiente. Mas não se enxergam condições anímicas para fruir esse benefício. Entre lojas a fechar, menos dinheiro no bolso, incerteza angustiante e dor difusa perante as chicotadas de administrações insensíveis, entretanto tornadas a rotina, os passantes ostentam um ar deprimido como nunca antes notei e o perigo do contágio suscita uma preocupação crescente. No meio disto tudo, encontra-se num
graffitto o desabafo descritivo que se impõe:

Jamais tinha sentido qualquer simpatia pelos gatafunhos que sujam paredes para dar vazão a vulcões internos exacerbados e sem dons de expressão superiores. Fazia minha a indignação desse Grande Defensor do Património que é o
Bic Laranja e maquinava retribuições justiceiras que pintassem as caras dos borradores de muros com as próprias tintas. Mas perante a agressão constante a que os nossos Compatriotas vêm sendo sujeitos, dou comigo a sintonizar-me com os desabafos inscritos nos arruamentos por onde me movo e, até, a cantá-los. Ao que nós chegámos!
GRAFFITTI
Nunca saberei como e quem és,
Tu, que tomei por Alma-Gémea,
à mensagem em garatujas emanada
da parede da minha indiferença
agora felizmente alterada
pelas tintas que são tudo menos meias.
É certo, o expediente repugna,
macular com egos a pretensa harmonia.
Mas o imparcial não existe
e em excepção a tempo Te ergueste,
ao deixar-me o consolo indelével
de saber vogando por aí
alguém que sente como eu.
Foi na rude nota assim tangida,
urbana decerto, salvo no grito,
o encontro com prementes reservas elididas,
outorgantes do coincidir no julgar e no achar,
alívios drásticos duma opressiva solidão.