Adeus, até ao nosso regresso...
Há muito que as voltas da vida impedem os "jovens" de fazer o seu almoço regularmente. Tal tem-se reflectido no blog e quem fica a perder são os leitores. Por isso decidimos suspendê-lo, mantendo no entanto todas as publicações passadas.
Não se trata de uma simples despedida. É antes um fim que anuncia um princípio. Quando? Onde? O futuro é naturalmente desconhecido. Mas fica a promessa de um regresso... Numa manhã de nevoeiro.
Puta que os pariu
Os americanos preparam-se para lançar as suas democráticas bombas sobre a Síria. São já setenta anos de bombardeamentos feitos por esses canalhas contra dezenas de nações. Está na hora de lhes dizermos: basta!
Jacques Heers, um mestre da Idade Média
No início deste ano, partiu um dos mais brilhantes medievalistas franceses e europeus. Autor de uma quantidade de obras verdadeiramente impressionante, investigador incansável e historiador livre, Jacques Heers (6/7/1924 – 10/1/2013) foi professor em várias universidades e director de Estudos Medievais na Sorbonne. Os seus principais trabalhos abalaram ideias preconcebidas e revelaram uma realidade muito diferente da que ainda hoje é comummente aceite. Regresso a um mestre.
Foi ainda na adolescência, quando devorava aquelas colecções de livros encadernados do Círculo de Leitores que sintetizavam a História da Europa e do mundo, que tive o meu primeiro encontro com Jacques Heers. Ao ler o segundo volume da “História Universal”, dedicado ao Mundo Medieval, publicado em Portugal em 1977, descobri uma Idade Média bastante diferente da que era ensinada na escola e daquela com que me maravilhava nos romances de cavalaria. Foi a chegada a um novo mundo, que me faria desconfiar para sempre da conhecida classificação “Idade das Trevas” e aguçar a minha curiosidade por um período fascinante. Ao longo do meu curso de História e da posterior pós-graduação em Estudos Medievais recorri a Heers por várias vezes. Foi um historiador que muito me marcou, não apenas pelo período apaixonante que tratou, mas também pelo seu estilo independente e pelas suas conclusões de grande mérito para a investigação séria.
Uma carreira brilhante
Formado na Sorbonne, Jacques Heers torna-se professor e, em 1951, investigador do conceituado CNRS. Por indicação de Fernand Braudel, é enviado para Itália para desenvolver a sua tese de doutoramento sobre Génova no século XV, que defende na Sorbonne em 1958. Torna-se assistente de Georges Duby na Faculdade de Letras de Aix-en-Provence e depois é professor em várias universidades, como Argel, Caen, Roeun, Nanterre e na Sorbonne, onde é director de Estudos Medievais.
Foi bastante influenciado por Braudel que o “marcou, apesar de nem sempre subscrever os seus trabalhos”, Yves Renouard, grande especialista na História de Itália, e Duby, que considerou ter tido “um influência inegável” nos seus trabalhos e que sempre o tratou bem, apesar de ambos não partilharem as mesmas opções políticas.
Uma impostura
Publicado em Portugal em 1994, “A Idade Média, um Impostura” é um livro provocador que desfaz os principais mitos normalmente associados a este período histórico. Na Introdução, afirma: “Não raras vezes, as nossas sociedades intelectuais revelam-se abertamente racistas. Não no sentido em que o entendemos habitualmente, quer dizer, condenações ou desprezo pelas civilizações, religiões ou costumes diferentes dos nossos, mas por espantosa propensão para ajuizar mal o seu passado”. É esse mau juízo da Idade Média que Heers rebate nesta obra. Para ele, a Idade Média propriamente dita nunca existiu, já que a divisão do tempo histórico em diferentes períodos cronológicos não passa de uma convenção que não corresponde à realidade. Afirma Heers que “cada sociedade inventa os seus bodes expiatórios, reflexo para justificar fracassos ou desenganos, e sobretudo para alimentar animosidades” e considera que “Idade Média” e “Renascimento” são “palavras inventadas”.
Nesta obra, é também refutado o mito do “Renascimento”, nomeadamente do progresso em relação ao tempo anterior, que foi uma criação de publicistas ao serviço de um príncipe que convinha glorificar.
Mas a lenda da Idade Média como período obscuro, que transformou palavras como “medieval” ou “feudal” em verdadeiros insultos, resulta de uma orquestração levada a cabo pelos revolucionários de 1789 e pelas escolas da História ‘engagée’.
Neste livro, o autor faz “uma contestação da noção de Idade Média em si própria, do seu carácter ambíguo e impreciso, e dos abusos que, com demasiada naturalidade, dela se fazem; e isto, em particular, face a outra entidade abstracta, igualmente vaga e arbitrária: o Renascimento”. Também procede ao “exame do afinco posto na condenação dos ‘tempos feudais’, e dessa literatura, cujos efeitos continuamos a sofrer, que se empenhou em apresentar o feudalismo a uma luz completamente falsa”. Por fim, faz “a análise de alguns aspectos de sociedade ou de civilização que essa lenda negra e os hábitos entretanto adquiridos ainda hoje apresentam sob uma aparência hedionda, mas a que muitos trabalhos recentes trazem interessantes e surpreendentes correcções”.
História e memória
Numa excelente entrevista concedida a “La Nouvelle Revue d’Histoire” em 2007, Jacques Heers explicou a oposição entre História e memória, a propósito do seu livro “L’Histoire assassinée”, afirmando que “a História e a memória não têm nada de comparável. São mesmo incompatíveis”. Para este historiador é uma questão que toca a situação actual, porque hoje se pensa que fazer memória é fazer História. Como ele explica, “a memória é a celebração ou a recordação do que se passou na vida de um indivíduo ou de uma comunidade. Mas, nesse exercício há apenas uma óptica onde não encontramos qualquer confrontação ou crítica. Ao passo que a História é uma reconstrução artificial e crítica que tem em conta diferentes ópticas”.
A importância das especiarias
Na sua investigação de doutoramento, Heers chegou à conclusão que o comercio de especiarias no Mediterrâneo nos séculos XIV e XV foi sobrevalorizado pelos historiadores. Na verdade, o trigo, o sal e outros produtos tinham muito mais importância que as especiarias, tanto em volume como valor nas trocas. Até Braudel, que sempre evocou a importância das especiarias nas trocas comerciais nesse período, reconheceu o valor científico das conclusões dos trabalhos de Heers.
Sobre a queda de Génova e de Veneza, Heers afirmou, na entrevista citada, que “teria sido provocada pelos portugueses quando estes descobriram a rota marítima das Índias pelo Cabo da Boa Esperança para trazer a melhor preço a pimenta e as especiarias. A pimenta e as especiarias estariam na origem da fortuna de Veneza e de Génova? Não. Génova deve a sua primeira riqueza à guerra e Veneza ao trigo e ao sal”.
O suposto contributo árabe
Outra das questões analisadas por Heers, que ainda hoje suscita polémica, é a da importância dos árabes na transmissão e na redescoberta do pensamento grego na Europa. Para ele, é algo que está sobrevalorizado, já que o ensino do pensamento grego no Ocidente “nunca cessou nas escolas catedrais e depois nas primeiras universidades. Servíamo-nos, então, de traduções latinas dos textos gregos originais que os clérigos e eruditos de Constantinopla haviam guardado e difundido em larga escala. As traduções do grego em língua árabe e do árabe para o latim apareceram relativamente tarde, quando o ensino já estava estabelecido no Ocidente, onde há mais de um século que a Lógica, directamente inspirada em Aristóteles, era reconhecida como uma das sete ‘artes liberais’ do curso universitário”.
Foi ainda na adolescência, quando devorava aquelas colecções de livros encadernados do Círculo de Leitores que sintetizavam a História da Europa e do mundo, que tive o meu primeiro encontro com Jacques Heers. Ao ler o segundo volume da “História Universal”, dedicado ao Mundo Medieval, publicado em Portugal em 1977, descobri uma Idade Média bastante diferente da que era ensinada na escola e daquela com que me maravilhava nos romances de cavalaria. Foi a chegada a um novo mundo, que me faria desconfiar para sempre da conhecida classificação “Idade das Trevas” e aguçar a minha curiosidade por um período fascinante. Ao longo do meu curso de História e da posterior pós-graduação em Estudos Medievais recorri a Heers por várias vezes. Foi um historiador que muito me marcou, não apenas pelo período apaixonante que tratou, mas também pelo seu estilo independente e pelas suas conclusões de grande mérito para a investigação séria.
Uma carreira brilhante
Formado na Sorbonne, Jacques Heers torna-se professor e, em 1951, investigador do conceituado CNRS. Por indicação de Fernand Braudel, é enviado para Itália para desenvolver a sua tese de doutoramento sobre Génova no século XV, que defende na Sorbonne em 1958. Torna-se assistente de Georges Duby na Faculdade de Letras de Aix-en-Provence e depois é professor em várias universidades, como Argel, Caen, Roeun, Nanterre e na Sorbonne, onde é director de Estudos Medievais.
Foi bastante influenciado por Braudel que o “marcou, apesar de nem sempre subscrever os seus trabalhos”, Yves Renouard, grande especialista na História de Itália, e Duby, que considerou ter tido “um influência inegável” nos seus trabalhos e que sempre o tratou bem, apesar de ambos não partilharem as mesmas opções políticas.
Uma impostura
Publicado em Portugal em 1994, “A Idade Média, um Impostura” é um livro provocador que desfaz os principais mitos normalmente associados a este período histórico. Na Introdução, afirma: “Não raras vezes, as nossas sociedades intelectuais revelam-se abertamente racistas. Não no sentido em que o entendemos habitualmente, quer dizer, condenações ou desprezo pelas civilizações, religiões ou costumes diferentes dos nossos, mas por espantosa propensão para ajuizar mal o seu passado”. É esse mau juízo da Idade Média que Heers rebate nesta obra. Para ele, a Idade Média propriamente dita nunca existiu, já que a divisão do tempo histórico em diferentes períodos cronológicos não passa de uma convenção que não corresponde à realidade. Afirma Heers que “cada sociedade inventa os seus bodes expiatórios, reflexo para justificar fracassos ou desenganos, e sobretudo para alimentar animosidades” e considera que “Idade Média” e “Renascimento” são “palavras inventadas”.
Nesta obra, é também refutado o mito do “Renascimento”, nomeadamente do progresso em relação ao tempo anterior, que foi uma criação de publicistas ao serviço de um príncipe que convinha glorificar.
Mas a lenda da Idade Média como período obscuro, que transformou palavras como “medieval” ou “feudal” em verdadeiros insultos, resulta de uma orquestração levada a cabo pelos revolucionários de 1789 e pelas escolas da História ‘engagée’.
Neste livro, o autor faz “uma contestação da noção de Idade Média em si própria, do seu carácter ambíguo e impreciso, e dos abusos que, com demasiada naturalidade, dela se fazem; e isto, em particular, face a outra entidade abstracta, igualmente vaga e arbitrária: o Renascimento”. Também procede ao “exame do afinco posto na condenação dos ‘tempos feudais’, e dessa literatura, cujos efeitos continuamos a sofrer, que se empenhou em apresentar o feudalismo a uma luz completamente falsa”. Por fim, faz “a análise de alguns aspectos de sociedade ou de civilização que essa lenda negra e os hábitos entretanto adquiridos ainda hoje apresentam sob uma aparência hedionda, mas a que muitos trabalhos recentes trazem interessantes e surpreendentes correcções”.
História e memória
Numa excelente entrevista concedida a “La Nouvelle Revue d’Histoire” em 2007, Jacques Heers explicou a oposição entre História e memória, a propósito do seu livro “L’Histoire assassinée”, afirmando que “a História e a memória não têm nada de comparável. São mesmo incompatíveis”. Para este historiador é uma questão que toca a situação actual, porque hoje se pensa que fazer memória é fazer História. Como ele explica, “a memória é a celebração ou a recordação do que se passou na vida de um indivíduo ou de uma comunidade. Mas, nesse exercício há apenas uma óptica onde não encontramos qualquer confrontação ou crítica. Ao passo que a História é uma reconstrução artificial e crítica que tem em conta diferentes ópticas”.
A importância das especiarias
Na sua investigação de doutoramento, Heers chegou à conclusão que o comercio de especiarias no Mediterrâneo nos séculos XIV e XV foi sobrevalorizado pelos historiadores. Na verdade, o trigo, o sal e outros produtos tinham muito mais importância que as especiarias, tanto em volume como valor nas trocas. Até Braudel, que sempre evocou a importância das especiarias nas trocas comerciais nesse período, reconheceu o valor científico das conclusões dos trabalhos de Heers.
Sobre a queda de Génova e de Veneza, Heers afirmou, na entrevista citada, que “teria sido provocada pelos portugueses quando estes descobriram a rota marítima das Índias pelo Cabo da Boa Esperança para trazer a melhor preço a pimenta e as especiarias. A pimenta e as especiarias estariam na origem da fortuna de Veneza e de Génova? Não. Génova deve a sua primeira riqueza à guerra e Veneza ao trigo e ao sal”.
O suposto contributo árabe
Outra das questões analisadas por Heers, que ainda hoje suscita polémica, é a da importância dos árabes na transmissão e na redescoberta do pensamento grego na Europa. Para ele, é algo que está sobrevalorizado, já que o ensino do pensamento grego no Ocidente “nunca cessou nas escolas catedrais e depois nas primeiras universidades. Servíamo-nos, então, de traduções latinas dos textos gregos originais que os clérigos e eruditos de Constantinopla haviam guardado e difundido em larga escala. As traduções do grego em língua árabe e do árabe para o latim apareceram relativamente tarde, quando o ensino já estava estabelecido no Ocidente, onde há mais de um século que a Lógica, directamente inspirada em Aristóteles, era reconhecida como uma das sete ‘artes liberais’ do curso universitário”.
Diálogos bibliófilos
— Se tal não acontecesse, nunca conseguiríamos formar bibliotecas como as que temos... — respondeu, com um sorriso, o bibliófilo optimista.
— Os livros têm que circular. — afirmou o alfarrabista.
Bem-vindos!
Permito-me saudar em nome de todos os Jovens do Restelo a chegada a esta teia mundial do blogue colectivo Prometheo Liberto.
Da blogosfera de qualidade
O nosso caríssimo confrade e amigo Marcos, veterano bloguista da velha guarda, acaba de abrir um espaço histórico-cultural, na blogosfera portuguesa, para falar de uma matéria em que é um dos maiores especialistas mundiais: Salazar e Maurras, de Marcos Pinho de Escobar.
Os escritores de 14
Schoendoerffer, o eterno soldado
No dia 14 de Março de 2012, com 83 anos, deixava o mundo dos vivos um dos maiores nomes do cinema francês. Realizador, documentarista, argumentista, escritor, repórter fotográfico, viveu e sentiu a guerra e transmitiu-a como poucos. Esta é uma justa e merecida homenagem a quem nunca esqueceu aqueles que cumpriram o seu dever.
Nascido em 1928 numa família de origem alsaciana, Pierre Schoendoerffer cresceu a ler os grandes romances de aventuras. Com dezanove anos foi marinheiro e esteve embarcado. Quando regressa a Paris sente a atracção pelo cinema, mas este é um mundo onde não é fácil entrar.
Em 1951, alista-se e segue para a Indochina como ‘cameraman’ dos serviços cinematográficos militares franceses e acompanha os seus camaradas de câmara em punho, filmando operações em plena selva. A 18 de Março de 1954 salta de pára-quedas sobre Dien Bien Phu para registar a batalha. É feito prisioneiro e passa vários meses num campo do Viet Minh, as bobines são-lhe confiscadas e nunca as conseguiria recuperar. Sobre essa experiência, da qual raramente falava, afirmou: “Como prisioneiro fui ao fundo da natureza humana”.
A sua experiência directa vai ter uma influência fundamental na forma como transmite a guerra nos seus romances ou como a projecta no grande ecrã, revolucionando o modo de a filmar.
Obra
Schoendoerffer torna-se depois repórter fotográfico de guerra e os seus trabalhos são publicados em grandes revistas como “Paris-Match”, “Time”, ou “Life”. Mas o cinema continua a ser a sua paixão. Em 1956 co-realiza, com Jacques Dupont, o documentário “La Passe du Diable”, com argumento de Joseph Kessel. É o início de uma carreira onde assina cerca de uma vintena de obras, incluindo longas e curtas-metragens e documentários. Em 1967 ganha o Óscar da Academia com “La Section Anderson”, um documentário que filmou acompanhando um pelotão norte-americano na Guerra do Vietname, em 1966, durante o pico dos combates.
Torna-se também escritor e é o autor de meia dúzia de romances, quase todos passados ao cinema. O primeiro, de 1963, “La 317ème section”, será adaptado por ele próprio ao cinema e torna-se um dos seus filmes mais conhecidos. Outro dos seus romances marcantes foi “Le Crabe-Tambour”, escrito em 1976, com o qual venceu o grande prémio da Academia Francesa, também passado ao cinema um ano depois.
“La 317ème section”
Considerado pelo realizador Costa-Gravas – que enquanto presidente da Cinemateca francesa o mandou restaurar para ser projectado no Festival de Cannes em 2010 – como “o melhor filme francês sobre a guerra”, torna-se um testemunho inigualável da Guerra da Indochina.
A história centra-se num episódio dos últimos dias da guerra, a seguir à vitória dos comunistas vietnamitas em Dien Bien Phu. O sub-tenente Torrens (Jacques Perrin) e o ajudante Willsdorff (Bruno Cremer) têm como missão liderar a retirada de um pelotão composto por soldados laocianos pelo meio da selva num percurso de 150 km. Vai ser uma caminhada pelo Inferno, enfrentando emboscadas, o clima, os mosquitos, etc. Neste ambiente de desespero e morte, é a própria natureza humana que está em causa. A hierarquia, a camaradagem e, em especial, a relação entre o veterano Willdorff e o jovem Torrens.
Apesar de se tratar de uma ficção, Schoendoerffer baseia-se na sua experiência pessoal e nos testemunhos da altura. Durante a rodagem, recusa o conforto e impõe aos actores um estilo de vida militar de modo a atingir maior realismo. O resultado é um quase-documentário que filma a guerra e os seus protagonistas sem falsos heroísmos.
“Le Crabe-Tambour”
Neste filme de 1977, Schoendoerffer vai de novo centrar-se na natureza humana, nas interrogações da vida e tudo, claro, num ambiente militar, desta vez a bordo. A história é a de um comandante de um navio a quem é confiado um último comando antes de se retirar. A sua missão é a assistência e vigilância à pesca de fundo na Terra Nova. Mas durante esta viagem, embarca também numa viagem de busca pessoal, através das recordações de um antigo comandante conhecido como Crabe-Tambour, que é uma figura lendária de grande influência em quem o conheceu.
Esta figura é baseada directamente no comandante Pierre Guillaume, também conhecido como Crabe-Tambour, oficial de marinha veterano da Guerra da Indochina e da Argélia, onde participou no chamado “Putsch dos Generais”, em 1961, pelo qual é condenado, para a seguir integrar a OAS.
Pierre Guillaume participa na rodagem do filme como conselheiro técnico e acaba por fazer também figuração.
Influência
A obra de Pierre Schoendoerffer teve uma influência directa não só numa nova forma de encarar cinematograficamente a guerra, mas em vários filmes bastante conhecidos. O mais famoso de todos é, sem dúvida, a obra-prima de Francis Ford Coppola, “Apocalypse Now”, de 1979, com argumento de John Milius, baseado no livro de Joseph Conrad, “Coração das Trevas”. Coppola filmou originalmente uma cena que ficou conhecida como a da “plantação francesa” e que só entraria na versão “Redux”, em 2001, mas que havia sido tornada conhecida através do documentário sobre a rodagem do filme, “Hearts of Darkness”, em 1991. Essa cena reproduz uma passagem exactamente igual a uma de “La 317ème section”, que é a metáfora do ovo. Perante a questão sobre o futuro daqueles territórios, as personagens partem um ovo com a mão, deixando escorrer a clara e dizendo: “o branco parte e o amarelo fica...” Milius era um grande admirador do romance de Schoendoerffer “Adeus ao Rei” e inspirou-se no livro para certos cenários de “Apocalypse Now” e, em 1989, realizou o filme homónimo baseado nessa obra. Também Oliver Stone se inspirou nos métodos usados por Schoendoerffer para rodar “Platoon”, em 1986.
Nascido em 1928 numa família de origem alsaciana, Pierre Schoendoerffer cresceu a ler os grandes romances de aventuras. Com dezanove anos foi marinheiro e esteve embarcado. Quando regressa a Paris sente a atracção pelo cinema, mas este é um mundo onde não é fácil entrar.
Em 1951, alista-se e segue para a Indochina como ‘cameraman’ dos serviços cinematográficos militares franceses e acompanha os seus camaradas de câmara em punho, filmando operações em plena selva. A 18 de Março de 1954 salta de pára-quedas sobre Dien Bien Phu para registar a batalha. É feito prisioneiro e passa vários meses num campo do Viet Minh, as bobines são-lhe confiscadas e nunca as conseguiria recuperar. Sobre essa experiência, da qual raramente falava, afirmou: “Como prisioneiro fui ao fundo da natureza humana”.
A sua experiência directa vai ter uma influência fundamental na forma como transmite a guerra nos seus romances ou como a projecta no grande ecrã, revolucionando o modo de a filmar.
Obra
Schoendoerffer torna-se depois repórter fotográfico de guerra e os seus trabalhos são publicados em grandes revistas como “Paris-Match”, “Time”, ou “Life”. Mas o cinema continua a ser a sua paixão. Em 1956 co-realiza, com Jacques Dupont, o documentário “La Passe du Diable”, com argumento de Joseph Kessel. É o início de uma carreira onde assina cerca de uma vintena de obras, incluindo longas e curtas-metragens e documentários. Em 1967 ganha o Óscar da Academia com “La Section Anderson”, um documentário que filmou acompanhando um pelotão norte-americano na Guerra do Vietname, em 1966, durante o pico dos combates.
Torna-se também escritor e é o autor de meia dúzia de romances, quase todos passados ao cinema. O primeiro, de 1963, “La 317ème section”, será adaptado por ele próprio ao cinema e torna-se um dos seus filmes mais conhecidos. Outro dos seus romances marcantes foi “Le Crabe-Tambour”, escrito em 1976, com o qual venceu o grande prémio da Academia Francesa, também passado ao cinema um ano depois.
“La 317ème section”
Considerado pelo realizador Costa-Gravas – que enquanto presidente da Cinemateca francesa o mandou restaurar para ser projectado no Festival de Cannes em 2010 – como “o melhor filme francês sobre a guerra”, torna-se um testemunho inigualável da Guerra da Indochina.
A história centra-se num episódio dos últimos dias da guerra, a seguir à vitória dos comunistas vietnamitas em Dien Bien Phu. O sub-tenente Torrens (Jacques Perrin) e o ajudante Willsdorff (Bruno Cremer) têm como missão liderar a retirada de um pelotão composto por soldados laocianos pelo meio da selva num percurso de 150 km. Vai ser uma caminhada pelo Inferno, enfrentando emboscadas, o clima, os mosquitos, etc. Neste ambiente de desespero e morte, é a própria natureza humana que está em causa. A hierarquia, a camaradagem e, em especial, a relação entre o veterano Willdorff e o jovem Torrens.
Apesar de se tratar de uma ficção, Schoendoerffer baseia-se na sua experiência pessoal e nos testemunhos da altura. Durante a rodagem, recusa o conforto e impõe aos actores um estilo de vida militar de modo a atingir maior realismo. O resultado é um quase-documentário que filma a guerra e os seus protagonistas sem falsos heroísmos.
La 317ème Section (1965) |
“Le Crabe-Tambour”
Neste filme de 1977, Schoendoerffer vai de novo centrar-se na natureza humana, nas interrogações da vida e tudo, claro, num ambiente militar, desta vez a bordo. A história é a de um comandante de um navio a quem é confiado um último comando antes de se retirar. A sua missão é a assistência e vigilância à pesca de fundo na Terra Nova. Mas durante esta viagem, embarca também numa viagem de busca pessoal, através das recordações de um antigo comandante conhecido como Crabe-Tambour, que é uma figura lendária de grande influência em quem o conheceu.
Esta figura é baseada directamente no comandante Pierre Guillaume, também conhecido como Crabe-Tambour, oficial de marinha veterano da Guerra da Indochina e da Argélia, onde participou no chamado “Putsch dos Generais”, em 1961, pelo qual é condenado, para a seguir integrar a OAS.
Pierre Guillaume participa na rodagem do filme como conselheiro técnico e acaba por fazer também figuração.
Le Crabe-Tambour (1977) |
Influência
A obra de Pierre Schoendoerffer teve uma influência directa não só numa nova forma de encarar cinematograficamente a guerra, mas em vários filmes bastante conhecidos. O mais famoso de todos é, sem dúvida, a obra-prima de Francis Ford Coppola, “Apocalypse Now”, de 1979, com argumento de John Milius, baseado no livro de Joseph Conrad, “Coração das Trevas”. Coppola filmou originalmente uma cena que ficou conhecida como a da “plantação francesa” e que só entraria na versão “Redux”, em 2001, mas que havia sido tornada conhecida através do documentário sobre a rodagem do filme, “Hearts of Darkness”, em 1991. Essa cena reproduz uma passagem exactamente igual a uma de “La 317ème section”, que é a metáfora do ovo. Perante a questão sobre o futuro daqueles territórios, as personagens partem um ovo com a mão, deixando escorrer a clara e dizendo: “o branco parte e o amarelo fica...” Milius era um grande admirador do romance de Schoendoerffer “Adeus ao Rei” e inspirou-se no livro para certos cenários de “Apocalypse Now” e, em 1989, realizou o filme homónimo baseado nessa obra. Também Oliver Stone se inspirou nos métodos usados por Schoendoerffer para rodar “Platoon”, em 1986.
Apocalypse Now (1979) |
Hopper
A capital francesa teve o privilégio de receber uma magnífica exposição retrospectiva do pintor realista norte-americano Edward Hopper (1882-1962). Esteve patente nas Galerias Nacionais Grand Palais desde o dia 10 de Outubro do ano passado até ao dia 3 de Fevereiro deste ano, atingindo o impressionante número de cerca de 785 mil visitantes. Este é o relato de um apaixonado pela sua obra.
Cheguei a Hopper na minha adolescência através do seu quadro mais conhecido, “Nighthawks”, de 1942. O enigmático ‘diner’ prendeu prontamente a minha atenção e curiosidade. Quem seriam aquelas “aves nocturnas”? O que as levaria ali? Havia uma atracção naquela solidão misteriosa à qual não resisti. Os anos passaram e fui conhecendo, a pouco e pouco, cada vez mais o trabalho de Hopper. Primeiro com a edição, a um preço convidativo, a ele dedicada, publicada pela Taschen, depois com a facilidade de acesso à informação gerada pela ‘internet’. No entanto, embora já apreciador, só vi pela primeira vez quadros dele expostos numa visita a Madrid, ao Museu Thyssen-Bornemisza, onde me deleitei especialmente com o estupendo “Hotel Room”, de 1931. Recentemente, uma das suas paisagens costeiras, “Square Rock, Ogunquit”, de 1914, esteve em Lisboa, na exposição “As Idades do Mar”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
A notícia da retrospectiva em Paris, ainda por cima com a vinda de “Nighthawks” à Europa – algo que os dedos de uma mão chegam para contar – fez reservar automaticamente uma viagem. Fui em finais de Novembro do ano passado, o tempo estava bastante frio e via-se já a feira de Natal nos Campos Elísios. Chegado à entrada do Grand Palais, fui informado por uma funcionária que o tempo médio de espera, na rua, era de uma hora e meia. Mas nada me podia demover do meu objectivo, nem mesmo a chuva ocasional que acabou por encharcar-me enquanto aguardava pacientemente.
O ambiente no museu era de grande movimento e o público lotava as primeiras salas da enorme exposição, principalmente aquelas onde estavam expostos os quadros que Hopper pintou em Paris, com paisagens locais, numa das poucas deslocações que fez ao estrangeiro, ainda jovem.
Confesso que descurei um pouco essa primeira parte e também as dedicadas à vida durante a Grande Depressão e ao trabalho de Hopper como ilustrador, algo que o próprio não gostava, mas que acabou por ser o seu ganha-pão durante uns tempos. Fui rapidamente ao encontro de “Nighthawks” e a experiência foi única. Não deixou de ser uma sensação estranha ver finalmente um dos meus quadros favoritos, que só conhecia através da imagem; agora, a coisa estava à minha frente. Mas nem este momento único me impediu de apreciar, durante quase um dia, intervalando apenas para almoçar, toda a maravilhosa reunião da obra de um dos pintores que mais aprecio.
O trabalho de Hopper é completo. Não são apenas a solidão e o realismo que marcam a sua obra impressionante. Outro elemento muito importante é a luz, com os efeitos das sombras, mas também as cores. Para além das pinturas com elementos humanos, este é um artista magistral a representar paisagens, sejam naturais, sejam construídas. É quase como se atingíssemos nestes recortes da vida observada uma realidade mais que real. Esta exposição foi um daqueles momentos que se desejam durante uma vida. Felizmente, por vezes os desejos realizam-se!
Nighthawks (1942) |
Cheguei a Hopper na minha adolescência através do seu quadro mais conhecido, “Nighthawks”, de 1942. O enigmático ‘diner’ prendeu prontamente a minha atenção e curiosidade. Quem seriam aquelas “aves nocturnas”? O que as levaria ali? Havia uma atracção naquela solidão misteriosa à qual não resisti. Os anos passaram e fui conhecendo, a pouco e pouco, cada vez mais o trabalho de Hopper. Primeiro com a edição, a um preço convidativo, a ele dedicada, publicada pela Taschen, depois com a facilidade de acesso à informação gerada pela ‘internet’. No entanto, embora já apreciador, só vi pela primeira vez quadros dele expostos numa visita a Madrid, ao Museu Thyssen-Bornemisza, onde me deleitei especialmente com o estupendo “Hotel Room”, de 1931. Recentemente, uma das suas paisagens costeiras, “Square Rock, Ogunquit”, de 1914, esteve em Lisboa, na exposição “As Idades do Mar”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Hotel Room (1931) |
A notícia da retrospectiva em Paris, ainda por cima com a vinda de “Nighthawks” à Europa – algo que os dedos de uma mão chegam para contar – fez reservar automaticamente uma viagem. Fui em finais de Novembro do ano passado, o tempo estava bastante frio e via-se já a feira de Natal nos Campos Elísios. Chegado à entrada do Grand Palais, fui informado por uma funcionária que o tempo médio de espera, na rua, era de uma hora e meia. Mas nada me podia demover do meu objectivo, nem mesmo a chuva ocasional que acabou por encharcar-me enquanto aguardava pacientemente.
Grand Palais, Paris. |
O ambiente no museu era de grande movimento e o público lotava as primeiras salas da enorme exposição, principalmente aquelas onde estavam expostos os quadros que Hopper pintou em Paris, com paisagens locais, numa das poucas deslocações que fez ao estrangeiro, ainda jovem.
Confesso que descurei um pouco essa primeira parte e também as dedicadas à vida durante a Grande Depressão e ao trabalho de Hopper como ilustrador, algo que o próprio não gostava, mas que acabou por ser o seu ganha-pão durante uns tempos. Fui rapidamente ao encontro de “Nighthawks” e a experiência foi única. Não deixou de ser uma sensação estranha ver finalmente um dos meus quadros favoritos, que só conhecia através da imagem; agora, a coisa estava à minha frente. Mas nem este momento único me impediu de apreciar, durante quase um dia, intervalando apenas para almoçar, toda a maravilhosa reunião da obra de um dos pintores que mais aprecio.
Self Portrait (1925-30) |
O trabalho de Hopper é completo. Não são apenas a solidão e o realismo que marcam a sua obra impressionante. Outro elemento muito importante é a luz, com os efeitos das sombras, mas também as cores. Para além das pinturas com elementos humanos, este é um artista magistral a representar paisagens, sejam naturais, sejam construídas. É quase como se atingíssemos nestes recortes da vida observada uma realidade mais que real. Esta exposição foi um daqueles momentos que se desejam durante uma vida. Felizmente, por vezes os desejos realizam-se!
A queda de um mito
O cônsul Aristides Sousa Mendes, a Verdade e a Mentira, de Embaixador Carlos Fernandes, edição Grupo de amigos do autor, Lisboa, 2013.
Três Nascimentos Interligados a 24 de Junho
2 A. C. — Nascimento de S. João Baptista.
1128 — Nascimento de Portugal, Batalha de S. Mamede.
1360 — Nascimento de D. Nuno Álvares Pereira / S. Nuno de Santa Maria.
1128 — Nascimento de Portugal, Batalha de S. Mamede.
1360 — Nascimento de D. Nuno Álvares Pereira / S. Nuno de Santa Maria.
Bota abaixo!
Os tapumes escondem o atentado. Um prédio de habitação colectiva da autoria do arquitecto modernista Cassiano Branco, datado dos anos 30 do século passado, localizado na esquina da Av. Almirante Reis com a Praça João do Rio, em Lisboa, cuja demolição integral a Câmara de Lisboa proibira, impondo a manutenção da fachada, foi quase todo destruído antes de a obra ter sido embargada.É mais um lamentável caso de destruição do património arquitectónico da capital, que autoridades locais nada parecem conseguir fazer para evitar.
Chefes de Portugal
“Grandes Chefes da História de Portugal”, publicado pela Texto Editores, é um trabalho de mérito que abre novos caminhos na investigação histórica no nosso país. Coordenado por Ernesto Castro Leal, professor e investigador de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e José Pedro Zúquete, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, traz-nos uma perspectiva nova, numa abordagem diferente, de importantes figuras da nossa História.
Até um apaixonado pela História – como eu, que a escolhi como área de formação – dificilmente consegue suportar os “complexos histórico-geográficos” e “socioeconómicos” da historiografia marxista. Esta predilecção pelo papel das “massas” como “motor da História” impregnou o ensino com as consequências que sabemos. Afastou o grande público desta matéria tão importante para nos conhecermos enquanto Povo e só recentemente começámos a livrar-nos desse modelo.
O regresso da História narrativa e biográfica voltou a despertar nos portugueses o interesse pelo seu passado comum e pelos homens que construíram. Prova disso é o aumento exponencial de títulos disponíveis e as suas vendas expressivas.
“Grandes Chefes da História de Portugal” tem um título chamativo para o público, que o entende à primeira sem necessidade de explicações, e incómodo para os quadrilheiros do politicamente correcto. Sempre ciosos do seu ‘index’ de palavras proibidas, estes últimos consideram “chefe” como algo ultrapassado, quando não perigoso. Mas, como é explicado na Introdução, “a interpretação que os organizadores deste volume dão à palavra ‘chefe’ é neutra. Embora a palavra tenha sido apropriada, quer pela direita (como factor positivo), quer pela esquerda (como denunciação e crítica), neste volume ela é vista essencialmente como um instrumento analítico para ajudar à compreensão de dinâmicas históricas em Portugal”. É, de facto, o que acontece. Não se espere aqui um álbum de cromos com os heróis da Pátria.
Este é um trabalho original, que junta diversos académicos, que se expressam num registo acessível, que abre novas portas à investigação. Em entrevista a O DIABO, Ernesto Castro Leal explicou o objectivo da obra: “Pretendeu-se que os diversos autores, a partir de um chefe (individual, colectivo ou imaginário) com qualidades paradigmáticas, abordassem os tempos históricos concatenados à acção dos chefes. Não há dúvida que, pela abordagem pioneira de alguns chefes ou pela reinterpretação de outros chefes, com base em novos modelos de análise, este livro é um ‘lugar funcional de memória’ historiográfica com muita novidade, algumas análises surpreendentes e caminhos abertos para continuar.”
A crítica fácil seria questionar a escolha deste ou de aquele “chefe”, apontando supostas “faltas”. É claro que há “faltas”, nomeadamente daqueles que gostaríamos de ver tratados. Mas essa é talvez uma das maiores virtudes deste trabalho, porque garante uma continuação.
Aqui podemos encontrar capítulos dedicados a “chefes” que esperávamos, como o de José Almeida sobre Viriato. No entanto, este está longe de ser uma entrada enciclopédica ou um exercício laudatório. Trata-se, pelo contrário, de um exemplo de “investigação de ponta”, como o considerou Ernesto de Castro Leal, na apresentação do livro em Lisboa. Também D. Nuno Álvares Pereira é apontado como o “Chefe Militar”, por João Gouveia Monteiro, e São Francisco Xavier como o “Chefe Jesuíta”, por António Júlio Trigueiros.
Da mesma forma, encontramos “chefes” que nunca nos ocorreriam, como é o caso da própria Constituição, considerada como “chefe” por Paulo Ferreira da Cunha. Outros casos que demonstram originalidade de escolha e novidade dos temas são Pêro da Covilhã, considerado o “Chefe Aventureiro”, por António dos Santos Ventura, ou os capítulos dedicados ao “Chefe Luso-brasileiro” ou à “Chefe Feminista”, por exemplo.
Outros casos que merecem destaque são os do “Chefe na Extrema-Direita”, onde Riccardo Marchi analisa uma área política que tanto necessita de um chefe, mas que nunca o encontrou verdadeiramente. Também o capítulo dedicado a João de Castro Osório, o “Chefe Fascista”, da autoria de Eduardo Cintra Torres, aborda uma figura ainda muito desconhecida entre nós. O capítulo sobre Franco Nogueira, naturalmente escolhido como “Chefe Diplomático” por Bruno Cardoso Reis, apresenta uma abordagem interessante sobre o papel do Embaixador.
O livro conclui com o excelente texto de José Pedro Zúquete, dedicado ao “Chefe Imaginário”, sobre o Sebastianismo em Portugal. Uma análise cuidada que termina com uma reflexão muito importante: “Reconhecer o contributo histórico do Sebastianismo não é cair no sentimentalismo fácil. Pelo contrário. É fazer o mais difícil. É pensar Portugal como um todo, em vez de o pensar de costas voltadas, seja para a razão, seja para o mito.”
Até um apaixonado pela História – como eu, que a escolhi como área de formação – dificilmente consegue suportar os “complexos histórico-geográficos” e “socioeconómicos” da historiografia marxista. Esta predilecção pelo papel das “massas” como “motor da História” impregnou o ensino com as consequências que sabemos. Afastou o grande público desta matéria tão importante para nos conhecermos enquanto Povo e só recentemente começámos a livrar-nos desse modelo.
O regresso da História narrativa e biográfica voltou a despertar nos portugueses o interesse pelo seu passado comum e pelos homens que construíram. Prova disso é o aumento exponencial de títulos disponíveis e as suas vendas expressivas.
“Grandes Chefes da História de Portugal” tem um título chamativo para o público, que o entende à primeira sem necessidade de explicações, e incómodo para os quadrilheiros do politicamente correcto. Sempre ciosos do seu ‘index’ de palavras proibidas, estes últimos consideram “chefe” como algo ultrapassado, quando não perigoso. Mas, como é explicado na Introdução, “a interpretação que os organizadores deste volume dão à palavra ‘chefe’ é neutra. Embora a palavra tenha sido apropriada, quer pela direita (como factor positivo), quer pela esquerda (como denunciação e crítica), neste volume ela é vista essencialmente como um instrumento analítico para ajudar à compreensão de dinâmicas históricas em Portugal”. É, de facto, o que acontece. Não se espere aqui um álbum de cromos com os heróis da Pátria.
Este é um trabalho original, que junta diversos académicos, que se expressam num registo acessível, que abre novas portas à investigação. Em entrevista a O DIABO, Ernesto Castro Leal explicou o objectivo da obra: “Pretendeu-se que os diversos autores, a partir de um chefe (individual, colectivo ou imaginário) com qualidades paradigmáticas, abordassem os tempos históricos concatenados à acção dos chefes. Não há dúvida que, pela abordagem pioneira de alguns chefes ou pela reinterpretação de outros chefes, com base em novos modelos de análise, este livro é um ‘lugar funcional de memória’ historiográfica com muita novidade, algumas análises surpreendentes e caminhos abertos para continuar.”
A crítica fácil seria questionar a escolha deste ou de aquele “chefe”, apontando supostas “faltas”. É claro que há “faltas”, nomeadamente daqueles que gostaríamos de ver tratados. Mas essa é talvez uma das maiores virtudes deste trabalho, porque garante uma continuação.
Aqui podemos encontrar capítulos dedicados a “chefes” que esperávamos, como o de José Almeida sobre Viriato. No entanto, este está longe de ser uma entrada enciclopédica ou um exercício laudatório. Trata-se, pelo contrário, de um exemplo de “investigação de ponta”, como o considerou Ernesto de Castro Leal, na apresentação do livro em Lisboa. Também D. Nuno Álvares Pereira é apontado como o “Chefe Militar”, por João Gouveia Monteiro, e São Francisco Xavier como o “Chefe Jesuíta”, por António Júlio Trigueiros.
Da mesma forma, encontramos “chefes” que nunca nos ocorreriam, como é o caso da própria Constituição, considerada como “chefe” por Paulo Ferreira da Cunha. Outros casos que demonstram originalidade de escolha e novidade dos temas são Pêro da Covilhã, considerado o “Chefe Aventureiro”, por António dos Santos Ventura, ou os capítulos dedicados ao “Chefe Luso-brasileiro” ou à “Chefe Feminista”, por exemplo.
Outros casos que merecem destaque são os do “Chefe na Extrema-Direita”, onde Riccardo Marchi analisa uma área política que tanto necessita de um chefe, mas que nunca o encontrou verdadeiramente. Também o capítulo dedicado a João de Castro Osório, o “Chefe Fascista”, da autoria de Eduardo Cintra Torres, aborda uma figura ainda muito desconhecida entre nós. O capítulo sobre Franco Nogueira, naturalmente escolhido como “Chefe Diplomático” por Bruno Cardoso Reis, apresenta uma abordagem interessante sobre o papel do Embaixador.
O livro conclui com o excelente texto de José Pedro Zúquete, dedicado ao “Chefe Imaginário”, sobre o Sebastianismo em Portugal. Uma análise cuidada que termina com uma reflexão muito importante: “Reconhecer o contributo histórico do Sebastianismo não é cair no sentimentalismo fácil. Pelo contrário. É fazer o mais difícil. É pensar Portugal como um todo, em vez de o pensar de costas voltadas, seja para a razão, seja para o mito.”
Homenagem
Intervenções:
Duarte Branquinho - "Uma vida de combatente"
Humberto Nuno de Oliveira - "Historiador sem amarras"
Um retrato que é toda uma biografia
Retrato do Poeta Fernando Pessoa, 1954
JOSÉ DE ALMADA-NEGREIROS (1893 — 1970)
Óleo sobre Tela, 200 x 200 cm
Câmara Municipal de Lisboa / Museu da Cidade
(em exposição na Casa Fernando Pessoa, Lisboa).
JOSÉ DE ALMADA-NEGREIROS (1893 — 1970)
Óleo sobre Tela, 200 x 200 cm
Câmara Municipal de Lisboa / Museu da Cidade
(em exposição na Casa Fernando Pessoa, Lisboa).
10 de Junho — Dia de Portugal
Retirei do baú este autocolante que usei — do alto dos meus 14 anos — na primeira manifestação do 10 de Junho em que participei. Fui sozinho. Juntei-me à concentração no Largo do Príncipe Real e incorporei-me no desfile até à Praça dos Restauradores. Num e noutro lugar ouvi inflamados e inflamantes discursos de jovens fascinantes figuras da Cultura Nacional. Nesse mesmo ano fundei o NEM — Núcleo de Estudantes Monárquicos (do Liceu Nacional de D. Filipa de Lencastre) e, a partir daí, passei a estar nos 10 de Junho e nos 1.º de Dezembro à cabeça do referido núcleo liceal, até 1985. Bons tempos.
Livros decorativos
Continuando no tema do post anterior, é para mim inconcebível que alguém ache bem ter em casa uma "biblioteca" de lombadas. É uma falta de respeito, até por si próprio, para além de ser totalmente estúpido. Talvez não seja de estranhar, num país em que tão pouco se lê, mas onde tanta gente fala do que não leu...
A este assunto dediquei, no início do ano, um editorial intitulado "Os livros enforcados", onde afirmei: "Bibliófilo confesso, para além de leitor ávido, um livro para mim não vale apenas pelo seu conteúdo, mas também enquanto objecto. Não compreendo, por isso, os que usam livros como decoração."
Momentos Decisivos
Faz hoje um ano que inaugurei a exposição Foto-Síntese.
Aproveito a ocasião para revelar que voltarei a apresentar-me com um novo projecto na magnífica Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Julho de 2014.
Aproveito a ocasião para revelar que voltarei a apresentar-me com um novo projecto na magnífica Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Julho de 2014.
Diálogo bibliófilo
— Livros a metro? Há que tempos! Mas não são essas falsificações. De qualquer modo, não são para ler... — respondeu o alfarrabista.
— É pá! Custa-me sempre ouvir essas coisas. Aconteceu-lhe alguma? — lançou o bibliófilo, esperando uma daquelas histórias que os livreiros têm sempre prontas a contar.
— Uma vez vendi uma série de livros com belas encadernações para decorar a sala do conselho de administração de um banco. Aquilo era grande e faltava preencher as últimas prateleiras. Como não tinha mais encadernados, sugeri as obras completas de Lenine e Marx. — revelou com um sorriso de escárnio.
— E eles aceitaram?
— Sim, sem qualquer problema. Disseram-me apenas que ficavam lá em cima.
— Belos capitalistas! — exclamou o bibliófilo, rindo.
Argentina: 4 de Junho de 1943
Há exactos setenta anos – 4 de Junho de 1943 – um golpe militar em Buenos
Aires dá início a um processo histórico que, três anos mais tarde, vai levar
Juan Domingo Perón ao poder. Pensado e executado a partir do GOU – Grupo de Oficiales Unidos, organização
que reúne militares nacionalistas, i. e., anti-liberais e anti-marxistas, o
movimento castrense estabelece um governo que será chefiado por uma sucessão de
generais: Arturo Rawson, Pedro Ramírez e Edelmiro Farrell. É este último que nomeia um Coronel Perón para uma função de
direcção num modesto Departamento
Nacional del Trabajo, encarregado de assuntos laborais e sindicais. Pouco
depois, o enorme prestígio granjeado pelo coronel junto à massa trabalhadora
obriga a transformação do pequeno organismo em Secretaría de Trabajo y Previsión. Em 1945 Perón, já todo-poderoso
no mundo do trabalho, acumula os cargos de Ministro da Guerra e Vice-Presidente
da República. A 10 de Outubro do mesmo ano é obrigado a demitir-se; a 13 é
preso e a 17, por imparável pressão e mobilização popular que culmina com uma
greve geral, é posto em liberdade. Conduzido à sede do Governo, é da varanda da
Casa Rosada que irá pronunciar o
primeiro de muitos discursos. Neste quente fim de tarde de 17 de Outubro de
1945 nasce o Movimento Peronista. Nas eleições de 24 de
Fevereiro de 1946 Perón, já General na reserva, recebe 52% dos sufrágios. Toma
posse a 4 de Junho de 1946. O
resto já se sabe...
Infiltrada nas Femen
Olhares a Leste
A Sotheby's vai leiloar, no início do próximo mês, uma espantosa colecção privada de mais de 800 fotografias tiradas na Rússia e noutros países de Leste entre 1959 e 2004, a que chamou "Changing Focus - A Collection of Russian and Eastern European Contemporary Photography", que estão expostas em Londres e que é possível ver em linha.
Para abrir o apetite, aqui fica um dos fantásticos trabalhos de Alexander Sliusarev (1944-2010). Boa viagem fotográfica a Leste!
Para abrir o apetite, aqui fica um dos fantásticos trabalhos de Alexander Sliusarev (1944-2010). Boa viagem fotográfica a Leste!
Um samurai do Ocidente
Desde que descobri a sua obra que este historiador e pensador me marcou e influenciou profundamente. A sua partida abalou-me, mas compreendi que não foi uma desistência. Foi o culminar de um percurso completo, de uma vida plena dedicada ao que acreditava e sentia — a de um combatente que lutou até ao fim e morreu de pé. Lembrei-me automaticamente de Yukio Mishima e de Drieu La Rochelle, entre outros.
Recordou nesse texto que “a morte tanto pode constituir o mais forte dos protestos contra uma indignidade como uma provocação à esperança”. Que melhor motivo para a sua última decisão?
“Rebelde por fidelidade”, como se definiu no autobiográfico “Le Coeur Rebelle”, esteve sempre ligado ao seu povo e às suas raízes ancestrais, considerando que “as formas antigas não voltarão, mas o que é de sempre ressurgirá” e acrescentando: “A tradição é uma escolha, um murmúrio dos tempos antigos e do futuro. Ela diz-me quem eu sou.”
A sua morte não foi apenas mais uma onda no oceano. Foi antes um farol que nos avisa da perigosa proximidade da catástrofe. Um alerta para uma civilização multimilenar ameaçada que partilha as mesmas origens, os mesmos valores e o mesmo espírito. Dominique Venner morreu como viveu — como um homem livre.
Editorial da edição desta semana de «O Diabo».
Festa de Guarda do Corpo de Cristo
Procissão Corpus Christi, 1913
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO (1887 — 1918)
Óleo sobre Madeira, 29 x 50,8 cm
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa.
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO (1887 — 1918)
Óleo sobre Madeira, 29 x 50,8 cm
Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa.
Museu do Brinquedo
Li hoje uma má notícia para a Cultura. O Museu do Brinquedo, em Sintra, pode fechar no final do ano, porque a nova Lei-Quadro das Fundações impede autarquia de continuar a subsidiar e a ceder gratuitamente o espaço para o museu.
A directora responsabilizou o Governo, afirmando: “A legislação para as fundações foi feita de forma transversal. Nem viram, nem sabem, nem fazem ideia nenhuma, nem sequer visitaram o museu. Esta é uma fundação que vive com o apoio de cinco mil euros. Tem um património, está aberta todo o ano, desde as 10 às 18 horas, com actividades e visitas guiadas”.
Este é um museu pelo qual tenho um especial carinho. Espero que se encontre uma solução para além desta cegueira legislativa e deste nivelamento cultural por baixo.
Avenida da República
Av. da República, 50. Edifício já demolido, Lisboa, 1970. Adaptado de Nuno Barros Roque da Silveira, in Arquivo Fotográfico da C.M.L.. |
Por fim, falou-se da Praça Duque de Saldanha, onde os novos prédios — como o caixote espelhado que substituiu o Monumental, ou a taveirada de esquina — convivem com edifícios de outra época, muitos já devolutos. A triste conclusão a que se chegou foi a de que, em breve, não restará nesta praça qualquer vestígio de outros tempos.
N. B. - A imagem acima foi retirada, com a devida vénia, do excelente blog Bic Laranja, que muito se tem dedicado a este tema. Um trabalho muito importante, pelo qual está de parabéns.
Quando chegará a hora dos intelectuais activos?
Portugal é hoje fértil em intelectuais estéreis. Ouvem, vêem, lêem, memorizam; e, depois, passivamente, repetem todos as mesmas coisas. Coisas previamente formatadas pela cartilha do pensamento único politicamente correcto. Compreendo-os. Se assim não fosse, arriscar-se-iam a perder os seus privilegiados lugares, nas televisões e nos jornais, e nenhuma editora publicaria os seus livros. Além disso, pensar pela própria cabeça dá muito trabalho! Quando chegará a hora dos intelectuais activos?
Idiocracia
Nelson Rodrigues
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