O Papel do Fogo

Sem alguma vez ter realizado investigações similares à que agora deu à luz este resultado, há muito que desconfiava de que fumar cigarros atrofiava o cérebro. Mas partia de um ponto de vista de leitor e lastimava tão-só a concorrência que o fabrico dos canudinhos a incinerar fazia ao papel que poderia ser usado na confecção de livros, sendo estes o meio mais apto ao desenvolvimento do intelecto. Até versejei sobre o caso, condoído de observar o lume dos isqueiros a substituir a ignição do Espírito. Nada como ver a Ciência vir ao encontro das nossas pretensões ao Estro...
CINZAS PENADAS

Chegada a hora das doze badaladas,
por entre alfarrábios, refúgio usual,
faliu de forma tétrica e assombrosa
o sabor do lido que repousa e regenera.
«Vingança!», clamaram e reclamaram
infindas aparições brancas na forma de páginas,
rompendo o tranquilo fumar do leitor,
roupagens de papel com propósito de turbar,
em lugar dos lençóis alvos do costume.

«É pesadelo, não pode ser real»
gritou-se o fum(eg)ante solitário.
«Nada fiz para tolher a vossa paz!
Deixem o meu canto, larguem a minha alma!».
Mas a piedade não abunda nessas bandas,
quem não descansa pouco tende a desculpar.
Bastou pois um revelar de identidade
para a perpétua inquietude condenar.
«Somos os milhentos livros que frustraste:
a celulose dos cigarros que, queimando,
de belos volumes vieste a desviar».
Todas mortalhas juntas para cavar a sua...

2 comentários:

  1. rudolfo moreira27/11/12, 17:21

    junto dos fumadores o autor passa a estar queimado

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  2. Pois, Caro Rudolfo, razão de sobra para os indulgentes Comentadores se encaminharem para fumos. Mas para os negros, de luto.

    Abraço

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