Passagem

Inaugurada no passado dia 6 de Junho, num evento por onde passaram cerca de 500 pessoas, a exposição “Foto-Síntese” estará patente até 1 de Julho na Sala do Veado do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. É o regresso de João Marchante às exposições, confirmando-o como um dos grandes talentos da fotografia contemporânea no nosso país.






Como se julga o trabalho de um Amigo? Com a maior das exigências e o mesmo sentido de justiça. A resposta é para mim tão óbvia como imediata. Mas, vivendo no que é para muitos (demasiados)o “país das cunhas”, impõe-se um esclarecimento. Conheço o João há muitos anos e o encontro com este homem de cultura, com o qual rapidamente me identifiquei em tantas paixões comuns, como os livros, o cinema ou a fotografia, gerou uma amizade da qual muito me orgulho. Sempre fui um apreciador do seu trabalho de fotografia artística. A sua genuinidade, aliada a uma genialidade provocatória, conquistaram-me. Naturalmente, estava ansioso por esta exposição e com as expectativas bastante elevadas, mas não me desiludi.

Pelo contrário, vi, revi e vivi aquela série maravilhosa. Entrei nas fotografias pela minha porta, por aquela interpretação egoísta que nos exalta verdadeiramente o sentir. Dei conta das minhas impressões ao autor, conversámos, concordámos e discordámos. Apenas houve um ponto de encontro total: faltava ali um Amigo comum que infelizmente já deixou o mundo dos vivos…

O espaço da exposição não podia ser mais apropriado, já que o ambiente ‘rough’ das paredes em cimento se conjuga na perfeição com o grão das imagens, conseguidas com uma câmara Polaroid, recorrendo à película fabricada pela Impossible Project. Têm todas 100 x 124 cm e estão correctamente iluminadas. Ao entrar na sala percebemos instintivamente como se entra naquele percurso para o qual o João nos convida através da sua musa.

Cada fotografia é um verbo, uma acção, e, assim, vamos interagindo e aproximando-nos,em dez passos. Há uma ideia de transição nestas imagens de uma figura feminina que parece fazer a passagem à idade adulta. Mas não se fica por aí. Certas situações, certos objectos, certas perspectivas, certos pormenores, sugerem também uma passagem à idade dos adultos. A um tempo ao qual seria impossível chegar, da mesma forma que não podemos chegar totalmente àquelas imagens a cores com um aspecto anos 60, mas tiradas hoje. Há o encontro de dois mundos, com várias janelas por onde podemos espreitar e poucas portas por onde tentar entrar.

Da intromissão de “Filmar” à submissão de “Ver”, há uma provocação progressiva que nos conduz implacavelmente num crescendo sensorial. Um percurso quase inebriante, no qual nos deixamos levar para onde queremos. Uma experiência que não podemos de forma alguma perder.

O João Marchante, para além de fotógrafo, é realizador, autor e professor, leccionando actualmente Imagem e Estética na ETIC. Não expunha fotografia desde 2007… Como valeu a pena a espera!

1 comentário:

  1. Caríssimo Amigo e Confrade Duarte:
    Um belíssimo texto, e que me deixa sem palavras...
    Saudações Culturais!
    Abraço.

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