Cádiz 1811


A capa é horrenda, é verdade, mas a sabedoria popular sempre aconselhou a não julgar um livro pela sua aparência. Neste caso o conselho é para levar a sério, já que «O Assédio» tem pouco de história de vampiros, ao contrário do que a primeira imagem leva a crer.
Desde logo, o que mais salta à vista é a forma como Pérez-Reverte condensa num só livro temas recorrentes na sua obra. Xadrez, literatura, náutica, reconstituição histórica, tudo tem espaço neste romance, que toma como pano de fundo o Cerco de Cádiz de 1811 pelas tropas francesas em plena Guerra da Independência. A diversidade dos temas é acompanhada pela narrativa, que adopta o ponto de vista de diversas personagens aparentemente desligadas entre si, cujos destinos se vão cruzando ao longo do livro: desde Pepe Lobo, capitão corsário de grande experiência a Gregorio Fumagal, um taxidermista jacobino, passando por Lolita Palma, importante mulher de negócios gaditana, Simón Desfosseux, antigo professor de Física tornado capitão de artilharia no Exército Imperial, e Felipe Mojarra, destemido guerrilheiro. No centro desta complexa teia está Rogélio Tizón, um comissário de polícia pouco escrupuloso responsável pela investigação de uma misteriosa série de homicídios.
Como sempre, é na caracterização das personagens que o autor espanhol mais se destaca, embora seja admirável a forma como orienta o leitor nesta complicada trama, sem nunca perder o ritmo ou afrouxar a expectativa. Nota ainda para o magnífico trabalho de contextualização histórica, que não só fornece um pormenorizado retrato de Cádiz (o sentimento de exiguidade da cidade sititada é uma constante), como confirma que nunca a História tem um sentido linear. Não é o melhor livro de Pérez-Reverte, mas está construído de uma forma tão cuidada e meticulosa, reflecte tanta preparação, que é impossível não o admirar.

2 comentários:

  1. Meu Caro Miguel,
    fica registada a recomendação. E, cerco por cerco, fico a salivar, imaginando o talento de construção de tramas e de retratismo de época de AP-R aplicado a um pano de fundo constituído pela pressão Vermelha em torno do Alcazar de Toledo.

    Abraço

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  2. Nem de propósito, amigo Paulo! Estava hoje a ler o Beevor e a imaginar como seria se o mestre Pérez-Reverte se atirasse à Guerra Civil Espanhola. Por acaso é tema que o autor nunca explorou na sua obra, à excepção de uma ou outra alfinetada em «O Pintor de Batalhas» e nas suas crónicas semanais. Pode ser que um dia...
    Grande abraço.

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