Dois cacetes e duas medidas

Mal tinha eu arribado em terra lusa e num dos — cada vez mais — raros instantes em que passo os olhos pela televisão, vejo a polícia reprimir com decisão um grupo de manifestantes instalados à porta da residência do Primeiro-Ministro. Os "safanões" fartamente distribuídos tiveram por objectivo, suponho eu, preservar a ordem, já que estamos em democracia. Estivéssemos nós em tempos estado-novistas e os mesmos mimos seriam repressão fascista... O episódio trouxe-me à memória o relato de um conhecido brasileiro, cujo pai, político de longa carreira no país tropical, esteve várias vezes em Lisboa a visitar Salazar. Numa destas deslocações, creio que justamente durante a crise universitária de 1962, pai e filho presenciaram alguma pancadaria entre as forças de segurança e arruaceiros lá para os lados dos Restauradores. Chegados a São Bento comentaram o facto com Salazar, e este ter-lhes-ia dito que "o cacete não é santo mas faz milagres." Confesso a minha dificuldade em atribuir à expressão a pretendida filiação salazariana, mas se a estética não combina, na sua essência traz uma lição cujas raízes estão no fundo da realidade humana. Independente da sua origem e dos seus fins, é da essência do poder defender-se, preservar-se, não tolerar desafios à sua autoridade. O resto é demagogia e hipocrisia — bases, aliás, do regime que nos desgoverna, desmantela e dissolve.

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