No País dos Doutores

A primeira constatação que urge empreender, depois de se ter verificado a concessão abusiva no Affaire Relvas é a de, nas Universidades como nos Bancos, os dias dos créditos fáceis terem chegado ao fim. No resto, temos a mesquinha adoração do canudo que subsiste neste Portugal tão (des)integrado: ao contrário das áreas anglo-saxónicas, em que não é raro políticos importantes terem cursos diversos dos do diploma da praxe, por cá o tratamentozinho doutoral, até aos licenciados, continua a ser a pedra angular do caminho para o Poder. Se a contrapartida popular existia, esgotava-se no reconhecimento de que até «um burro carregado de livros é um Doutor», mas essa pilhéria, remetendo o Saber para as aparências, pode bem ter influído nos espíritos de políticos contemporâneos que, tendo-se por espertalhões, terão achado correcto acrescentar um ponto e dispensar-se também da carga livresca, magicando em que a certificação académica mais não é que uma atribuição Honoris Causa a percursos em que a honra se ache um tanto divorciada dos factos. Já outras Civilizações, por exóticas que sejam, deixam bem claro que o aparato não influi na substância. Como o provérbio da imagem.

5 comentários:

  1. caro Paulo, acertivo, e não tenha dúvidas que a internet veio terraplanar as metedologias de aprendizagem, no fundo, as estantes, a divagação lúdica pela descoberta de um livro, foram substituidas pelo bricabrác da Wikipédia ou, pior, pelos contextos anónimos... Ah, essa aspiração por um "título", rica República!

    abraço

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  2. Querido Paulo, subscrevo, claro. O ponto é que a coisa extravasa largamente o campo da política, aliás, atrevo-me a dizer que começou exactamente no campo da chamada "sociedade civil", e assim sendo era uma questão de tempo até chegar ao topo da hierarquia do Estado. É muito conveniente que olhemos para nós próprios, para as nossas empresas, e para a forma desgraçada como (não) são geridas, por doutorzecos de meia tijela.

    Beijinho

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  3. Meu Caro João,
    duplamente na mouche, pois se todos somos tentados pela inocente jogatana de nos imaginarmos eruditos mediante Wikiclics, a substituição do chuveiro de baronias pela mangueirada de títulos académicos é o espelho classe política em falta.

    Querida Ariel,
    lembrou-me o copianço dos aspirantes a juízes... Quando a falcatrua chega a essa idealizada fortaleza, não há baluarte que resista.

    Abraço e beijinho

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  4. No fundo, o "canudo" (ou melhor, o título a que ele dá direito) veio osubstituir, na república que nos calhou, os títulos nobiliárquicos concedidos "à la carte" nas últimas décadas da monarquia...Parece que nisto (como noutras coisas), pouco mudou com a mudança de regime...

    Ab
    Tiago

    PS: Claro que, até ao "caso Relvas", ninguém (pelo menos que se saiba publicamente) tinha obtido uma turbo-licenciatura...

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  5. Meu Caro Tiago,
    "Foge cão que te fazem barão! Mas para onde, se me fazem visconde?
    E não escapo ao horror de me fazerem Doutor!"
    Claro que este é campo em que até é fácil separar o trigo do joio...

    Abraço

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