Sinais de Fumo

O laicismo, institucionalizado ou incipiente, vive de monomanias. A mais perceptível delas é fazer do Papa um Papão. Com a infelicidade que caracteriza os impotentes, pode ser que lhes saia um no que toca à categoria pessoal e pastoral, não às aversões inoculadas. A última vaga de troças e avaliações hostis concerne ao tradicional fumo branco do anúncio de preenchimento do Trono em vacatura, um meio que dispensa branqueamentos, em razão do seu próprio tom, mas que vem sendo negregado gratuitamente. Até admira como não criticaram a parcelazinha adicional de poluição atmosférica pelos gases assim libertados, mas claro que uma argumentação nessa linha seria passível de rejeição por todos os que libertam vapores das respectivas residências e pelas associações profissionais da digna profissão de Limpa-Chaminés. Já a proposta do mail ou SMS anunciadores, além de ser uma  investida contra o Costume, sem sequer dominar a popularidade na crista da onda, é a tentativa de conservar a relevância da mediação jornalística na época da comunicação directa: se assim não fosse, teriam sugerido aos Papáveis que tivessem prontas as respectivas páginas de Facebook, cabendo ao Eleito a tarefa inaugural de modificar a informação de "Cardeal Fulano, Patriarca, Bispo ou Arcebispo de Tal" para "Beltrano Tantos, Sucessor de Pedro". Claro que em tempos anteriores ao cometimento a Sacros Colégios Cardinalícios se registam na História escolhas mais dignas que votações, essas concessões à Democracia que nos oprime, pese a mitigação inerente ao carácter restrito deste Corpo Eleitoral. São Fabiano ascendeu ao Pontificado quando a Pomba Branca nele poisou... Mas os tempos são outros e a impureza humana não se pode dar ares e repudiar os escapes purificadores. Enfim, para desagravar o Fumo e como hoje é Domingo, deixo uns versos reabilitadores.
DESABAFO

Dizem que sem o Fogo eu não existo
mas não me tratam melhor por isso,
afastam-me com brusco gesto superior
como se fosse insuportável o meu odor
e todo o ser presente um enfermiço
hostil a aspirar-me, a ter-me por benquisto.

Talvez porque faça o que lhes é vedado,
elevando-me ao Alto sem grande esforço,
 sempre leve, nesta vida cheia de lastro,
contra o orgulho que, sem querer, castro,
de me não quererem acima, com o que torço
a ideia fixa de lhes caber o bom bocado.

Quando correm para mim em raro aperto,
usam-me para enviar do perigo os sinais,
chegando mais longe que muito outro meio.
Mas, uma vez servidos, bem que receio
a recaída nas desconsiderações habituais
ingratas e bramidas num reles concerto.

Esta vocação de mártir que ora assumo
não obsta a que procure o são respeito,
aquele tributado aos ditos de boa massa.
O meu nome é honrado, chamo-me Fumo
e o contínuo enxovalho não mais aceito:
continuar a ouvir dizer «é só fumaça»!

3 comentários:

  1. Ainda bem que há quem não ceda à cultura do imediatismo...

    Ab
    Tiago

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  2. Parece-me bem que se mantenha o Costume, a saúde da Instituição anda de tal forma pelas ruas da amargura, que alterar esta tradição só contribuiria para o desconsolo dos Crentes.

    Beijinho Querido Paulo

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  3. Meu Caro Tiago,
    só faltava a Cabeça da Igreja ao sabor de um clic, ehehehehe...

    Querida Ariel,
    pois com certeza. Já dizia o velho Bourget que «quando não é preciso mudar, é preciso não mudar». E seria distracção e traição, conhecendo-se no mundo coevo tantas situações dramáticas a exigirem prioridades de mudança! Além de um ritual ser um momento psiquico importante de repouso confiante e reconhecimento.

    Beijinho e abraço

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