Revolta Contra as Fórmulas

Nunca alinharei na desconfiança brutal de alguns espíritos mais resistentes, calejados e impiedosos que atribuem a Depressão aos vícios da abastança mimada e sentenciam a ocupação dura como o melhor dos remédios. Jamais gostei de troçar da sensibilidade e vejo por todo o lado exemplos, justamente, de ser a exposição a excessos profissionais uma das maiores contribuições para o arrasante distúrbio. Tão-pouco minimizarei o drama da incomunicabilidade com filhos resultante do autismo deles, como  do desespero ou deficiências próprias. O meu ponto é outro e aponta para a observação da perversidade da acção de alguns anti-depressivos. A catadupa de casos de mães que traíram o seu estatuto sob o efeito deles, ao ponto de acabarem com aqueles que tinham trazido ao Mundo, faz-me pensar se não seria mais avisado evitar o repouso na esperança das suas potencialidades terapêuticas, quando parece apenas terem fortalecido a decisão assassina. Ou para nada servem - e não se vê por que usá-los -, ou ajudaram a reunir forças para a maldade mais repelente e, então, há que proscrevê-los. A alternativa? Talvez uma educação para a mitigação das expectativas, nomeadamente a da Felicidade, de modo a impedir que com o desmentido dela se identifique o Absurdo da vida, antes constatável na forjada omnipotência das nossas aspirações içadas ao estatuto arrogante de planos...
                                           Mãe e Filha, de John Frederick Leighton

PÍLULAS & PÍLULAS

Transfiram lá para o consumo imediato
a busca falhada da Sanidade!
Num simulacro alvar de Cultura,
a tranquilidade serve-se em pastilhas,
colmatando pastilha maior que é a vida,
aquela que a poucos serve.
Obtenham, vá, pelos químicos,
a composta pose instantânea,
como outros alienados, no hospício,
serenando após lobotomias.
Caísteis na ingénua pecha
de aceitar à letra ser uma Química
a interacção, logo uma receita,
em ordem à exterior satisfação.
Desistentes do auto-domínio,
anestesistas de toda a esfera do sensível,
recebendo em mais uns comprimidos
as ideias feitas com que vos arranjais,
sem perceberdes que os anti-depressivos
adiam umas horas o desespero
e, o que é pior, para sempre,
a percepção mais contundente
de que verdadeira e profunda depressão
é o Homem incurável.

2 comentários:

  1. Não me sinto muito à vontade neste tema. Em todo o caso penso que não serão só os efeitos nefastos da medicação, mas muito mais determinante um contexto familiar de infelicidade e solidão...

    Beijinho Paulo

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  2. Claro que essa é a base de partida, Querida Ariel. O que tento impugnar é a compensação da felicidade por dopagem, a qual, nestes casos, até terá dado forças para tenebrosos finais que talvez o simples abatimento sofredor, por si só, não desencadeasse.

    Beijinho

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