No Mundo da Lua

Dos EUA surge-nos a última loucura do Politicamente Correcto, precisamente a abolição do conceito das formulações legais. Quanto à imperatividade da mudança, é o zero absoluto, já que, dizendo-se a classificação eliminatória do estigma pretensamente ínsito à palavra lunatic não se percebe como poderiam alienados sentir-se feridos com o apodo. Quanto às consequências, advirão sérias dificuldades, pois esbatendo a divisória qualificadora que permitia uma mais nítida fronteira nas declarações de interdição e inabilidade, ameaça-se de miséria uma série de famílias de incapazes. A falta de razão inspirou toda uma tradição literária de apelos fáceis às lágrimas que encontrava o pano de fundo ideal na brusquidão desprovida de jeito e compaixão perante reais condições dos hospícios, até recentemente, como dos abusos da rotulação de "loucos", quer por advogados em busca da inocentação de criminosos em que a factualidade não deixasse dúvidas, quer por autoridades e plumitivos em demanda de uma etiqueta segregadora de vultos incómodos que não pensassem ou agissem como a maioria que se sujeita às injunções deles emanadas. A esta coligação, juntou-se a denúncia dos abusos presentes na limitação feroz dos comportamentos, como lobotomias e certos fármacos, no metier dos Psiquiatras, bem como as inculcações, convergentes apesar de opostas, da Psicologia, alicerçadas na universalidade dos traumas e necessidade de análise como complemento do dia a dia. Estimulando-se a compaixão pelos furiosos, por um lado,  matizando fronteiras de comportamentos insanos nos menos violentos, pelo outro, só se esperava o surgimento de um ambiente em que as provocações e dificuldades quotidianas, brotadas de poderes incompetentes e manipuladores, instilassem a noção de que, ao menos nesta Sociedade da Depressão, de loucos todos nós temos bastante, em vez do «pouco» do provérbio. E a saída mais fácil é a negação, como a descriminalização no consumo de droga: "se há assim tantos afectados mentalmente, nenhum lunático se pode identificar". Logo, há que abolir a noção. Desta forma, até passam os decisores por razoáveis, já que um dos traços mais reconhecidos dos doidos era o de acusarem de maluquice os circundantes. Cada vez mais compreendo a razoabilidade da obsessão gritada por um conhecido ex-internado, o qual se passeava pela estação do Cais do Sodré, exclamando: Pois, vocês é que trabalham e o maluco sou eu!.
                                                             Loucos, de Goya

5 comentários:

  1. Meu Caro RAA,
    um pouco mais abaixo, em:

    http://jovensdorestelo.blogspot.pt/2012/11/abordagem-catalunha.html

    Abraço

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  2. caro Paulo

    Como se diz, é doente quem se sente. "Invocar" a insanidade é um subterfúgio nada desculpável mas está na moda apelidar de doentinho todo o incapaz. Do mesmo modo, "incapaz" no nosso senso comum não é um incapacitado físico mas quem tenha um mau desempenho. Quanto ao "lunático", os dias andam muito encobertos neste país!

    abraço

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  3. Ahahahah, "vocês é que trabalham e o maluco sou eu"..:))) nem sei o que lhe diga Querido Paulo, lá pela América o politicamente correcto tornou-se uma religião, não há pachorra.

    Beijinho

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  4. Meu Caro João Amorim,
    claro que a insanidade dá para tudo, apesar de a previsão legal originária pretender salvaguardar dependentes dos protagonistas de maus desempenhos... ainda que estes se não devessem a simples incompetência mas a insuficiências psíquicas e, até, de carácter. Agora, a camuflagem da infelicidade com palavras dúbias...
    O artista de cujas proezas dei conta... só visto: sempre com o cabelo cortado à escovinha, num crânio esranhíssimo, em forma de bala e uma expressão de olhar concentradíssima, sabe Deus em quê.


    Querida Ariel,
    é uma praga desmotivadora. No tocante ao Autor dessa sentença quasi moral, chegámos a uns tempos de tanta agressão aos assalariados que concordar com ele começa a aparecer como tentação...

    Abraço e beijinho





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