Confissões de Uma Máscara

No triste fim de tarde dos distúrbios em frente da Assembleia da República, viam-se, em lugar de destaque, alguns portadores de um disfarce estranho com bigodes à Salvador Dali, mas que, pelas implicações e remissões decorrentes, em muito transcendem a auto-restrição do verdadeiro Surreal. Trata-se de uma cadeia de alusões em jeito de caixinhas chinesas: filiam-se de imediato nas máscaras tornadas míticas nos meios contestatários de hoje por uma banda desenhada e um filme com audiência, «V FOR VENDETTA», as quais, por sua vez, se apropriaram dos traços fisionómicos de um bombista Inglês Católico do tempo de Jaime I, Guy Fawkes. Em comum querem ter a revolta contra as instituições, mas enquanto o malogrado precursor pretendia restaurar a Ordem Católica contra a coacção protestante dos legisladores arrivistas da época, V, o activo anarquista da distopia contemporânea, exime-se a qualquer vinculação a legitimidades, reconduzindo-se à versão radical da mensagem de que os governos devem temer as pessoas e não o contrário, funcionando o grotesco estado totalitário que motiva a sua rebelião apenas como maquilhagem da atmosfera indutora de simpatia. Uma semelhança há, porém entre os dois pólos expostos e os apedrejadores de S. Bento: todos querem atingir os respectivos parlamentos. No caso daquele triste e mesquinho que nos calhou, com a ironia maior de ver uma criação historicamente concebida para proteger das exacções fiscais ser a vergonhosa aprovadora de uma versão muito pesada delas. Mas é possível que os mascarados não tenham equacionado uma vertente de desconfiança inoculada pela filiação de que se reclamam - Fawkes, submetido a tortura, revelou os nomes dos conspiradores de que era cúmplice. Não é inspiração muito prometedora para o bando que os acolheu, se esperar bom comportamento político dos concernidos...
Eu desconfio de acções com o rosto escondido, salvo no caso do Zorro, por lhe conhecermos a identidade, D. Diego de la Vega. Porém, a Máscara tem muitas facetas e, em desagravo a algumas delas, escrevi:


ODE À MÁSCARA

Se de lama, da Beleza és garante,
frustras bisbilhotices, sendo singela.
Caprichada, à alegria trazes bastante,
assumindo do Carnaval a chancela.

Fúnebre, prolongas do vivo o aspecto,
em muito sacro fazes parte do ritual;
E contra o gás, facultas vida, afinal,
frente à doença proteges do ar infecto.

Tapas vergonhas, mas nunca enfadas.
Como na Esgrima, páras as estocadas
que o inclemente quotidiano distribua,
cumprindo função de defesa muito tua.

Na estrita acepção, ou na social,
forças alguém distinto a vir à tona.
Adequada ao hábito de penitente,
levas a abstrair do egotismo abissal;
portanto, bendita sejas, cara Persona,
meio do Perdido voltar a ser Gente!

2 comentários:

  1. rudolfo moreira20/11/12, 15:08

    eu só queria saber como é que pode esperar-se bom comportamento daqueles meninos

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  2. A conduta foi muito pouco cordata e conforme aos mínimos, com efeito. Mas eu referia-me à "expressão técnica" do PCP da clandestinidade, que falava de bom ou mau comportamento político consoante os militantes cedessem ou não nos interrogatórios.

    Abraço, Meu Caro Rudolfo

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