As Ossadas do Desejo

As fantasias sexuais despertam, habitualmente, em mim uma complacência divertida, mas confesso que a Necrofilia é uma excepção que se tem mostrado rebelde à compassividade. As melhores impressões que do conceito dela retive provêm das cenas inesquecíveis de «BELLE DE JOUR», de Buñuel. Tentando pensá-la, contudo, sempre me pareceu mais vocacionada para atingir homens do que Senhoras. Talvez esta impressão advenha da força do conto de Eça de Queirós em que um facínora ávido de gozo tenta utilizar o corpo de uma morta para o efeito e é mordido por um bicho vingador... O que eu esperava da Suécia, terra tão libertária em sede de transes corporais amadores, era maior frieza na análise da particularidade desta Senhora e, até porque ela só acumulou meia-dúzia de caveiras, que não fizesse da sua propensão um bicho de sete cabeças. Como tantas outras, vocacionadas para transportes mais activos, preferentes do brilhantismo face ao carácter, a detida deixou-se seduzir por crânios, mais do que por colunas vertebrais. E, finalmente, não reduz o amor ao prazer de um certo músculo, aqui de todo ausente, procura apenas a companhia que lhe sorria para sempre. Se eu lhe fosse nomeado defensor, esqueceria por completo a chachada do valor arqueológico, porque seria preciso comprovar anos e proveniências duvidosamente certificados. Diria antes que a encarcerada prometia estimar os restos que a comprazem melhor do que muitos herdeiros e funcionários de cemitérios. E que os materialistas só poderão louvar uma paixão que prescinde da alma, tal como os espiritualistas deverão exultar com um amor que é tudo menos carnal! Como aquelas pessoas mais ligadas ao par, que se acabam por assemelhar ao companheiro, também a esta desempregada a confusão de ócios com ossos assegura o Futuro em que o seu aspecto imite o da companhia.
                                                A Promessa, de Madline von Foerster

2 comentários:

  1. De facto, a proliferação de crâneos por contraste com a pobreza dedicada a ossadas eventualmente mais sugestivas, digamos assim, é que me põe a cabeça a andar à roda...:))

    Beijinho Paulo

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  2. Querida Ariel,
    até temo quando penso nas implicações que a conduziria o conselho simples e inocente para que a possuidora usasse a cabeça...

    Beijinho

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