O Fardo e os Burros

Só não vêem os que estão em campo, quiçá por não quererem ver. Da bancada, todas as vozes responsáveis avisam, carregar mais de impostos os sujeitos passivos que demasiadamente encarnamos nem da perspectiva governamental pode trazer bons resultados. Dir-se-á que não sabem mais. Eu penso, ao invés, que sabem muito. Os observadores, apesar da ambiguidade linguística da formulação, temem que aumentar ainda mais o peso tributário sobre quem está tão mal desencadeie, verdadeiramente, um fenómeno análogo ao da tolerância, em Farmacologia, com a perda do efeito do remédio no organismo em que ele foi continuadamente ministrado. Ora, eu creio coisa diferente, penso que no País dos cursos de papel e lápis, os mandantes olham mais para constatações da Psicologia e confiam em que se verificará um paralelo com o mecanismo de habituação, evaporando-se a resposta ao estímulo, quer dizer, neste caso lúgubre, a revolta. Mas o cemitério da História está cheio de vorazes optimistas, entretanto justiçados. Veremos se o estômago não fará a População reconhecer o seu verdadeiro inimigo, o regime que lhe impõem... nos dois sentidos do termo.
                                         O Colector de Impostos, de Pieter Brueghel O Jovem

3 comentários:

  1. Não será possivel o país sobreviver a esta dose cavalar de austeridade. A perspectiva de 16,4 de desemprego é francamente optimista, se tivermos em conta que foi "actualizada" para 16% há menos de um mês... donde estou convencida que vai ultrapassar a barreira dos 17%. Será impossível suster a revolva por muito habituados que os paciêntes estejam à medicação.
    Beijinho Paulo

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  2. Pode ser, Querida Ariel. Tenho para aí um livro de Alfredo Pimenta onde julgo poder encontrar um diagnóstico que faz eco com o que aqui nos deixa. Vou procurar e prometo, amanhã, dar conta do sucesso ou insucesso da busca.

    Beijinho

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  3. Querida Ariel, já encontrei:
    «Profundamente, estruturalmente, integralmente animal, a sociedade portuguesa do nosso tempo leva a vida baixa e mesquinha do porco que desconhece as estrelas e só fita a gamela» («NAS VÉSPERAS DO ESTADO NOVO»).
    Do mesmo modo, hoje, embrutecemo-nos pelo consumo, pelas análises da bola e pelos debates em formato de despique. Não descartámos a tempo um regime amoral, tornado imoral até perder o moral. Pode ser que quando nos entram na bolsa e se dissipam as ilusões de um bem-estar sem fundamentos sólidos a reacção seja decisiva. Mas, mesmo no meio de uma terapêutica dessas, quanto drama a abater os mais vulneráveis!

    Beijinho

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