Olimpíadas da Pintura

Apesar de compreender que se dê tratos à imaginação para levar as criancinhas a pensar, faz-me espécie que se criem certames competitivos, com invocação olímpica inclusivamente, em matéria que deles não deveria depender, como a Filosofia. Portanto, fica um tanto embaciado o contentamento que sentiria em ver galardoado um rapaz da terra que botou figura lá por fora. A especulação filosófica deve ser o enquadramento de tudo e o Desporto não é excepção. Mas ser ela enquadrada por regras de uma modalidade parece-me uma domesticação do pensamento, como incompatível com a dimensão última da reflexão me parece o intuito competitivo, para além do maior valimento que os argumentos em espontânea disputa obtenham livremente no espírito de cada um.
Outro tanto se poderia dizer das Belas Artes, salvo num caso em que a remissão olimpizante assenta no título das obras, que não já numa organização burocrática. Mesmo assim, a mola que fez Cézanne criar a sua Olympia - pintar um quadro «muito mais ousado» sobre tema paralelo ao de Mannet que tanta admiração suscitava no seu interlocutor e amigo, o Dr. Gachet - parece-me pobre justificação para o que, no entanto, resultou numa obra prima.

O que nele contesto está longe de ser a qualidade comparativa do desenho, como fizera o crítico Leroy. Parece-me evidente que retratar a nossa espreitadela do desejo de um outro tem de implicar menor nitidez nos traços do que a imortalização prioritária do objecto dele. Aquilo que contrario é a tal ousadia superior que moveu o Artista: será verdadeiramente mais arrojado e provocador fixar o instinto humano em vez de dar aos olhares, em plano de destaque, a radical disponibilidade que, potencialmente, também nos interpela?

3 comentários:

  1. Estando completamente de acordo com a solidez do plenamento do meu Querido Amigo, ainda assim é reconfortante esta notícia, num país onde o pensamento e a reflexão andam tradicionalmente pelas ruas da amargura.

    Beijinho Paulo

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  2. Porque o voieurismo é uma perversão a ousadia está nela
    Rudolfo Moreira

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  3. Querida Ariel,
    para o Rapaz é bom, para Portugal é uma alegria em tempo delas carente, o Pensamento é que fica a ver navios...
    Mas como não deixamos de nos forçar a crer num Futuro, rejubilemos.

    Meu Caro Rudolfo,
    Todavia, na de Mannet também se encontra, mesmo no plano da captação: a chinela na retratada é evidente fetichismo.

    Beijinho e abraço

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