Sangue na Consciência

Era fatal o clamor de demarcações e citações da declaração de Lars von Trier em Cannes. Dizer que aprovava Hitler e os seus feitos, num certame de institucionalismo cultural adverso, tinha de concitar condenações e defesas, enquanto se esperava o pouco tempo que a publicitação da ocorrência levasse a revolver as consciências mais puras, aquelas que estão fora do meio.
A princípio, até pela pronta apresentação de desculpas e garantia de arrependimento, pensei estarmos simplesmente diante de um truque de promoção desse «Melancholia» com que se apresentava no Festival. Com efeito, se tivesse pedido a Dunst e Gainsbourg que se despissem na conferência de imprensa, falar-se-ia do caso durante cinco minutos. Assim tem asseguradas cinco semanas de holofotes.
Mas uma noite de sono fez-me reflectir que talvez não seja caso assim tão simples. A velha história por ele tão divulgada da paternidade desmentida no derradeiro suspiro da Mãe, fazendo-o passar de um filho de Judeu para rebento ariano, conjuga-se com o evento que catalisou estas observações, para me fazer concluir que o cineasta dinamarquês vive uma essencial avidez de seguimento, bem explicável pela ausência de educação que a família lhe dera, por a considerarem como repressão. Desta forma, o dístico da imagem completaria bem a toilette ostensivamente informal com que compareceu na alocução, outra forma clara de dar nas vistas.
E vejo-me então relegado para uma diversa melancolia, a de ver um realizador cuja filmografia prezo atolar-se em esquemas e truques para garantir-se ainda mais acompanhamento, já que a qualidade notória da obra parece insuficiente para atrair a quantidade de público que almeja. O nome que usa é uma mentira, acentuada pela partícula von. Mas não o será também toda a digladiação de fidelidades de herança e de ideário com que se deleita em dar aos olhos dos outros?

4 comentários:

  1. Os casos clínicos devem ser tratados em sede própria, a falta de atenção e educação em devido tempo é no que dá, temos depois de os aturar em adultos e não lhes podemos dar umas valentes palmadas, até porque agora é politicamente incorrecto fazê-lo..., enfim, tristezas.

    Beijinho Querido Paulo

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  2. O antissemitismo de ocasião está na moda como prova a história do maricas da alta costura no outro dia
    Rudolfo Moreira

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  3. Lars von Trier é um realizador de excepção. Se fosse outro o objecto da sua «compreensão», as suas declarações não passariam de uma nota de rodapé. Como é o grande demónio do Ocidente, é "o horror, o horror...".

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  4. Querida Ariel,
    sobretudo irrita-me a constante pressão para espremer algum proveito dessa condicionante dum Passado que não ponho em dúvida!

    O Galliano era sujeito que não me despertava bons sentimentos, Amigo Rudolfo. Este é diferente. Gosto da obra, lamento as fragilidades do Autor.

    Caríssimo Miguel,
    o que é triste é vivermos numa época em que o Diabo, lui même, só despertaria gargalhadas, sendo alvo de benevolência comparável.

    Beijinhos e abraços

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