Um Comércio de Morte

No tempo do Romantismo a idealização do Suicídio dava para, através dele, certificar a existência de uma alma sensível, a melhor carta de recomendação da época. Hoje, vem a calhar para sugerir uma personalidade liberta da Dor, num momento histórico em que a eliminação dela é a suprema aspiração, quase o comprovativo do sucesso possível. Nada a opor, salvo, no tempo dos centros e livros do género "pare de sofrer" e dos analgésicos generalizados, o desgosto pela absoluta marginalização da reflexão descobridora de sentidos profundos para o Sofrimento, na medida em que redunde em aberrações como a de certa venda de tranquilidade assassina que vai sendo notícia.
Toda a simpatia que poderia inspirar a intenção de proporcionar alívio é esterilizada pela procura do ganho subjacente, numa actividade impuramente mercenária que, ao contrário da dos Profissionais de Saúde, não visa apoiar a resistência individual, mas tornar acessível a via rápida para a Desistência.
Acresce, impressivamente, uma difusa desconfiança de que, sendo a macabra empresária que disponibilizou o kit de suicídio uma nonagenária, algum perverso prazer comparativo poderia retirar da abreviação de vidas mais curtas, uma das poucas explicações possíveis para a insensibilidade de despachar, a pedido, encomendas mortíferamente... despachantes. A Eutanásia nunca poderá ser completamente entregue à iniciativa privada.



A imagem é Sátira do Suicídio Românttico, de Leonardo Alenza.

4 comentários:

  1. Pensei exactamente o mesmo quando li a idade da comerciante, que comércio mais macabro...

    Beijinho

    ResponderEliminar
  2. Querida Ariel,
    tétrico, não é?
    Mas claro que artigos destes não deveriam ser passíveis de comercialização. Embora em países como o nosso nem devesse ser perigoso, a maior parte das pessoas mais em risco, provavelmente, nem teria posses para adquiri-lo... o suicídio é um luxo que lhes está vedado.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  3. Nem se pode falar em eutanásia quando aproveite só um dia mau
    Rudolfo Moreira

    ResponderEliminar
  4. Sim, Caríssimo, não se comprovando o estado terminal, nem se põe a questão de uma abusiva "boa morte", é oportunismo total e incitamento ao mergulho niilista que, insinua-se - aplacará as torturas da subsistência.

    Abraço

    ResponderEliminar