Notícias da Frente (Literária) (II)


Em Portugal não há a tradição dos livros de bolso, e é uma pena. À excepção de algumas pequenas colecções, este formato nunca se conseguiu impor no mercado editorial, seja por falta de diversificação e qualidade da oferta ou insuficiência de procura. No entanto, com a crise económica a apertar e o uso crescente de transportes públicos, estes livros de bolso têm finalmente uma grande oportunidade, podendo tornar-se a companhia perfeita para muitos portugueses no seu trajecto entre casa e o trabalho.

Vem isto a propósito da reedição de «A Voz dos Deuses», de João Aguiar, em formato e preço reduzidos. Este autêntico best-seller nacional, lançado em 1985, conta com 28 edições (!) pela Asa, e faz agora parte da colecção BIS, da Leya, ao lado de «Inês de Portugal», do mesmo autor, e de clássicos como «O Processo» de Franz Kafka ou «A Cidade e as Serras» de Eça de Queiroz. Embora não seja um escritor brilhante, Aguiar tem uma escrita fluída, simples e muito gráfica, quase como se fosse uma banda desenhada sem quadradinhos. A isso junta-se, neste livro, um exaustivo trabalho de reconstituição histórica, baseado em dados etnográficos, históricos e arqueológicos. Em «A Voz dos Deuses», Aguiar leva-nos até à antiga Lusitânia e à resistência dos povos ibéricos ao domínio romano. Só que a personagem principal é, não Viriato, mas um dos seus companheiros de armas, Tongio, que narra as memórias das sucessivas campanhas. Através das suas palavras, acompanhamos a ascensão e queda do chefe lusitano e, percorrendo vários locais da Península Ibérica, de vitória em vitória, somos levados até à derrota final. Para além disso, como é habitual nos livros de João Aguiar sobre a Lusitânia, há uma forte presença do sobrenatural, personificada pela acção dos vários deuses do panteão lusitano. Em resumo, «A Voz dos Deuses» pode não ser o livro de uma vida, mas é sem dúvida um clássico para todas as idades, com leitura mais do que obrigatória tendo em conta o preço desta edição.

4 comentários:

  1. Meu Caro Miguel,
    a seu tempo li «A Voz dos Deuses», com satisfação, embora sem transportes, quer no sentido viário, quer no de reacções.
    Demorei a aderir aos volumes de bolso, por me incomodar uma qualquer redução da Dignidade do Livro. Com o tempo, vai-me sabendo bem, desde que não sejam Autores "da minha vida". E, mesmo nestes, já vou cedendo aqui e ali, em colecções excelentes como a «Folio» e a «Poche». Nos antigos congéneres lusos nem sempre o tratamento editorial era o melhor. Esperemos que se esteja a regenerar essa péssima tendência.

    Abraço

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  2. Caro Paulo,
    Quando as edições são boas, não vejo problema nos livros de bolso. O que é preciso é que as pessoas leiam mais, e um formato que se adapta bem à carteira (tanto no preço como na dimensão) é uma boa forma de o conseguir. Tenho alguns exemplares desta colecção BIS, e o tratamento agrada-me bastante. Espero que este esforço tenha retorno e abra um novo segmento no mercado editorial. Abraço!

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  3. Por ter uma escrita fluída e simples é mais brilhante que as tretas pseudo-intelectuais para iniciados que fazem as alegrias da Direito pseudo-elitista.

    Mas já Julius Evola acusava Mircea Eliade de ser demasiado simples... mas há que chegar ao povo, e é brilhante conseguir fazê-lo, digo eu, sem escrita cor-de-rosa.

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  4. É uma questão de gosto, Flávio. Não acho a escrita do João Aguiar particularmente brilhante, mas isso não me impede de ler as suas obras com satisfação — aliás, comecei a ler «O Bando dos Quatro» antes de saber quem era o João Aguiar. Abraço!

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