Jornalismo Turístico


Assim vai o nosso jornalismo. Este texto de Paulo Moura é um excelente retrato do espírito que tomou conta do Ocidente nas últimas décadas. Escrita muito provavelmente no lobby climatizado de um hotel do Cairo, entre um ou outro mojito, esta aventura tem o mesmo tom que muitos utilizam para fazer os filhos comer a sopa, relatando-nos um checkpoint com «dezenas de homens armados com paus e olhares a raiar a demência». Os bandidos revistaram até o iPhone do jornalista (certamente um aparelho da última geração), onde, para além de uma fotografia do filho, só encontraram alguns retratos «de um pastor da serra da Estrela que entrevistei há um mês». Ao ler esta suposta reportagem, é impossível não recordar o escritor Arturo Pérez-Reverte que, entre 1973 e 1994, percorreu inúmeros conflitos armados enquanto repórter de guerra. Em 1977, na Eritreia, esteve desaparecido durante vários meses e chegou a ser dado como morto, tendo sido obrigado a pegar em armas para sobreviver. A esse propósito, Reverte afirma que «adquirimos um hábito perigoso: acreditar que o mundo é o que nos mostram os folhetos de viagens; que se pode viajar de forma segura por ele, que temos direito a ele, e que Governos e instituições devem garanti-lo, ou resolver a peripécia quando o coronel Tapioca parte os cornos». O contraste não podia ser maior. É caso para dizer que já não se fazem repórteres como antigamente.

2 comentários:

  1. Belo apontamento! Estranho a ausência de comentários... Lembro-me da conversa que tivemos sobre uma reportagem do mesmo jornalista quando estava enclausurado num hotel aquando do sismo no Haiti.

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  2. Obrigado, Duarte.
    É verdade, o Paulo Moura é realmente um erro de casting para este tipo de trabalhos. Todos os seus textos estão impregnados de um deslumbramento e uma credulidade típica de um (mau) turista.

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