A Grande Parvoeira

Chegou a minha vez de botar faladura sobre a canção-choque dos Deolinda. Sobretudo porque uma legião de "vigilantes" resolveu insurgir-se contra a repercussão dela. Da arrogância do Sr. Vicente Jorge Silva, no debate da «SIC Notícias» à banalidade despudorada da Sr.ª D. Isabel Stilwell, os registos variam; mas cozinharam uma unanimidade na condenação: que a maioria dos jovens até nem experimenta tantas dificuldades, que os tempos estão maus em todo o lado e na estranja também há cortes, patati patatá. O Sr. Silva nem resistiu a recordar-se de que escreveu nas páginas de Cultura e atacou, imagine-se, a qualidade musical da obra, quando o problema é, evidentemente, do foro sociológico. Já a Sr.ª D. Isabel lembrou-se de que os nossos jovens não se deviam queixar porque... os paizinhos, não tendo conhecido as dificuldades do Emprego, tinham, no entanto, ido à Guerra!
Mas que Democratas intransigentes! Quer então dizer que desde que uma maioria, imagino que mesmo a tangencial, consiga subsistir, vivemos no melhor dos Mundos. Ah, bem, assim compreende-se que achem os números da miséria e do desemprego irrelevantes. Pois se, apesar de atingirem centenas de milhar, são minoritários!!!! E, ao que parece, para esta gente, a defesa de uma comunidade, em que o risco pessoal estava bem patente desde o início, é o mesmo que incutir a excelência de um modo de vida que é depois escamoteada, quando fecham as portas antes propagandeadas.

O problema é mais fundo: Os expoentes desta geração entradota não suportam ver fumos de contestação nos mais novos, já que lhes ficou da mitomania do Maio de 1968 a crença de direitos de exclusividade do Protesto. E como essa magna insurreição foi direccionada para domínios que ultrapassavam o estômago convenientemente cheio, a sexualidade pouco explicitada dos progenitores e a reivindicação para a ignorância de deferências iguais às tributadas ao Ensino, tendem a detectar em qualquer vocalizada preocupação material da Juventude um filisteísmo mais ou menos ficcionado.
Traduzindo em miúdos: estes peões de brega de que os governantes se socorrem no Debate querem que os destinatários da incompetência das lideranças as aguentem de bico calado e cara alegre. Ao ponto de nem escutarem a letra convenientemente, a qual é principalmente uma crítica à inacção e falta de iniciativa geracionais, quer no conformismo, quer no adiamento.
Não tenho grandes ilusões. Se aqueles que entram agora no Ciclo Infernal - como lhe chamou Michel Déon - da Profissão já compreendem que estão a ser logrados na linda vida que lhes prepararam, ainda têm o cérebro suficientemente enxaguado com a cantilena de a Democracia ser o menos mau dos regimes, o que continuará a tolhê-los, para além do desabafo em curso.
E, apesar deste susto, os mandarins que nos calharam continuarão livremente a mudar as regras do jogo a meio e a fazer de todos nós os parvos que não nos queremos.

15 comentários:

  1. Entre a Parva... da Deolinda e a Etelvina do Godinho, melhor a Etelvina. De vagabundear por livre arbítrio, com o jeito de sempre, pôde guindar-se às conversas amenas da Sociedade Industrial de Comunicação para divulgar a sua mensagem. A Parva... da Deolinda já vai fazendo o mesmo.
    Cumpts.
    P.S.: que nome parvo terão os que acabaram num bueiro nas arcadas da igreja de Arroios ou os que dormem à beira-rio, acocorados com o frio nas arcadas do Ministério das Finanças?

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  2. Paulo, a canção não vale um caracol e os meninos de canudo na mão sabem pouco mais (sorry). Conheço o género, lido com ele, os bons vão embora ou ARRANJAM emprego sim (vão buscá-los ou dos estágios acabam por ficar), os medíocres ou francamente maus - infelizmente a maioria, neste caldo em que a trintena de recentes anos colocou as gerações de escola mal formada, de facilitismos e vícios, claro que andam a arrastar-se em lamúrias e fracassos.
    O problema não é nada simples, nem de debater, nem de resolver, mas avisos não faltaram (como parecem nunca faltar, daí 'o velho do Restelo', mas não se gosta de ouvir e raramente se seguem os conselhos...
    A malta queria era um emprego 'garantido', no Estado, de preferência com mordomias, garantias e quejandos, como 'antigamente'.
    Pois o 'antigamente' era tão mau que acabaram com ele.
    Agora, mexam-se. O mundo mudou; não era o que queriam?
    Vá, mostrem o que valem!

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  3. Em adenda: e não contentes com a ignorância crassa que ostentam, ainda se arrogam de uma falta de humildade atroz - recusam muitas vezes trabalhos classificados como 'inferiores' ou 'menores', não se 'sujeitando' a "qualquer coisa"...
    Sei de situações; várias.
    As cabecinhas aéreas povoadas de ilusões, falta de princípios e maus exemplos dão no que dão.
    Ninguém pretende começar 'por baixo', como se ter uma licenciatura (com dez, onze ou doze) fosse hoje em dia alguma coisa.
    Tudo fátuo, tudo superficial. Existe muita falta de bom senso e de noção da realidade. E de conhecimento do que era a vida antes do 25 de Abril. Do que era comer pouco. Ou nada.
    Do que era ter apenas um par de sapatos e os livros passarem por todos os irmãos.
    E ir-se 'servir' na casa dos outros e telefonar 'por favor' ou só passear um bocadinho, ao domingo à tarde. A pé.
    Férias? Ah..., que era lá isso?!
    Praia? Umas tardes, no Verão, de eléctrico, na praia mais próxima, de cesto de farnel e toalha às costas.
    E estudar afincadamente, sempre e muito, para um dia 'ser alguém'.
    E ter respeito aos mais velhos.
    E orar com Fé.
    Hoje, que valores existem?
    Que princípios, senão do de pisar quem se possa para chegar mais longe, mais alto, da forma mais canalha e vil possível?
    Tirando as sempre honrosas excepções, é claro...
    Mudou tudo, pois foi...
    Para melhor?
    Não sei...

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  4. Ora, Paulo, o que são 600.000 desempregados e mais 1 milhão de empregados com sub-emprego? uma minoria, meu caro. ;-)
    Gostei do O ler (ou reler). E da imagem do Pateta. Um abraço.

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  5. Paulo, quando ouvi a canção, pensei: estes devem saber o que se passa na minha vida...
    Então cá vai:
    Actualmente com 23 anos, licenciada em Direito pela FDUL desde Junho de 2009 (4 anos de curso) + média de 14 valores, sem nunca ter deixado uma cadeira atrasada um semestre que fosse + Parte lectiva do Mestrado Profissionalizante concluída em 2010 com média de 13 valores + em preparação de tese+ inscrição na Ordem dos Advogados ao mesmo tempo que fazia a parte lectiva do Mestrado em 0utubro de 2009+ aprovação aos 3 exames da OA em primeira fase a Abril de 2010 + em segunda fase da OA desde Abril e desde de Outubro de 2010 à procura de Estágio remunerado + sem cunha = estágio não remunerado desde a semana passada...são impecáveis comigo, mas ganhar qualquer coisa dava jeito...
    Tenho colegas com médias inferiores a serem explorados com processos executivos e mal ensinados a ganhar 500 euros, outros também eles remunerados a 1200 euros porque conseguiram uma cunha e entraram numa grande sociedade...Os critérios de recrutamento são altamente duvidosos.
    Os que vão buscar (pelo menos à FDL) não são os bons, são os excelentes: médias de 18, 17...os outros lixo...ou têm cunha...ou chapéu.
    Apesar de a música, mais parecer um queixume cantado, não deixa de ter a verdade nela plasmada...eu que o diga.
    Vamos lá ver onde vou parar.
    beijinhos

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  6. Lady-Bird, apetecia dizer irreverentemente (como agora se usa) "temos pena", mas não. Sei bem que há casos e casos e também 'comecei', também andei aí, também tive sobressaltos anos e dormi muito mal e tive uma úlcera à conta de não saber qual seria o próximo emprego quando andava nos 'interims'. Apenas 'achava normal', coisa ue hoje em dia ninguém parece achar. Começar, começar sem cunhas, sem experiência, custa. É assim, é 'de baixo'.
    E comecei ainda a estudar, como doméstica, como baby-sitter, como explicadora, como secretária, como recepcionista em hotel nas férias de Verão.
    E depois sujeitei-me anos a trabalhos temporários a recibos verdes (sim, já nos anos oitenta, não os inventaram para esta geração). Respondi a muito anúncios, fui a 'n' entrevistas. Nunca desisti. Também havia 'crise', esteve cá o FMI (quando não existiu crise, por cá?!). Viveu-se. Não tinha carro, nem casa própria e a primeira vez que tive de ter um empréstimo paguei quase 20% de juros. E paguei-os. Hoje rebelamo-nos com spreads de 4,5%...
    O que quero dizer é que vindos de um espírito de ter 'menos', de uma ideia de a vida exige sacrifício e espera, custa bastante menos alcançarmos, um dia, os nossos propósitos.
    Hoje, aos dezoito anos, é habitual um jovem tirar a carta e ter logo um carro. 'Habitual'!
    Comprar um carro exigia muitas contas, letras e insónias. E ficava-se com ele até quase ficar podre.
    Outros tempos? Claro, claro, e não desejáveis, por certo, mas o extremo: tudo, já! também não é nada bom conselheiro...
    Ontem assisti a uma reportagem onde uma dada jovem do nosso interior acabou em Lausanne a ganhar 4.000€ como fisioterapeuta.
    Porquê Direito se sabemos que há excesso de advogados em Portugal?
    Porque não um curso mais técnico, prático, exequível, adequado às necessidades do presente e do futuro?
    Gosto? Claro, respeitável, é óbvio, mas depois arcam-se com as consequências, não é?
    Um caminho entupidíssimo e de espadachim...
    A menina sabe esgrima?
    Não? Então, que Deus a ajude...
    Boa sorte, Lady-Brid, de coração!
    Para si e todos quantos merecem.
    Na verdade..., até para os outros, que não me cabe a mim distribuir fados.
    Bom domingo.
    :)

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  7. Meu Caro Bic,
    imagino que a Etelvina seja das tais «piores do que a "Parva" que estão na televisão»...
    Mas não sei, ainda encontrou uns vislumbres de tragédia e cUração na noite, enquanto que no sofá...

    Querida Margarida,
    já disse no texto que aqui não importa a música, mas a capacidade descritiva que gera as identificações.
    O meu ponto é que a culpa é inteirinha de uma geração que virou o Ensino de pernas para o ar, fazendo proliferar sôdôtores sem lhes garantir empregos como na dela havia; e querendo diminuir direitos com um à vontade obsceno quando vindo de quem estragou. Haveria por certo conflito de gerações se a vaga cultora dos Deolinda tivesse energia para tal.

    Que Regresso tão agradável, Meu Caro Mike!
    Sim, que importa? Na Demo-cracia por um se ganha e, sobretudo, por um se perde. "Eles que se conformem", é o que a classe política diz.

    Querida Joaninha,
    Estou esmagado com o currículo!
    A grande vingança seria a recusa de produzir, ou seja, de colaborar com estes tristes decisores. Mas eles entranharam demasiado o ideal da Profissão e do sucesso...
    Cada vez mais dou razão a um alienado que entrava na estação da CP do Cais do Sodré e que vociferava:
    «Vocês é que trabalham e depois eu é que sou maluco!».
    Ao fim de um dia esgotante, fartava-me de ver cabeças a acenar.

    Beijinhos e abraços

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  8. Isto, sim, é comentário Político, Paulo. Bravo!
    Abração.

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  9. Adenda (ao comentário anterior): Feito por Ti, aqui, sob a dupla forma de «postal» e «comentário», entenda-se.

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  10. Obrigado, Colega e Amigo. Mas é lamentável que a Actualidade me dê pano para tais manguinhas.
    Abraço

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  11. O que vale é que esta geração não segue cegamente o que os "fazedores de opinião" e comentadeiros dizem.

    Esta geração vive na sociedade que existe e vive com ela. Cresceu com os seus hábitos e gostos, com as suas lutas (ou falta delas). Se os pais oferecem a carta e o carro, se não se importam de continuar a alimentar e a dar guarida, sine die, aos seus filhos e a irem-nos sustentando, não é por isso que estes têm menos direito a sentirem-se usados. Usados pelas gerações anteriores, principalmente, que comeram uma fatia do bolo maior do que aquela a que tinham direito, comeram a fatia que caberia comer aos seus filhos. E agora estes têm de arcar com as consequências de já não terem fatia para comer, e as migalhas que lhes cabem serem as que sobram da mesa dos pais (ainda que por vezes sejam lautas migalhas).

    E vem sempre o mesmo dedo em riste a apontar-lhes (a apontar-nos, se faz favor, que também sou desta geração) a "falta de valores", a falta de rumo. Pois claro. Sem perspectivas de futuro e tendo crescido numa sociedade profundamente egoísta, o que querem é gozar a vida o mais que podem, sem pensar muito, que não vale a pena. Consomem-se na espera de que algo mude, pois foram, fomos, educados a não tentar mudar, a esperar que alguém o fizesse por nós.

    Mas este é um problema de toda a sociedade, e sinceramente, com todo o respeito que tenho por quem me antecedeu, não me parece que a geração dos meus pais, aqueles que estão agora na casa dos 40-50 anos, fosse verdadeiramente diferente. Também eles foram habituados a padrão muito razoável de conforto e de consumo, e nós crescemos com isto, habituámo-nos.

    Sabemos que nos caberá resolver este imbróglio, mas parece-me que achamos que ainda não é o momento.

    Tenho os mesmos 23 anos da Lady Bird, sendo ainda estudante.

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  12. Desisto...já fiz hoje 2 comentários diferentes e enormes e no fim dá erro...até o blogspot está feito para me infernizar a vida...=(

    Paulo, este pardieiro não vai lá com falinhas mansas, malucos somos nós por deixarmos isto andar. E o meu CV não é nada por aí além...é razoável, mas pelos visto não é suficiente para me chamarem para a primeira entrevista...

    beijinhos

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  13. Meu Caro Yiago Laranjeiro,
    ora, aí é que bate o ponto, o conforto e o consumo não trazem a felicidade, a de acção naqueles que hoje conformam, a de sensação nos que assim foram moldados. Quanto à negação do conflito que tenho visto aí nos opinion makers, o diagnóstico está feito pelos Deolinda, é um prolongamento mais da anestesia.

    Querida Joaninha,
    para o péssimo estudante de Direito que eu fui, esse CV é de estalo! Calma, no insistir é que está o ganho e não há mal que dure sempre.

    Beijinho e abraço

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  14. Querido Amigo Paulo,
    Não acredito que tenha sido péssimo, aposto que o defeito era dos Assistentes e Regentes que não atingiam os seus raciocínios de longo alcance...
    Vamos lá ver, o que me vale é esta alma caridosa que me acolhe temporariamente e do alto dos seus 76 anos me aconselha a ir para o CEJ...Já estive mais longe, mas se for e conseguir o objectijo será MP...Nunca digas desta água não beberei...sempre ouvi dizer.

    beijinhos e obrigada pelas suas simpáticas palavras...=)
    ps: Paulo, viu ontem o locutor do Telejornal da RTP a meio de uma boa nova, a dizer "direCto" acentuando o "c"??? ri-me sozinha...porque o coitado ficou atrapalhadíssimo...agora que que arrancam de lá o "C" é que ele resolve
    lê-lo...lol

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  15. Huuuum, eu andava por lá tão pouco que mal conseguia grunhir, quanto mais raciocinar!
    Bem, uma Acusadora! Castigue-os que eles merecem! Uma Joaninha de Armas, está visto, esperemos que com melhor sorte do que a Patrona Francesa que acabou nas mãos dos anglo-burgonheses.
    Perdi por completo essa inenarrável fisgada ao tordo ortográfico!
    Beijinho

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