Círculo TVicioso

Coisa que a mim me faz espécie é a emergente mania de pôr a votação telefónica nas televisões uma qualquer escolha múltipla sobre os mais diversos temas, dando no final a percentagem atingida por cada opção como se fosse um dado válido. Sossega-me porém um pouco o facto de se ir estendendo a factos futuros tais escrutínios, como quem ganhará a eleição X, ou quem vencerá o jogo Y, uma vez que tal traduz a rutilante confissão de se estar a opinar acerca do que se desconhece.Outra animadversão contra o contraditório televisivo a que temos direito incide sobre a crescente tendência para fazer dos painéis de debate uma espécie de senado, agrupando elder satesmen e elementos com mais responsabilidades dos grupos parlamentares e das direcções partidárias, em vez de, como outrora, serem chamados preferencialmente jornalistas e universitários.
O prestígio dos programas de discussão da actualidade política cimentou-se com a primeira composição do radiofónico «Flashback», mas, aí, a reputação alicerçava-se no halo de heterogeneidade dos integrantes, apesar de todos estarem ou terem estado nos orgãos ditos de soberania. Vasco Pulido Valente dizia mal com uma constância generalizante, Pacheco Pereira e José Magalhães valiam-se das transferências de campo espectaculares. Hoje é a decadência, cada interventor parece acorrer para transmitir a posição partidária, como se duma extensão do tempo de antena se tratasse. E a mesma fraude que se constata nas eleições é complementada pelo que primeiramente referi: a ilusão de poder conferido ao espectador limitada pelas hipóteses escolhidas por outrem, cozinhadas algures pelo círculo sevicioso dos verdadeiros poderosos nas costas do target a que apontam. Ou seja, votar é sempre um apelo a interpretações parafreudianas que, neste caso sim, poderiam desempenhar um papel descritivo útil.
A imagem é Homem-Televisão, de Slowinski

4 comentários:

  1. São as mazelas desta "caixa" que pode ser verdadeiramente infernal. Uma é a opiniolatria, a outra é a numerolatria. E tudo com muita prestidigitação à mistura. Imagine-se se o manhoso Arouet tivesse contado com um canal de tv... Abraço, Caríssimo Paulo.

    ResponderEliminar
  2. É bem verdade, Caríssimo, dois atalhos seguros para se perder de vista a Personalidade Independente, na medida em que se substitui a ponderação dos temas pela opção instantânea e condicionada.
    Abraço

    ResponderEliminar
  3. Completamente de acordo, Paulo. É de fugir esta nova tendência de "ausculação" da opinião popular por votação telefónica, passo-me completamente, assim como a pobeiza franciscana dos "paineleiros" de serviço, que antes de abrirem a boca já sabemos o que vão dizer.Uma desgraça.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  4. Querida Ariel,
    isto tem de ser mais do que pauperismo no tratamento dos problemas. Na melhor das hipóteses é procurar o adorno fácil para o trabalho, de outra forma mais exigente. Na pior, trata-se de adormecimento deliberado do público.
    Beijinho

    ResponderEliminar