Ai Tempo, ai costumes!

É muito difícil no nosso tempo manter o valor literário num panfleto. A época dos Swifts e Defoes era outra, a contemporaneidade guarda com avidez o talento para outros empreendimentos e aproveita para descambar nestes instantes, como atesta o célebre desafio do Almada, Autor que venero em muitas outras publicações, mas que, sem qualquer simpatia pelo Dantas, me deixa frio no fácil rastilho de fama do «Manifesto...». Já nas polémicas é mais habitual continuar-se grande, porém a concretização panfletária não passa de um desesperado e precoce apelo a elas. Reconheço uma só concretização coeva do género que tenha conseguido manter intacta a valia artística, o livro de Jacques Laurent contra Mauriac e De Gaulle.
Assim, o apelo que produzirá um escrito do tipo falado repousará sempre nos sentimentos de repulsa que nos inspire a realidade que visa denunciar. Razão mais do que bastante para publicar o poema que segue, inconformado que estou com o que me rodeia, uma multiplicação hiperbólica do que motivou o grito de 1977 que se reproduz. A ponto também de me fazer vencer o temor de ferir com o derradeiro e vernáculo vocábulo, por considerar que as sensibilidades mais exigentes há muito se devem encontrar calejadas pela mediocridade que magoa qualquer patriota.

Encimado pela suína do Bordalo, com epígrafe de Ramalho, de Silva Resende:

TACHISTAS, OPORTUNISTAS
E OUTROS ISTAS

Ave João Felix! Todos os que vão falar
te saudam. Ò Cesar da retórica, ó
boca de ouro, ò sarça ardente,
ò salamandra, ò coluna de fogo! Tu és a
árvore do bem e do mal do palavreado.
Tu és o sicómoro da ciência portuguesa.
Ó monte de civilidade, vaso de gramática latina,
seirão de opúsculos, odre de pedagogia,
torre de nominativos,
cidadela de gerúndios... Misere nobis


Subservientes, rasteiros,
de gesto fácil p´ra vénia...
Atentos como rafeiros,
nojentos como a ténia.

Polulam por todo o lado.
Partem, repartem o bolo,
comendo o melhor bocado,
passando o sábio por tolo.

Não têm credo, política,
do que vontade somítica
de D. Pedro ou D. Lacerda...

Um só tema, um só facho:
a conservação do tacho!
Uf! Que nojo. Que merda.

4 comentários:

  1. Belo Grito de Revolta! Válido para 1977 e válido para 2011.
    Dize-me, Caro Paulo: este Silva Resende é o Antero, publicista, director de «O Dia», entre outras coisas?
    E, já agora, sabes se ainda está entre nós? Ocorreu-me esta dúvisa, na passada semana, em conversa com um dos nossos Jovens.
    Abraço!

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  2. Meu Caro João, o antigo Director de «O Dia» e de «A Bola» não sei se ainda vive, tenho ideia de ter visto noticiado o óbito, mas como sofro do péssimo hábito de "matar" as pessoas, estando elas vivíssimas...
    Tenho o poema numa recolha publicada em Leiria, ed. de Autor, intitulada «Povo Meu Poema». As badanas dizem-me que o autor escreveu um outro volume, intitulado «Judeu Errante», que foi reeditado pela Nova Arrancada. Como sei que o Concernido colaborou em prefácios para outros volumes da editora...
    Abraço

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  3. Meu Caro Paulo, reparando na coincidência dos apelidos, fui acometido por essa dúvida, em tempos (que já lá vão...), inquiri na própria editora Nova Arrancada, e asseguraram-me que, por estranho que pareça, o autor de «O Judeu Errante» não é o mesmo Silva Redende de «O Dia» e de «A Bola». Está esclarecida a coisa. Temos dois Homens!
    Abraço.

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  4. Ah, bom, antes assim.
    Se se perde o fascínio da Unidade, conquistamos todavia a impressão de estarmos menos sozinhos.
    Abraço, Meu Caro João

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